Fome e desigualdade no Brasil

Por Manoel Moacir Costa Macêdo e Pedro Abel Vieira | Agosto de 2023

Entre as contradições da sociedade capitalista, realçam as sociais e econômicas. Uma das mais evidentes é a divisão por classes sociais. Uma classe, concentra o capital, a outra, o trabalho. No caso da agricultura, os proprietários de terra e os trabalhadores rurais.

Na produção agrícola brasileira, essas distinções são históricas e evidentes. Safras recordes de grãos a cada ano, a exemplo da atual de mais de trezentos milhões toneladas de grãos e a insegurança alimentar de quase metade da população e trinta milhões de brasileiros e brasileiras em fome aguda. A riqueza do agronegócio brasileiro e a pobreza dos trabalhadores rurais. O Brasil em breve será o maior exportador de alimentos do planeta, a exemplo dos grãos e carnes. Mais de uma centena de países e um bilhão de pessoas consomem a comida produzida em nosso país.

Situação de difícil entendimento no senso comum dos brasileiros e brasileiras. De um lado, o Brasil, potência econômica mundial, posicionado entre os treze maiores produtos internos brutos do planeta, relevante produtor e exportador de commodities agrícolas no mercado global e do outro, a fome aguda de mais de trinta milhões de conterrâneos e uma concentração de renda entre as maiores do mundo.

A resposta é simples e não exige conhecimentos complexos. Ela compõe a receita do sistema capitalista. A acumulação de riqueza. Os ganhos em escala da classe proprietária dos meios de produção e desemprego e salários aviltados dos trabalhadores. Em consequência a abismal desigualdade entre os situados na base e no topo da pirâmide de distribuição de renda.

Essa realidade, não é uma exclusividade do Brasil, ela é majoritária no contexto das Nações. Assim, estão a maioria os países do mundo tropical e do hemisfério Sul. África e Ásia são os continentes que concentram a maior parcela da população faminta do mundo. Uma situação que não é determinista e nem divina. Ela tem solução. O Brasil, pela execução de políticas públicas de distribuição de renda, a exemplo do amento real do salário mínimo e de renda-mínima, escapou do Mapa da Fome, elaborado pela FAO – Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, em 2014. Estratégias de segurança alimentar e nutricionais foram aplicadas desde os meados da década de noventa. Entretanto, em face de sua descontinuidade, retornou ao cenário da fome após 2015, com agravamento ao longo da pandemia de Covid-19.

No Brasil, a fome afeta mais de 15% de sua população, com destaque às regiões Norte e Nordeste, onde cerca de 40% das famílias apresentam insegurança alimentar grave ou moderada. A equação da fome no Brasil, não é recente, carrega a histórica escravidão e políticas públicas deficientes de educação, saúde, emprego e renda. A fome no Brasil é estrutural e está associada à eternização de um emaranhado de subvenções, subsídios, imunidades, isenções e benefícios que não estão vinculados ao combate da pobreza, mas à acumulação das minoritárias classes sociais.

As soluções são conhecidas, mas, de difícil execução, em face das resistências em distribuir, ao invés de acumular, próprias do capitalismo. Importante afirmar, que as soluções, não estão apenas em mãos do Estado, mas do conjunto dos atores públicos, privados, do terceiro setor e de organizações não-governamentais, ao menos em duas vertentes: o combate emergencial à fome, com políticas compensatórias, algumas em curso, e investimentos sustentáveis e distributivistas com ênfase na geração de emprego e renda. Uma evidência é incontestável: existe fome, onde existe extrema desigualdade.

Está pacificado que fome, pobreza e desigualdade, não são pecados e nem castigos dos deuses. Elas são obras humanas, no tempo e espaço determinados. A história registra essas mazelas no curso da humanidade.

A fome não é apenas uma agressão social e moral, mas um atentado à vida, ela atinge o corpo e o espírito. Ela caustica a saúde e o desenvolvimento psico-social, com consequências irreversíveis no desenvolvimento humano. No dizer da dialética, se vincula à trajetória da produção ao consumo. No caso da produção agrícola, inicia no acesso e uso da terra e a seguir na incapacidade dos vulneráveis em comprar comida.

Nessa complexa equação, merece destaque o desperdício, vis-à-vis a fome. Cerca de um terço dos alimentos produzidos, prontos e acabados no interior da propriedade rural, são desperdiçados da porteira dos estabelecimentos agrícolas à mesa dos consumidores. Deficiências estão identificadas na distribuição e comercialização, a exemplo do armazenamento, transporte, processamento e embalagem dos produtos agrícolas. Cerca de 1,3 bilhão de toneladas de alimentos são perdidos ou desperdiçados a cada ano no Brasil. É possível e admissível resolver essas contradições, com políticas estruturais e duradouras.

Oferta de alimentos existe e em abundância. A safra prevista para o corrente ano, ultrapassa trezentos milhões de toneladas de grãos. A carência é de renda dos pobres em adquirir comida, em acordo com as dietas recomendas pelas organizações de saúde e nutrição. A agricultura tem cumprido a sua missão e derrotou a tragédia prevista pela Teoria de Malthus.

No entanto, a despeito de sua variabilidade, algumas práticas agrícolas causam problemas ambientais, doenças e perdas. Por exemplo, a agricultura intensiva em capital, criou um círculo vicioso, que afeta tanto a segurança alimentar quanto a sustentabilidade ambiental, uma vez que a expansão da produção agrícola exigiu o desmatamento e contribuiu para as mudanças climáticas, e em consequência o aquecimento global, inundações, secas e tempestades, o que resultou em insegurança alimentar e fome.

A necessária e urgente autossuficiêna alimentar é um desafio para o desenvolvimento e estabilidade social das atuais e próximas gerações, visto que os recursos naturais são limitados e parte da produção agrícola é alocada para fins não-alimentares, como biocombustíveis, fibras, matérias-primas industriais e serviços ecossistêmicos. A expansão da produção e produtividade agrícola, os insumos sintéticos, máquinas e tecnologias biológicas e de informação tornou-se uma realidade. No entanto, eles devem ser usados, na perspectiva de minimizar os impactos na saúde dos produtores, meio ambiente, trabalhadores e consumidores exigentes por produtos saudáveis, éticos e amigáveis à natureza.

Na dimensão quantitativa, o Brasil é um caso de sucesso na produção de alimentos. Ele produz a quantidade de alimentos suficiente para abastecer o mercado doméstico e atender a demanda externa. Segundo informações do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos da América – USDA, o Brasil é atualmente o maior exportador de carnes bovina e de frango, soja em grãos, açúcar, suco de laranja e café; além de estar entre os principais exportadores de algodão, milho, frutas, carne suína e produtos do setor florestal.

As inovações tecnológicas elevaram a produtividade da agricultura brasileira, permitindo, que a produção agrícola mais que quadruplicou no período de 1990 a 2021, enquanto a área utilizada para a produção de grãos cresceu 68% no mesmo período. A contradição é evidente. Não obstante o fato do Brasil ser uma grande potência na produção de alimentos, e pode ainda produzir muito mais, em face da disponibilidade de recursos naturais, mas a fome e a desigualdade não recuam, ao contrário crescem.

Produzir sim, mas com tecnologias sustentáveis na unidade entre a produção e consumo, para garantir a segurança alimentar, às atuais e futuras gerações. Importante afirmar: existe fome, onde existe extrema desgualdade.

Manoel Moacir Costa Macêdo e Pedro Abel Vieira são engenheiros agrônomos