Blog do IFZ | 09/12/2024
Inovação para a saúde e a digestibilidade
O feijão, um dos alimentos mais consumidos no Brasil, acaba de ganhar uma versão mais saudável e fácil de digerir. Pesquisadores da Embrapa — equipe formada por Josias Correa, Rosana Vianello e Dener Lucas dos Santos — utilizando técnicas avançadas de edição gênica, desenvolveram uma nova variedade que reduz significativamente os compostos responsáveis pelo desconforto digestivo e pela flatulência – um problema comum entre consumidores de feijão, lentilhas e outros alimentos como brócolis e couve-de-bruxelas.
A inovação foi possível graças à tecnologia CRISPR, uma ferramenta revolucionária de engenharia genética. Pela primeira vez, cientistas eliminaram genes responsáveis pela produção de rafinose, um tipo de carboidrato da família dos oligossacarídeos. Essas substâncias, que o organismo humano não consegue digerir, são fermentadas por bactérias no intestino, gerando gases como dióxido de carbono e metano.
Como a tecnologia funciona?
O CRISPR, conhecido como “tesoura molecular“, é capaz de cortar trechos específicos do DNA e desativar genes indesejados. No caso do feijão, os cientistas da Embrapa identificaram dois genes ligados à produção de rafinose e os inativaram. Segundo a pesquisadora Rosana Vianello, da Embrapa Arroz e Feijão, a tecnologia não só permite maior precisão como também abre novas possibilidades para o desenvolvimento de alimentos mais nutritivos e atrativos.
Para alcançar esse resultado, os pesquisadores analisaram o genoma do feijão, sequenciado há quase uma década, e estudaram como os genes se expressam durante o desenvolvimento da planta. A partir disso, aplicaram o CRISPR para eliminar os compostos antinutricionais de maneira precisa e eficiente.
A ciência por trás do CRISPR
A tecnologia CRISPR é considerada uma das maiores revoluções da biotecnologia. Descoberta pelas cientistas Emmanuelle Charpentier e Jennifer A. Doudna – vencedoras do Prêmio Nobel de Química em 2020 –, ela permite editar o DNA de forma ágil e precisa. A técnica já foi usada para criar plantas mais resistentes a pragas e condições climáticas adversas, mas, no caso do feijão, é a primeira vez que é aplicada para melhorar a digestibilidade do alimento.
Por que isso importa?
Além de ser uma fonte rica em proteínas, fibras e minerais, o feijão é parte essencial da dieta de milhões de pessoas no Brasil e no mundo. No entanto, fatores antinutricionais como os oligossacarídeos da família da rafinose podem causar desconforto digestivo e reduzir a absorção de nutrientes. Métodos caseiros, como deixar os grãos de molho antes do preparo, ajudam a minimizar o problema, mas não são suficientes para eliminá-lo por completo. Com essa nova variedade, o feijão poderá ser consumido sem a necessidade de preparos especiais para melhorar a digestão.
Impacto no prato e no campo
A pesquisa não traz benefícios apenas para os consumidores, mas também para os agricultores. Uma variedade de feijão que cause menos desconforto digestivo pode aumentar a aceitação do produto no mercado e até impulsionar as exportações. Além disso, a iniciativa serve como modelo para o desenvolvimento de outras culturas agrícolas mais saudáveis e sustentáveis.
Próximos passos
Embora promissora, a nova variedade de feijão ainda precisa passar por testes de campo e validação. As sementes editadas devem ser plantadas e colhidas por várias gerações até que a modificação genética se torne estável e herdável. Segundo a equipe da Embrapa, esse processo pode levar de cinco a oito anos, mas os pesquisadores estão confiantes nos resultados.
Essa pesquisa integra um projeto maior voltado ao uso da biotecnologia no melhoramento genético do feijão-comum, com o objetivo de reduzir fatores antinutricionais e desenvolver grãos mais resistentes às mudanças climáticas.
Com essa inovação, o Brasil reafirma seu protagonismo em pesquisas agrícolas, oferecendo soluções que unem saúde, tecnologia e sustentabilidade. Se os resultados forem promissores, o feijão “mais leve” poderá transformar o mercado e a alimentação de milhões de pessoas no dia a dia.