FIES e IPC: o que os dados do SOFI 2025 dizem sobre a insegurança alimentar no Brasil

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Blog do IFZ | 25/08/2025

A insegurança alimentar é uma medida que vai da simples preocupação com a falta de comida até a experiência concreta de uma pessoa nao comer nada durante um certo tempo (dias/meses). Para medir esse espectro, a FAO utiliza como um de seus índices a Escala de Experiência de Segurança Alimentar (Food Insecurity Experience Scale – FIES), enquanto a Classificação Integrada de Segurança Alimentar (IPC) é aplicada sobretudo em contextos de crises agudas, como guerras ou desastres, como revelou a ONU na última sexta-feira (22/8) com a declaração oficial de fome (“famine”) em Gaza.

Embora metodologias diferentes, ambas se complementam e oferecem pistas importantes para interpretar a realidade brasileira no relatório Estado da Segurança Alimentar e Nutricional no Mundo (SOFI 2025), divulgado em Adis Abeba em 28 de julho.

FIES: a lente das experiências vividas

O FIES mede insegurança alimentar com base em oito perguntas sobre experiências diretas, como preocupar-se com a falta de comida, reduzir a variedade da dieta, pular refeições ou ficar um dia inteiro sem comer durante um determinado período de referência da pesquisa (de um mês ou um ano). As respostas são calibradas por meio da Teoria de Resposta ao Item (IRT), que estabelece uma escala contínua de severidade, comparável entre países.

A FAO define dois cortes principais:

  • Insegurança alimentar moderada ou grave (FImod+sev): pessoas que já estão comprometendo qualidade e/ou quantidade da dieta.
  • Insegurança alimentar grave (FIsev): pessoas que efetivamente ficaram sem comer nada no período de referencia da pesquisa.

Segundo o SOFI 2025, no período 2022–2024, cerca de 28,4 milhões de brasileiros viviam em insegurança alimentar moderada ou grave, o que corresponde a 13,5% da população. Desse total, uma parte menor enfrentava situações de fome grave (FIsev).

Trata-se de um indicador diferente do Prevalência de Subnutrição (Prevalence of Undernourishment, PoU), que mede a proporção da população cuja ingestão calórica é insuficiente para um estilo de vida ativo e saudável. A medição envolve o uso de um conjunto de indicadores que monitoram as dimensões da segurança alimentar, como disponibilidade, acesso, utilização e estabilidade dos alimentos, além de analisar a inflação dos alimentos e o custo de uma dieta saudável. Quando este índice é inferior a 2,5%, significa que o país não consta no Mapa da Fome da ONU – que é o caso do Brasil a partir deste ano.

IPC: a lente das fases de crise

O IPC (Integrated Food Security Phase Classification) classifica territórios e populações em cinco fases de gravidade:

  1. Mínima/segura
  2. Sob pressão/atenção
  3. Crise
  4. Emergência
  5. Fome/catástrofe

Diferente do FIES, que capta experiências em nível individual ou domiciliar, o IPC trabalha com múltiplos indicadores — disponibilidade, acesso, consumo, nutrição, mortalidade — e é usado para análises territoriais, principalmente em emergências humanitárias.

Onde as duas escalas se encontram

O material metodológico disponibilizado pela FAO mostra como alinhar as duas abordagens:

  • Pessoas em segurança alimentar (FIES abaixo de -0,58) se situam na Fase 1 do IPC.
  • Pessoas em insegurança alimentar moderada (entre -0,58 e 0,36) correspondem grosso modo à Fase 2 do IPC (sob pressão/atenção).
  • Pessoas em insegurança grave (acima de 0,36) correspondem às Fases 3+ do IPC (crise, emergência ou fome).

Isso permite que os resultados do FIES sejam traduzidos em categorias mais usuais do IPC, utilizadas globalmente para orientar respostas humanitárias.

No caso do Brasil, os 28,4 milhões de pessoas (13,5%) em insegurança alimentar moderada ou grave representam uma realidade preocupante, embora distante das situações de emergência humanitária observadas em países em guerra ou sob catástrofes climáticas.

Em termos de correspondência com o IPC, podemos dizer que:

  • A maioria desse contingente se encontra em Fase 2 (sob pressão/atenção): são pessoas que reduziram a qualidade da dieta, substituíram alimentos frescos por ultraprocessados ou tiveram de restringir a quantidade de comida. Não estão em crise aguda, mas vivem em constante instabilidade alimentar.
  • Um núcleo menor, porém significativo, está em Fase 3 (crise): pessoas que relataram falta total de alimentos em casa ou ficaram um dia inteiro sem comer. Esses casos se concentram em populações mais vulneráveis — indígenas, quilombolas, agricultores familiares pobres e moradores de periferias urbanas.

Importa destacar que o Brasil não apresenta, em escala nacional, situações equivalentes às Fases 4 ou 5 (emergência ou fome/catástrofe), típicas de contextos de guerra como Sudão do Sul, Iêmen ou Gaza. Ainda assim, a existência de milhões de pessoas vivendo em Fase 2 e Fase 3 é incompatível com o patamar de desenvolvimento e produção de alimentos do país.

Conclusão

O Brasil saiu novamente do Mapa da Fome, mas os números do FIES no SOFI 2025 lembram que 13,5% da população 28,4 milhões de pessoas ainda enfrentam insegurança alimentar moderada ou grave. Em termos do IPC, isso significa que o país convive com uma massa relevante de pessoas em Fase 2 (sob pressão) e uma fração menor – entre 5 e 7 milhões de pessoas – em Fase 3 (crise).

Ou seja: não estamos diante de uma catástrofe humanitária mas garantir que ninguém mais caia em crise e que milhões saiam da situação de pressão alimentar é a tarefa urgente dos próximos anos. O verdadeiro sucesso do Brasil não será apenas sair do Mapa da Fome, mas assegurar que toda sua população  tenha acesso contínuo a uma dieta saudável, digna e acessível.