Juros e crescimento na agricultura: lições para a sociedade

Por Eduardo Debaco no Vínculo | 14/07/2023

Dois temas tiveram grande repercussão recentemente para além dos círculos acadêmicos: a taxa de juros e o crescimento econômico. O crescimento do PIB no 1º trimestre de 2023 é quase que exclusivamente em decorrência do desempenho da agropecuária[1] que, apesar da taxa de juros elevada, mostrou sua força. Diante disso, muitos se perguntaram como é possível a agricultura ser o único setor imune aos efeitos da maior taxa básica do mundo, se descontada a previsão de inflação para os próximos 12 meses[2].

Em qualquer faculdade de Economia, aprende-se logo no primeiro semestre que juros, crescimento, emprego e inflação são temas umbilicalmente ligados. Apesar disso, o noticiário apressou-se em atribuir o crescimento à competência de nossos produtores, à competitividade de nossas terras e, uns poucos, ao dólar que caiu e favoreceu a demanda, apesar de prejudicar o lucro. Então, pelo menos no caso específico, a Teoria Econômica não funcionou?

Um elemento que é deixado de fora do debate são as políticas públicas voltadas para o setor agrícola. Economistas de mercado têm dificuldade em avaliar esse tema, então apelam ao negacionismo, fingem que elas não existem. O fato é que, a política agrícola foi um dos setores onde o governo anterior menos interferiu. Paulo Guedes atrapalhou como pôde o Plano Safra, mas acabava por se curvar ao agro. Entre as dificuldades criadas pelas equipes econômicas de Temer e Bolsonaro, estão o fim da TJLP (o que criou dificuldades para equalização), a tentativa de criar uma taxa variável (que não vingou) e os contingenciamentos de recursos, a exemplo do que ocorreu com outros setores no vale tudo eleitoral que se transformou a execução do Orçamento da União em 2022.

A questão é que a política agrícola resistiu e ela tem tudo a ver com taxa de juros. Os bancos públicos como o BNDES, o Banco do Brasil e o Banco do Nordeste, entre outros, e os bancos cooperativos fornecem crédito com taxas fixas e abaixo das taxas de mercado para que os agricultores possam comprar sementes, fertilizantes, tratores, silos de armazenagem e tudo o mais que for necessário. A diferença entre os juros de mercado e a taxa cobrada pelo produtor é definida e paga pelo governo federal através de uma estrutura de governança que envolve o Ministério da Agricultura, o Ministério do Desenvolvimento Agrário, o Ministério da Fazenda e o Banco Central do Brasil. As decisões desse colegiado são formalizadas por meio de resoluções do Conselho Monetário Nacional (CMN) e de portarias do Ministério da Fazenda que estabelecem os critérios a serem seguidos pelos bancos. Esse sistema também confere previsibilidade ao produtor, já que é possível prever o valor exato de cada prestação em contratos que podem chegar a 5 ou 10 anos. Aqui é preciso fazer um parêntese para dizer que essa política precisa ser melhorada e esse debate foi tema do VÍNCULO 1549, sob o título “Afinal, o agro é pop? – questiona o Jornal dos Economistas”.[3]

Quer dizer, não foi só a mão invisível do mercado que produziu o crescimento econômico observado, mas também uma coordenação público-privada que se mostrou resiliente ao negacionismo instaurado. Há profissionais de carreira e de mercado muito competentes operando esses mecanismos. Como exemplo, pode-se tomar o caso do Moderfrota[4], que é um dos programas com taxas mais altas e, portanto, menor subvenção. No gráfico abaixo, compara-se a taxa de juros do programa com a Selic acumulada em 12 meses (“ex-post”).

O Moderfrota ficou abaixo do custo de mercado na maior parte do tempo nos últimos 10 anos e isso é assim há 30 anos, sendo que outros programas têm taxas significativamente menores. Isso só não ocorreu entre janeiro de 2020 e janeiro de 2022, período em que a Selic estava muito baixa. Em julho de 2021, o BACEN começa a subir os juros, mas a política agrícola só acompanha o movimento até certo ponto, de forma que ao longo de todo o ano de 2022 e 2023 os juros ao produtor rural para custeio, comercialização, industrialização e investimento ficaram abaixo das taxas de mercado. Isso ocorreu apesar de Paulo Guedes, que sempre atuou para acabar com toda e qualquer subvenção para a produção, seja ela rural, industrial, artística ou qualquer outra.

O que parece importante agora é aproveitar a notoriedade que o assunto taxa de juros ganhou para debater com a sociedade como isso afeta a todos. Estive na rua recentemente perguntando a populares se eles achavam que a taxa de juros estava alta. Como alguém pode achar que não? Mas as conversas foram surpreendentes. Um cidadão não queria falar sobre o assunto, era defensor do Banco Central independente e só economistas poderiam tocar no assunto. Depois de alguma insistência, aceitou conversar. A mídia, que no início do ano tinha uma atitude semelhante à dele, agora parece que entrou no debate e tem mostrado os pátios das montadoras cheios de veículos que ninguém consegue comprar[5].

Essa foi uma imagem que ajudou a convencê-lo do negacionismo hoje instaurado no comando da política monetária do Brasil.

Outro cidadão, no entanto, não consegui convencer, estava quase chegando lá, mas ele disparou que para o povo trabalhador 1% de juros a mais ou a menos não faz diferença. É mesmo difícil explicar para o leigo essa diferença de 1% que representa dezenas de bilhões apenas para os cofres públicos, mesmo porque ninguém quer que o leigo compreenda, “são interesses”, como dizia Brizola. Enfim, apesar de a taxa de juros ser um dos grandes motivos do endividamento e da inadimplência das famílias brasileiras, a comunicação parece ser um desafio importante para a popularização do debate.

As taxas no Brasil são historicamente altas, para não dizer exorbitantes, nem sempre como agora, mas são. Por isso, políticas públicas que queiram gerar investimento, crescimento, emprego e desenvolvimento econômico sempre passaram por superar esse problema. É necessário que a academia, os sindicatos e os corpos técnicos de órgãos como o BNDES, o Ministério da Fazenda, o IBGE, o BACEN e outros órgãos ligados ao tema sejam provocados a debater o assunto, tanto pelas instituições quanto por suas entidades representativas. De outra forma, a sociedade civil ficará sentada aguardando um consenso que virá do mercado e da mídia. No meio rural, os produtores participam ativamente e influenciam os resultados da política agrícola, independentemente de quem está no governo, eles sabem bem o que representa 1% a mais ou a menos, em que pese ser necessário deixar claro que o excesso na taxa de juros atualmente é bem maior do que isso.

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[1] A Agropecuária cresceu 18,8% em relação a igual período do ano anterior. A Indústria cresceu 1,9% e os Serviços 2,9%. (https://www.gov.br/secom/pt-br/assuntos/noticias/2023/06/pib-do-brasil-cresce-1-9-no-1o-trimestre-de-2023)

[2] Taxa real de 7,54% no Brasil, seguido pelo México com 5,94%. (https://exame.com/economia/com-selic-em-1375-brasil-continua-sendo-o-pais-com-a-maior-taxa-de-juros-reais-do-mundo/)

[3] http://www.afbndes.org.br/vinc1549/Institucional.htm

[4] Utilizou-se a taxa no início de cada período deduzida do CAT (Custo Administrativo e Tributário) para comparar com as taxas efetivamente praticada pelos bancos em empréstimos com custo de mercado, que se baseiam na taxa Selic acrescida dos custos e lucros.

[5] https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2023/06/28/mar-de-carros-patio-da-volkswagen-no-abc-paulista-fica-lotado-de-veiculos-empresa-suspendeu-temporariamente-producao.ghtml

Eduardo Debaco é Economista licenciado do BNDES

Publicado originalmente no Vínculo
https://www.afbndes.org.br/juros-e-crescimento-na-agricultura-licoes-para-a-sociedade-por-eduardo-debaco/