Tese apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Doutora em Antropologia Social
Lis Furlani Blanco | 2022
Em 2014 a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) noticiou com grande destaque a saída do Brasil do Mapa da Fome. Esse feito foi celebrado no país como resultado de um conjunto de iniciativas e programas sociais implementados desde 2003 sob égide do Programa Fome Zero.
Mais de quinze anos após sua criação, o programa ainda é tema de discussão, apesar de ter sido diluído em diversas políticas de segurança alimentar, e até
mesmo políticas de distribuição e geração de renda, recentemente encerradas.
A saída do Brasil do Mapa da Fome é aqui entendida como um “evento paradigmático” a partir do qual busquei desvelar as práticas de produção da fome como principal objeto de atenção e gestão na trajetória das políticas sociais no âmbito do Programa Fome Zero.
Ao recuperar os discursos mobilizados na construção do “Paradigma de Segurança Alimentar e Nutricional” para a produção da fome enquanto um problema social e sociológico, busco questionar as maneiras em que a fome é enquadrada na construção prática de uma política pública que precisa definir, medir e avaliar. Também é central o questionamento dos usos e efeitos dos discursos e saberes que produziram determinado enquadramento deste fenômeno.
Por entender que é analiticamente produtivo não definir a fome a priori, esta tese lança luz aos processos tecnopolíticos de sua transformação na categoria de “Insegurança Alimentar”.
Através de uma etnografia da prática de “dar forma à fome”, que tem como lócus principal a produção de um Arquivo Fome Zero, busco explorar os diferentes dispositivos políticos que conformaram categorias centrais na instituição de uma nova forma de governamentalidade no país.
Noções como as de direitos, assistência e necessidade são trazidas à baila buscando tensionar a relação entre um “governo da fome” e um “governo pela fome” e a “cidadanização” de certos sujeitos.
É através da atenção a esses movimentos de mutação e estabilização que consigo evidenciar a maneira em que a fome se tornou conhecida, definida e se consolidou como um problema de ordem pública, do Estado, criando sujeitos e populações.
Mostro também como ela foi sendo informada por dispositivos, aparatos e disputas epistemológicas, ao mesmo tempo em que era alijada das experiências concretas de uma população.
Levando a sério a premissa metodológica de olhar para os processos de (con)formação da fome através da etnografia das principais políticas voltadas para seu combate, pude enxergar como se deu a transformação da fome em uma metáfora e os efeitos dessa estabilização.
Baixe aqui a tese completa “Dar forma à fome: uma etnografia das políticas públicas de segurança alimentar na trajetória do Programa Fome Zero“