COP 30 – entre achados e perdidos

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Sergio Schneider | 24/11/2025

A reunião oficial da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (United Nations Framework Convention on Climate Change) acabou, e fica a pergunta: no que avançamos e o que faltou fazer?

A ministra Marina Silva fez um compilado e disse que “progredimos, ainda que modestamente” sobre os resultados observados na COP30. Na visão da ministra, a conferência não conseguiu chegar a consensos sobre os “mapas do caminho” para afastar a economia global dos combustíveis fósseis e para zerar o desmatamento. A organização Observatório do Clima também considerou pífios os resultados para quem queria uma “COP da implementação” em relação aos Acordos de Paris, de 2015.

Talvez o ponto principal seja o próprio modelo desta reunião, que requer construir consensos entre 190 países na base da conversa, do diálogo e do convencimento, em um cenário de múltiplas crises, incertezas e falta de direcionalidade. Afinal, o que realmente unifica os países do Planeta Terra é que todos, sem exceção, de alguma forma ou em alguma extensão, são vítimas das mudanças climáticas e do aquecimento global. Quando a questão unificadora é algo com conotação negativa, torna-se muito difícil chegar a acordos sobre quem e como deveria fazer o quê.

Enquanto isso, o planeta aquece, e os distúrbios ocasionados pelos eventos extremos pipocam por toda parte, como o tornado que destruiu a cidade de Rio Bonito do Iguaçu, no Paraná, no dia 7/11/2025, deixando seis mortos, mais de 700 feridos e, certamente, incontáveis traumas e afetações psicológicas.

A avaliação geral é que o saldo foi positivo em Belém porque se deu um passo importante ao decidir, até a COP31, pelo desenvolvimento de um mecanismo institucional para a transição justa, chamado pela sociedade civil de Mecanismo de Ação de Belém (BAM, na sigla em inglês).

Eu estive na COP30, do dia 12 ao 22 de novembro. Participei ativamente de discussões e debates, vários painéis, mesas-redondas e conversas de corredor. A cidade de Belém está bonita, todos foram muito bem acolhidos. Os preços da comida estavam módicos em todos os lugares que visitamos, inclusive na Estação das Docas e no Mercado Ver-o-Peso. As instalações estavam boas, tanto na Blue Zone quanto na Green Zone. Mas eu fiquei mais tempo na AgriZone, um espaço localizado na Embrapa Amazônia Oriental, que estava muito bonito. Também participei de eventos no Museu Emílio Goeldi e na Cúpula dos Povos, além de atividades na Casa da Sociobiodiversidade, no Museu do BNDES e no espaço da UFPA, recém-reformado.

A COP30 me trouxe “mixed feelings”, como se diz quando se tem dificuldades de definir algo como bom, mas também não dá para dizer que é ruim.

Entre os pontos positivos da COP30 — os achados — eu destacaria:

A criação do Fundo Florestas Tropicais para Sempre (Tropical Forest Forever Facility), mecanismo idealizado pelo Brasil na COP28 e que, em Belém, somou compromissos de aportes de mais de US$ 6,5 bilhões de países para financiar a preservação de florestas em 70 países.

Embora não tenha sido aprovado um roadmap (mapa do caminho), ficou claro para todos os presentes que é apenas questão de tempo — de quando — será dado início ao caminho da transição do uso dos fósseis para fontes alternativas de energia. Os países que se desenvolveram na base do petróleo e do carvão (o chamado Norte Global industrializado) sabem o que fizeram e sabem que uma hora dessas a conta vai chegar; eles querem mais tempo. Os países em vias de desenvolvimento (ou de industrialização tardia), como China, Índia e mesmo o Brasil, também querem ganhar tempo para iniciar a transição. Por fim, os países pobres e não desenvolvidos têm discursos e propostas que se fixam na reclamação de que querem receber pagamentos por serviços ecossistêmicos para preservar ou não se envolver com os fósseis. Nesse quadro, era difícil mesmo aprovar algo sobre a transição energética tão necessária e, com ela, caminhar mais rápido para reduzir as emissões do terrível CO₂.

Destacam-se as iniciativas em torno do que vem sendo chamado de sociobioeconomia, sistemas alimentares sustentáveis e soluções baseadas na natureza (como agroecologia, sistemas agroflorestais, entre outras tecnologias sociais) para promover uma transição que não deixe ninguém para trás. Assisti a muitos debates sobre esses temas, presenciei a apresentação de casos bem-sucedidos, lançamento de livros e muitas — mas muitas mesmo — articulações entre atores sociais como camponeses e pequenos produtores, quilombolas, ribeirinhos, entre outros. Saí da COP30 de Belém convicto de que a agricultura, a alimentação e os sistemas alimentares entraram definitivamente na agenda e cresceram muito. Doravante, não haverá como ignorar que os agricultores familiares e as populações indígenas e tradicionais são, ao mesmo tempo, os principais afetados e prejudicados, assim como também parte da solução dos problemas decorrentes das mudanças climáticas.

Por fim, é necessário um elogio ao governo brasileiro pela organização da COP30, tanto no nível federal, quanto estadual e municipal. Todos os governos passaram no teste e cada um colherá frutos futuros, pois a COP deixará como herança infraestruturas locais, como o enorme centro de eventos construído, melhoria nas estradas, reforma de espaços públicos, como prédios tombados, e, com certeza, muitos participantes voltarão no futuro para Belém como turistas. Mas o ponto alto da atuação do governo brasileiro vai ficar com a Embrapa e a excelente repercussão da AgriZone e, acima de tudo, o papel dos nossos embaixadores e negociadores, que deram uma aula de como destravar negociações e criar alternativas para antecipar ou reduzir a exacerbação de posições extremistas. O Ministério das Relações Exteriores, o presidente André Aranha Corrêa do Lago e os enviados dos ministérios foram simplesmente fantásticos em trazer as posições do Brasil, debater temas polêmicos e oferecer soluções criativas, como o documento chamado de “mutirão”, que concentrou tudo em um pacote e teve como resultado o destravamento de impasses entre países ricos e em desenvolvimento sobre o financiamento.

Sergio Schneider, Wellington Dias e Lilian Rahal
Sergio Schneider, Wellington Dias e Lilian Rahal

Um ponto positivo que vou preferir não colocar na minha lista refere-se à massiva participação de povos indígenas, comunidades tradicionais e afrodescendentes, que marcaram presença em Belém em manifestações e passeatas e, ao final, receberam menção no documento final da COP30. Visitei alguns espaços em que esses grupos se reuniam; foi muito bom. Na ampla maioria, seus participantes eram jovens ativistas. Mas fiquei com dúvidas sobre se, efetivamente, esses grupos conseguiram ser ouvidos pelos negociadores oficiais da conferência da ONU.

Representantes do Movimento dos Pequenos Agricultores
Representantes do Movimento dos Pequenos Agricultores

Entre os pontos negativos da COP30 — ou aqueles que resultaram em procrastinação e “tempo perdido” — eu destacaria:

Ficou faltando algo de concreto em relação ao roadmap para os combustíveis fósseis. O documento final, mais uma vez, não toca no assunto, e as emissões de CO₂ decorrentes da queima de carbono fóssil seguirão. Os interesses poderosos da indústria petroleira e do carvão, liderados pela Arábia Saudita e pelos americanos, mais uma vez conseguiram o que queriam: procrastinar, adiar, evitar. E todo mundo sabe que, se os humanos que habitam o planeta Terra quiserem ter uma chance de viver sem riscos daqui a algumas décadas, é preciso agir — e tem que ser agora. Isso é particularmente ruim porque se sabe que ali na frente os fósseis terão que ser banidos ou reduzidos. Então, se é de conhecimento consciente, por que seguir no caminho errado? Errar é humano, mas persistir no erro é burrice, diz o adágio brasileiro.

Financiamento!! Nada avançou em relação à COP29, em Baku, quando se decidiu que haveria um montante de US$ 300 bilhões para financiar a adaptação climática dos países ricos em relação aos em desenvolvimento. A decisão de mutirão alcançada prevê que o financiamento para essa área deveria triplicar até 2035, em comparação aos níveis de 2025, mas não se sabe qual é o número de 2025 porque ele não foi sequer calculado. Na prática, o texto acordado determina que se triplique um valor que não se sabe qual é. É mais ou menos como multiplicar nada por coisa nenhuma, o que fica igual a nada!!

A falta de financiamento para aceleração das ações pode ser depositada na conta dos Estados Unidos, que se abstiveram de estar na COP30, embora seus lobistas estivessem presentes. Mas também da União Europeia, que demonstrou pouco apetite e ambição em fazer algo de concreto. Houve quem dissesse que ambos só vieram a Belém para “fazer obstruções e sabotagens diplomáticas”.

Desmatamento. Para além da apresentação dos resultados alcançados pelo Brasil nos anos recentes na redução das áreas desmatadas, a COP30 pouco fez ou apontou de concreto em relação à questão. Sim, é verdade que foi criado o Fundo Florestas Tropicais para Sempre. Mas parece que esse fundo se destinará mais a preservar a cobertura florestal que ainda existe do que a recompor áreas já desmatadas. Quem financiará o plantio de árvores nos países pobres, notadamente na África e na Ásia, onde ainda se derrubam árvores para plantar palma ou até mesmo para cozinhar alimentos com lenha? De concreto mesmo, só a promessa do presidente da COP30, embaixador Corrêa do Lago, de que vai “criar um mapa do caminho para reverter o desmatamento” durante sua gestão nos próximos 12 meses.

E os cientistas? Como avaliar o papel dos experts especializados em clima e seus efeitos? É bom lembrar que a COP30 possuía um espaço chamado “Science Pavillion”, onde se concentravam pesquisadores do quilate de Carlos Nobre e Johan Rockström — ambos atuaram como chair —, entre outros que passavam por lá, como membros de academias de ciências, editores de revistas internacionais e cientistas individuais, como eu mesmo, Luciana Gatti do INPE e muitos mais.

Sergio Schneider e Carlos Nobre
Sergio Schneider e Carlos Nobre
Sergio Schneider e Johan Rockström
Sergio Schneider e Johan Rockström

É claro que os cientistas têm um papel crítico em relação às mudanças climáticas — o contrário seria negacionismo. Contudo, assim como tenho dúvidas sobre o alcance da mensagem enviada pelas populações subalternas para se fazerem ouvir pelos negociadores, levanto a mesma questão em relação aos cientistas: será mesmo que a ciência e os cientistas estão conseguindo ressoar as evidências sobre o aquecimento global, bem como suas terríveis e devastadoras consequências, de tal forma a influir nos debates e na formulação de políticas?

Minha desconfiança se estriba no fato de que os cientistas parecem estar falhando — ou pelo menos não estão conseguindo ser ouvidos — e incidir nas decisões dos governantes no debate sobre as transições. A sensação que me ficou na COP30 é que os cientistas fazem os alertas vermelhos (Nobre sempre chama a atenção para o fato de que cada grau a mais no aquecimento do planeta leva a desastres ainda mais severos, com destaque para a savanização da Amazônia e chuvas intensas acompanhadas de tornados e furacões cada vez mais fortes. Rockström, por sua vez, chama a atenção para os tipping points, pontos de não retorno, dos quais sete já teriam sido ultrapassados dos nove existentes), mas os negociadores e policy makers seguem na toada do “business as usual”. Por que será?

Entre achados e perdidos, creio que a balança pende um pouco — apenas um pouquinho — a favor do primeiro. A COP30 pode ser considerada bem-sucedida; afinal, fazer um evento desta envergadura em Belém do Pará, em plena Amazônia quente, úmida e chuvosa, e reunir mais de 42 mil participantes de 195 países num lugar chamado Blue Zone não é algo trivial.

Foi muito legal percorrer os corredores, falar com as pessoas, ver aquele espaço de coexistência entre interessados de todas as partes discutindo, por 15 dias, temas comuns. Fiquei com muito orgulho dos brasileiros amazônidas que organizaram um baita evento e fizeram de tudo para receber bem as pessoas. Quem foi à COP30 pode não ter ficado satisfeito com os resultados, mas a infraestrutura, a refrigeração no interior da Blue Zone, a comida servida no restaurante a R$ 40,00 o prato livre (com suco!!) e até os banheiros asseados — não há do que reclamar.

A COP30 me mostrou que há motivos para ser otimista: os seres humanos que habitam o Planeta Terra têm em comum um dispositivo político que visa discutir e achar caminhos para “nosso futuro comum” sem “deixar ninguém para trás”.

Sergio Schneider
Professor Titular de Sociologia do Desenvolvimento Rural e Estudos da Alimentação
Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Porto Alegre, RS, Brasil
Bolsista Produtividade em Pesquisa CNPq, PQ1A
E-mail: [email protected]
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4353-6732