Academia Brasileira de Ciências | 14/03/2024
A Academia Brasileira de Ciências (ABC) lançou neste 14 de março o livro “Segurança Alimentar e Nutricional: O Papel da Ciência Brasileira no Combate à Fome”, organizado pela diretora da ABC Mariangela Hungria com a colaboração de mais de 40 cientistas. A Acadêmica e outros quatro autores estiveram na cerimônia e falaram um pouco sobre a produção.
Os investimentos em ciência revolucionaram a agricultura brasileira, que passou de importadora de alimentos na década de 1960, para grande exportadora de grãos e carnes nos dias de hoje. No entanto, enfrentamos duas contradições que precisam ser resolvidas. Primeiro, produzimos alimentos suficientes para alimentar globalmente quase um bilhão de pessoas, mas, ainda assim, temos mais de 33 milhões de brasileiros com fome. Segundo, 70% das pessoas que passam fome no Brasil estão na zona rural, onde esses alimentos são produzidos.
“É um trabalho de muitas pessoas e que integra muitas visões. São 18 capítulos explicando a história do combate à fome no Brasil, o que já foi feito, o que ainda precisamos fazer e como a pesquisa científica se integra em tudo isso”, afirmou Hungria antes de abrir espaço para seus co-autores.
Sobre o problema de soberania alimentar abordou o professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) Renato Maluf, que coordena a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan). Para ele, a ciência não pode ser fechada se quiser contribuir nesse assunto. Numa área com tantos atores sociais envolvidos, a pesquisa deve ser feita ao lado do agricultor para ser efetiva. “Precisamos ter em mente que o conhecimento acadêmico é fundamental, mas não é o único”, alertou.
Essa visão integrada já está sendo compreendida no Brasil, tanto na academia quanto no governo. “O Brasil tem uma produção reconhecida nesse campo, temos uma experiência bastante moderna, interdisciplinar nas universidades e intersetorial nos governos. De certa forma, os desafios são parecidos, envolvem compartilhar poder com outras áreas”, avaliou Maluf.
A Rede Penssan foi a responsável por trazer, em 2021, o número alarmante de 33 milhões de brasileiros em situação de insegurança alimentar grave. Também coordenadora da rede, a professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Sandra Maria Chaves dos Santos lembrou que os estudos foram feitos em resposta à uma total falta de vontade política do antigo governo. “Os números vieram de uma pesquisa domiciliar, ou seja, não leva em conta populações de rua. Os números reais tendem a ser ainda maiores”, alertou a especialista.
Ela contou que novos levantamentos estão sendo pensados para englobar essas populações, e também uma plataforma integrada de dados – algo indispensável em qualquer área da ciência atualmente. Nesses esforços, o fortalecimento dos institutos de pesquisa e monitoramento, que contribuem para formar pessoal capacitado, é fundamental. “Precisamos de mais investimento durante mais tempo, projetos sociais de impacto não se fazem em apenas 18 meses”, disse.
A professora Gabriela de Lima e Silva, do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Piauí, escreveu o capítulo sobre a participação das mulheres na segurança alimentar. Construções sociais históricas fizeram com que mulheres estivesses intimamente ligadas ao tema, desde a produção, o abastecimento até a preparação dos alimentos, mas este trabalho segue sendo invisibilizado.
“Mulheres mantém conhecimentos e práticas tradicionais, saberes femininos, desde a agricultura até a mesa. Temos exemplos de grupos agroecológicos que são majoritariamente femininos, a maior proporção de mulheres nos trabalhos de produção de alimentos, a divisão desigual do trabalho doméstico. Foi um grande desafio trazer à tona todas essas realidades sem naturalizá-la”, explicou a professora.
Fazendo a ponte com o setor privado, a diretora executiva da Fundação Bunge, Claudia Buzzette Calais, escreveu o capítulo 15, sobre as responsabilidades de cada ator social na agricultura brasileira. Ela trouxe exemplos de uma iniciativa da fundação que integra grandes produtores, agricultores familiares e comunidades indígenas.
“Introduzimos a criação de abelhas a grandes e pequenos produtores no Mato Grosso. Para dar certo, o grande agricultor precisou rever seus agrotóxicos e dar mais valor às áreas verdes e aos corpos d’água de sua propriedade. Na preservação, os indígenas são fundamentais e auxiliam inclusive na restauração de áreas para cumprir esse papel. Os pequenos produtores, por sua vez, adquirem a expertise na criação de abelhas e, além da polinização, ganham uma nova fonte de renda com o mel”, exemplificou.
“O agronegócio não pode ser apenas sobre o grande produtor de commodities. Ele precisa ser feito com a participação de todos e gerando renda para todos. Os trabalhos não são excludentes, um dialoga com o trabalho do outro”, concluiu Calais.
Publicado pela Academia Brasileira de Ciências
https://www.abc.org.br/2024/03/14/ciencia-precisa-fazer-sua-parte-no-combate-a-fome-alerta-novo-livro-da-abc/