Blog do IFZ | 11/02/2025
Baixe o estudo “Public Climate Finance for Food Systems Transformation 2024 update“
O financiamento climático global tem crescido significativamente nos últimos anos, mas os sistemas alimentares continuam à margem dessa transformação. Apesar de serem responsáveis por cerca de um terço das emissões globais de gases de efeito estufa e de estarem no centro da crise climática, os investimentos destinados à sua sustentabilidade ainda são insuficientes. Lançado em novembro do ano passado, o relatório da Global Alliance for the Future of Food evidencia essa contradição e alerta para a urgência de corrigir essa lacuna.
O estudo revela um dado alarmante: entre 2017 e 2022, o financiamento climático global quase dobrou, passando de 321 bilhões para 640 bilhões de dólares anuais, mas a parcela destinada aos sistemas alimentares caiu de 3% para apenas 2,5%. Essa retração é preocupante, pois sinaliza que, enquanto setores como energia e transporte avançam rapidamente na transição para um modelo mais sustentável, os sistemas alimentares seguem sem o apoio necessário para enfrentar os desafios climáticos.
Essa baixa alocação de recursos contrasta com o impacto dos sistemas alimentares no meio ambiente. Além de responderem por um terço das emissões globais de gases de efeito estufa, os sistemas alimentares também são grandes consumidores de energia e recursos naturais, representando 15% do uso global de combustíveis fósseis. Ao mesmo tempo, o custo oculto da produção alimentar convencional é gigantesco: segundo o relatório, as externalidades negativas dos sistemas alimentares tradicionais, como degradação ambiental e impactos na saúde pública, chegam a 12 trilhões de dólares anuais.
Para enfrentar essa crise, o relatório propõe uma mudança radical na forma como os recursos climáticos são direcionados aos sistemas alimentares. Uma das principais recomendações é ampliar substancialmente o financiamento para práticas agroecológicas e regenerativas, garantindo que os investimentos não apenas mitiguem os impactos ambientais, mas também promovam a resiliência e a segurança alimentar das populações mais vulneráveis.
Hoje, dos 16,3 bilhões de dólares destinados aos sistemas alimentares pelo financiamento climático público, apenas 9,1 bilhões são aplicados em intervenções sustentáveis. Esse número está muito abaixo do necessário para garantir a transição para sistemas alimentares resilientes ao clima. Estima-se que seriam necessários entre 430 e 500 bilhões de dólares anuais para viabilizar essa mudança de forma robusta e equitativa.
Além do aumento do volume de investimentos, é essencial garantir que esses recursos sejam aplicados em áreas prioritárias. Atualmente, apenas 6% do financiamento climático para sistemas alimentares é destinado a iniciativas que promovem dietas saudáveis e combatem o desperdício de alimentos, duas estratégias fundamentais para reduzir a pegada ambiental da produção e consumo de alimentos. O relatório enfatiza que o financiamento deve abranger toda a cadeia alimentar, desde práticas agrícolas sustentáveis até políticas que incentivem um ambiente alimentar mais saudável.
Outro ponto central do estudo é a necessidade de assegurar que pequenos agricultores, pescadores e povos indígenas tenham acesso direto ao financiamento climático. Atualmente, os recursos são canalizados, em grande parte, para governos e grandes instituições, deixando de fora os produtores que desempenham um papel fundamental na resiliência dos sistemas alimentares. Sem esse apoio financeiro, muitos pequenos produtores são forçados a recorrer a práticas menos sustentáveis para garantir sua sobrevivência, o que perpetua um ciclo de degradação ambiental e vulnerabilidade econômica.
O relatório também aponta para a necessidade urgente de revisar os subsídios agrícolas globais. Hoje, os governos destinam 670 bilhões de dólares por ano a práticas agrícolas que frequentemente incentivam a degradação ambiental e aumentam as emissões de carbono. Esse financiamento poderia ser redirecionado para incentivar práticas agroecológicas, restaurar ecossistemas degradados e fortalecer políticas públicas voltadas para sistemas alimentares mais sustentáveis.
Além disso, é necessário garantir que os compromissos climáticos assumidos pelos países incluam investimentos explícitos na transformação dos sistemas alimentares. Mais de 90% dos Planos Nacionalmente Determinados (Nationally Determined Contributions – NDCs) mencionam a agricultura como um setor-chave para mitigação e adaptação climática, mas poucos estabelecem metas concretas para garantir que os recursos necessários sejam aplicados na transformação alimentar.
O relatório deixa claro que a transformação dos sistemas alimentares não pode mais ser tratada como uma questão secundária. O financiamento climático precisa acompanhar a realidade da crise alimentar e ambiental que enfrentamos, garantindo que os recursos cheguem onde são mais necessários. Se o mundo deseja cumprir as metas do Acordo de Paris e limitar o aquecimento global a 1,5°C, será indispensável garantir um fluxo muito maior de investimentos para a transição alimentar.
Os desafios são enormes, mas as oportunidades também são. A adoção de um modelo alimentar sustentável não só ajudará a reduzir emissões e proteger a biodiversidade, mas também fortalecerá a segurança alimentar global, reduzirá desigualdades e criará oportunidades econômicas para milhões de pessoas. O financiamento climático para sistemas alimentares não é apenas uma necessidade – é uma estratégia essencial para um futuro mais sustentável e resiliente.