Dieta mediterrânea e bem-estar mental em adultos de São Paulo

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Blog do IFZ | 20/08/2025

Baixe aqui o estudo “Mediterranean diet and mental health symptoms among Brazilian adults from a health care center

Há mais de meio século, Ancel Keys descreveu o padrão alimentar mediterrâneo como uma síntese de frutos, vegetais, cereais integrais, azeite de oliva, oleaginosas e peixes, temperada por moderação no consumo de vinho, laticínios e aves, e parcimônia no uso de carnes vermelhas. Essa dieta, nascida nas aldeias gregas e italianas do pós-guerra, tornou-se símbolo de longevidade e de um modo de vida equilibrado. Hoje, ela reaparece em novos cenários, carregando uma promessa adicional: o alívio de sintomas de ansiedade e depressão.

Foi com esse pano de fundo que um grupo de pesquisadores brasileiros e chilenos decidiu investigar a relação entre a adesão à dieta mediterrânea e a saúde mental de adultos atendidos em um centro de saúde na cidade de São Paulo. O estudo — conduzido por Lara Natacci, Ana Carolina Barco Leme, Leonardo Negrão, Daniela Hessel Olivetti, Flavia Mori e Elizabeth Aparecida da Silva Torres — representa um esforço conjunto da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, da Universidad Autónoma de Chile e da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.

O que foi feito?

A pesquisa, de caráter transversal, avaliou 199 adultos com idade média de 31 anos, sendo a maioria mulheres (71%). O grupo respondeu a um questionário de frequência alimentar com 78 itens, validado para a população brasileira, que permitiu calcular o Mediterranean Diet Score (MDS) — indicador de adesão a esse padrão alimentar. Em paralelo, aplicaram-se instrumentos clínicos consagrados para avaliar sintomas de depressão (Inventário de Beck), ansiedade (BAI) e sonolência diurna (Escala de Epworth).

O retrato encontrado

Os números revelaram que a adesão à dieta mediterrânea estava longe de ser exemplar: a pontuação média foi de 4,89 em um máximo de 9, indicando que os padrões alimentares do grupo necessitavam de melhorias. Aproximadamente um terço dos participantes (33%) ficou abaixo do ponto de corte considerado mínimo.

Mas o dado mais revelador surgiu quando os cientistas cruzaram dieta e saúde mental:

  • Maior adesão à dieta mediterrânea esteve associada a menores escores de depressão.
  • Entre os indivíduos no tercil mais alto de adesão (T3), as médias de sintomas depressivos foram menores do que entre aqueles com baixa adesão.
  • Quanto à ansiedade, os escores médios permaneceram abaixo do limite para sintomas moderados, mas o consumo de peixe e frutos do mar mostrou-se relevante: participantes com menor ingestão apresentaram maior intensidade de sintomas ansiosos.
  • A sonolência diurna, em geral, permaneceu dentro de níveis normais, mas alguns indícios sugerem relação entre hábitos alimentares e cansaço diurno.

Outro achado importante foi o papel das gorduras. Os indivíduos com sintomas mais graves de depressão apresentaram pior relação entre gorduras monoinsaturadas e saturadas (MUFA/SFA), um dos pilares do padrão mediterrâneo.

O que isso significa?

O estudo confirma, em uma amostra brasileira jovem e urbana, aquilo que pesquisas internacionais vêm apontando: há um elo entre alimentação e saúde mental. Uma dieta mais próxima do padrão mediterrâneo parece proteger contra sintomas de depressão e, em menor medida, de ansiedade.

Entretanto, como lembram os autores, trata-se de um estudo transversal — ou seja, não é possível afirmar que a dieta cause diretamente as diferenças observadas. Ainda assim, os resultados reforçam a importância de políticas públicas e estratégias de promoção da saúde que unam o prato e a mente.

A importância de olhar para dentro

Os pesquisadores ressaltam que, embora o Brasil seja um país de vasta biodiversidade alimentar, nossas práticas dietéticas estão cada vez mais distantes das tradições mediterrâneas e também de nossas próprias heranças culturais de alimentação saudável. O estudo mostra que, mesmo em uma população jovem e escolarizada, os padrões alimentares estão aquém do ideal.

Em suas conclusões, Natacci, Leme, Negrão, Olivetti, Mori e Torres destacam que a baixa adesão à dieta mediterrânea esteve associada a maior severidade de sintomas depressivos e ansiosos. Recomendam, portanto, que futuras pesquisas, com amostras mais amplas e representativas, aprofundem essas relações.

Enquanto isso, resta uma reflexão: talvez a saúde mental, tão frequentemente tratada no campo dos remédios e terapias, também precise ser cuidada à mesa — entre garfadas de frutas, verduras, cereais e azeite.

Baixe aqui o estudo “Mediterranean diet and mental health symptoms among Brazilian adults from a health care center