Agência EFE | 19/03/2024
Em seus anos à frente da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o brasileiro José Graziano da Silva costumava dizer que “em algum momento haveria mais obesidade do que fome” no mundo e hoje ele tem que especificar: “já há mais” e isso “piora a raça humana”.
Em entrevista à Agência Efe na Casa Encendida de Madri, onde apresenta nesta terça-feira o livro “Josué de Castro e a Diplomacia da Fome”, o ex-ministro brasileiro de Segurança Alimentar e Combate à Fome aponta os alimentos ultraprocessados como os principais culpados pelo fato de a obesidade hoje ser tão preocupante quanto a fome.
Uma obesidade que já atinge “1 bilhão de pessoas no mundo” – contra os “735 milhões de famintos” – e cujas consequências são “geracionais”.
“A obesidade tem um impacto tão ruim ou pior (que a fome), principalmente em crianças e mulheres em idade reprodutiva, é para a vida, para gerações, está comprovado que os filhos de pais obesos carregam essa tendência, é uma piora da raça humana devido ao tipo de dieta”, analisa.
Uma mudança na alimentação da população mundial que “aumentou durante a pandemia”, quando “os produtos frescos não podiam ser acessados em feiras ou mercados” e num período em que “os produtos processados e sobretudo os ultraprocessados ficaram muito mais baratos”, algo que, a par da subida inflacionista dos produtos frescos, facilita a mudança de tendência.
“Estamos indo cada vez mais para alimentos processados e ultraprocessados e menos para os frescos, algo que piora a dieta em todo o mundo porque existe um padrão, todo mundo come igual, você vai para qualquer lugar do mundo e toma café da manhã, almoço e jantar iguais, uma forte concentração de alimentos ultraprocessados, massas e linguiças e isso afeta a obesidade”, diz.
“É fundamental entender que a alimentação não é uma questão individual ou familiar, o Estado tem que assumir a responsabilidade”, diz Lula, coordenador do programa ‘Fome Zero’ do primeiro governo do presidente Lula da Silva, com o qual o Brasil saiu do mapa mundial da fome da FAO.
O brasileiro defende que a obesidade infantil não é culpa das famílias, mas sim de “na escola terem uma quantidade absurda de batatas, doces, etc., para comprar na cantina” ou que quando se sentam em frente à televisão “há propaganda com desenhos que os atrai” para comer esses alimentos.
Portanto, é necessário “tirar o alimento” da “esfera privada e repassá-lo ao público”: “É o salto de qualidade que temos que dar, que o Estado se envolva mais nisso porque já está claro e demonstrado que os hábitos alimentares são formados em um período mínimo de 3 meses a um ano e são mantidos.”
“Quanto mais jovem, mais fácil é mudar, então o jeito é fazer na escola, na merenda escolar, porque vai haver resultados diferentes se uma escola tiver produtos frescos, uma alimentação equilibrada ou se simplesmente distribuir produtos processados”, acrescenta. Há “comida suficiente” para todos.
O brasileiro garante que são produzidos alimentos “suficientes” no mundo, sobretudo em cereais básicos como arroz, soja ou trigo, para alimentar toda a população, embora especifique que há “escassez” em alguns alimentos frescos, como legumes, fruta ou legumes.
Apesar disso, ele ressalta que o problema dos alimentos e da pobreza não é a escassez, mas a “especulação” sobre preços e estoques.
Por isso, considera que os progressos contra a erradicação da pobreza são “muito insuficientes”, porque em 2030, a concretizarem-se as previsões, “ainda haverá 600 milhões de pessoas com fome no mundo”.
“Hoje temos 735 milhões, vamos baixar para 600, mas a meta para 2030 era zero, é muito insuficiente”, frisa.
Tradução: Paola Ligasacchi