Blog do IFZ | 13/10/2025
Roma — O presidente Luiz Inácio Lula da Silva abriu, nesta segunda-feira (13/10), o Fórum Mundial da Alimentação, evento central das comemorações dos 80 anos da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Em um discurso marcado por emoção e firmeza, Lula reafirmou o compromisso histórico do Brasil com o combate à fome e a construção de sistemas alimentares justos e sustentáveis.
“O Brasil tem orgulho de fazer parte da história desta organização”, declarou. “Seu apoio foi fundamental para fortalecer políticas brasileiras que se transformaram em referência global.” Ele destacou o papel da FAO e do ex-diretor-geral José Graziano da Silva — presente na cerimônia — na disseminação internacional do Programa Fome Zero, inspiração direta do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável número 2 (Fome Zero).
Ao relembrar a trajetória brasileira, Lula ressaltou que a combinação de programas como o Bolsa Família, a alimentação escolar e o fortalecimento da agricultura familiar permitiu retirar o país do Mapa da Fome em 2014. “O retrocesso que vivenciamos nos anos seguintes demonstrou que o combate à fome deve ser uma luta perene. Não se trata de assistencialismo. É preciso colocar os pobres no orçamento e transformar esse objetivo em política de Estado”, afirmou, em referência às políticas desmontadas nos últimos anos.
Após a cerimônia de abertura, Lula participou da reunião do Conselho de Campeões da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, iniciativa lançada em 2024 por seu governo e acolhida pela FAO e pelo Programa Mundial de Alimentos (PMA). O encontro marcou também a inauguração da sala do Mecanismo da Aliança, que funcionará permanentemente na sede da FAO, em Roma.
Na reunião, o presidente apresentou os novos resultados brasileiros: “Dados oficiais divulgados há poucos dias mostram que libertamos da fome 26,5 milhões de brasileiros desde o início de 2023. Além disso, o Brasil saiu, pela segunda vez, do Mapa da Fome da FAO.” Lula observou que isso só foi possível graças à retomada das políticas iniciadas em seus primeiros mandatos e aprofundadas por Dilma Rousseff.
Ele detalhou os pilares dessa recuperação: o Bolsa Família — agora atendendo 20 milhões de lares, com atenção especial a 8,5 milhões de crianças de até seis anos — e a redução da desigualdade de renda ao menor patamar da série histórica.
O presidente encerrou sua fala projetando a próxima etapa: “Ao sediar a COP30 na Amazônia, o Brasil quer mostrar que o combate à mudança do clima e o combate à fome e à pobreza precisam andar juntos. Queremos adotar, em Belém, uma Declaração sobre Fome, Pobreza e Clima.”
Com a inauguração do espaço da Aliança Global na FAO, Lula consolidou o protagonismo brasileiro em uma nova agenda mundial: a de integrar segurança alimentar, justiça social e ação climática — pilares de um mesmo desafio global.
Discurso do presidente Lula durante Reunião do Conselho de Campeões da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza
Íntegra do discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante a Reunião do Conselho de Campeões da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, em 13 de outubro de 2025, em Roma, na Itália
É uma enorme satisfação encerrar a 2ª Reunião do Conselho de Campeões da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza.
Quero cumprimentar a todos pelo trabalho durante este ano. O empenho desse Conselho nos permitiu chegar até aqui.
Vivemos em um mundo hiper conectado, com inteligência artificial, avanços científicos e até planos de habitar a lua.
Mas a persistência da fome e da pobreza são as provas mais dolorosas de que falhamos como comunidade global.
Foi com esse senso de urgência que o Brasil, ao assumir a presidência do G20, propôs a criação desta Aliança Global.
A fórmula é simples:
1) Reunir políticas públicas que deram certo
2) Articular essas políticas com recursos e conhecimento
3) Apostar em cooperação, sem condicionalidades e
4) Garantir que a adaptação e a implementação de programas seja liderada pelos países receptores.
O objetivo é dobrar esforços para o cumprimento das Metas 1 e 2 da Agenda 2030.
Em apenas um ano de funcionamento da Aliança, alcançamos 200 membros: 103 países, 53 fundações e ONGs, 30 organizações internacionais e 14 instituições financeiras.
A Espanha tem sido parceira na liderança deste Fórum.
Hoje, damos um passo decisivo: inauguramos o Mecanismo de Apoio da Aliança, com sede, secretariado e direção.
Com contribuições da Noruega, Portugal, Espanha e Brasil, asseguramos parte dos recursos necessários para o funcionamento do Mecanismo até 2030.
A FAO será nosso braço técnico.
Já temos 9 projetos-piloto prontos.
Na Palestina, onde a desnutrição tem sido cruelmente usada como arma de guerra, vamos apoiar programas de atenção especial voltados às mulheres e crianças.
Junto com Haiti e Zâmbia, implementaremos iniciativas de transferência de renda.
No Quênia, nosso foco será o acesso à água potável.
A escolha da Etiópia foi guiada pela urgência de fortalecer a agricultura familiar.
No Benin, apoiaremos a expansão do sistema de merenda escolar.
Em Ruanda, trabalharemos pela inclusão socioeconômica.
Reconhecendo tanto as vulnerabilidades quanto a força transformadora das mulheres, a Tanzânia quer dedicar atenção especial a elas e às crianças.
Ainda temos estudos para projetos em Moçambique, Indonésia, Camboja, Bangladesh e República Dominicana.
Mas sejamos claros: sem recursos financeiros não haverá transformação.
Ano passado a ajuda oficial ao desenvolvimento registrou uma queda de 23% em relação aos níveis pré-pandêmicos.
Essa retração atinge em cheio os países mais pobres e endividados, sobretudo na África, onde a insegurança alimentar cresceu de forma alarmante.
Se não agirmos com urgência, em 2030 ainda teremos quase 9% da população mundial vivendo em situação de extrema pobreza.
Por isso, faço dois apelos urgentes.
Primeiro, aos bancos multilaterais e países doadores:
É necessário rever as prioridades.
Programas de ajuste fiscal não são um fim em si mesmo que justifiquem a redução do investimento em desenvolvimento humano e social.
Não há melhor estímulo para a economia global do que o combate à fome e à pobreza.
Os recursos disponíveis devem ser mobilizados para enfrentar os desafios reais da humanidade.
Quando isso acontece, o consumo aumenta, o mercado aquece e novos ciclos de desenvolvimento florescem.
Meu segundo apelo é para aos governos nacionais.
É hora de colocar os pobres no orçamento.
A inclusão social não pode ser apenas uma promessa — ela precisa estar refletida na arquitetura fiscal, nos investimentos públicos e nos planos de transformação produtiva.
O Brasil voltou a sair do Mapa da Fome da FAO por conta de políticas integradas de transferência de renda, fortalecimento da agricultura familiar, merenda escolar, geração de empregos e aumento de salário-mínimo.
Instituímos ainda um Plano Nacional de Cuidados que deve tirar o fardo do trabalho doméstico e não remunerado das mulheres.
Neste mês, a Câmara de Deputados aprovou a isenção do imposto de renda para quem ganha até aproximadamente mil dólares mensais, e o aumento de 10% para quem ganha mais de 100 mil dólares por ano.
Essa progressividade tributária vai ampliar os recursos para o financiamento se políticas públicas essenciais.
Meus amigos e minhas amigas,
Quero agradecer o governo do Catar, na figura do Emir Tamim ibn Hamad Al Thani, por sediar o primeiro Encontro de Líderes da Aliança, no dia 3 de novembro, à margem da Segunda Cúpula do Desenvolvimento Social da ONU.
Devido à proximidade com a Cúpula de Líderes da COP, infelizmente, eu não poderei comparecer.
Mas o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro Wellington Dias [Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome] representarão o Brasil.
Mostraremos que a Aliança é uma resposta concreta e real.
Na COP30, em Belém, queremos adotar uma Declaração sobre Fome, Pobreza e Clima.
A segurança alimentar precisa estar no centro da ação climática.
As Contribuições Nacionalmente Determinadas precisam incluir proteção social, resiliência do pequeno produtor e soluções que gerem renda e preservem a biodiversidade.
Somente um novo modelo de desenvolvimento justo e sustentável poderá assegurar um futuro para as próximas gerações.
Nesse futuro,
» Nenhuma mulher ou homem terá que trabalhar sem se alimentar
» Nenhuma criança deve estudar com fome
» Nenhum agricultor deve sofrer com falta de crédito ou de assistência técnica
» Ninguém deve viver sem acesso à água
Sigamos com seriedade e coragem.
Na perspectiva de encontrar soluções para diminuir a fome e a pobreza no mundo, eu quero deixar uma coisa bastante clara para vocês. A fome e o combate à fome não será resolvido se a gente tratá-la de forma assistencialista. É importante que a gente tenha claro que o combate à fome se dá responsabilizando os governos de todos os países do mundo de que o pobre tem que estar no orçamento do país.
Não é uma política assistencialista, é uma política provisória de fazer quando pode. É uma determinação do governo deixar de tratar os pobres como invisíveis do planeta Terra. Eles têm que ser enxergados e para serem enxergados eles têm que estar no orçamento do país, no orçamento do Estado, no orçamento da cidade.
E o dinheiro deles tem que ser prioritário como qualquer outro dinheiro. Não é possível nós, que estamos brigando pela igualdade, pelo fim do preconceito, pelo fim da desigualdade, assistirmos o mundo rico gastar 2,7 trilhões de dólares em armas e não colocar a mesma quantia para combater a fome e a miséria no mundo. Não tem explicação.
Eu penso que o grande trabalho que nós temos que fazer é trabalhar para criar junto à humanidade a indignação. A palavra-chave é tentar levar a humanidade a se indignar contra a fome. Num mundo que produz alimento suficiente, num mundo que não tem problema de produção de alimento. Não tem explicação 670 milhões de pessoas ainda não terem o que comer. Não tem explicação.
Enquanto os países ricos gastam dinheiro. A União Europeia acaba de aprovar quase 800 bilhões de dólares para se fortalecer para as guerras. A Inglaterra a mesma coisa. Os Estados Unidos a mesma coisa. Quando na verdade o que vai acabar com a guerra não é mais arma, é mais comida, é mais trabalho, é mais harmonia e é mais paz. É isso que vai acabar com a guerra.
Ou seja, agora está tendo um acordo sobre a Faixa de Gaza. Mas 70 mil mulheres e crianças que morreram não serão reconstruídas. E quanto custou isso? Possivelmente o dinheiro utilizado para essa guerra daria para ter acabado com a fome. Então é importante que a gente tenha claro.
E esse, obviamente, que não é o papel de vocês que estão aqui num conselho e tentando nos ajudar. Esse é o papel da classe política. Os líderes políticos do mundo têm que fazer opção. Eles têm que ver para quem que eles querem governar. Qual é a prioridade do Estado? Qual é a prioridade do governo? Porque se for tratar dos pobres somente quando sobrar dinheiro, nunca vai sobrar dinheiro. Porque os ricos tomam conta do dinheiro antes.
Esse é o dado concreto e o objetivo que nós estamos passando. Portanto, eu quero terminar, meu querido diretor-geral da FAO, dizendo que a tarefa nossa é tentar levar a humanidade à indignação contra a fome.
Quando eu, antes do Covid, eu fui conversar com o Papa Francisco e fui visitar o Conselho Mundial de Igreja. E a minha conversa com os dois era para dizer que era preciso conduzir a humanidade à indignação contra a fome e à pobreza e a desigualdade. Lamentavelmente, via Covid, nós ficamos dois anos presos dentro de casa e não fizemos nada. Mas, nós agora precisamos retomar essa campanha.
Eu sou muito grato aos países que participaram do G20 que propuseram a Aliança Global Contra a Fome. Porque a fome, até então, é tratada como uma coisa apenas para ser discutida em livros de cientistas. Ou em época de eleição. Em época de eleição, o pobre é a coisa prioritária dos candidatos. E, depois das eleições, o pobre passa a ser a coisa secundária dos candidatos.
Então, é importante que a gente tenha claro que é preciso fazer uma campanha mundial para indignar as pessoas que poderiam ajudar a acabar com a fome. Que não custa muito. Não custa muito.
E eu quero dizer ao meu querido diretor-geral que pode contar com o Brasil. Quando nós tomamos posse, em 2003, o Brasil tinha 54 milhões de pessoas em insegurança alimentar. Nós, em 2014, acabamos com a fome do Brasil. Eu voltei em 2023. Encontramos 33 milhões de pessoas em insegurança alimentar. O que significa isso? Falta de dinheiro? Não. Falta de produção de alimentos? Não. Falta de caráter e de compromisso das pessoas que governam os países. Esse é o dado concreto e objetivo.
Então, a nossa luta é para que os dirigentes públicos assumam o seu papel. De que pobre também é gente. De que pobre merece respeito. E de que pobre merece almoçar, tomar café, jantar. E ter acesso a vendas legais produzidos pelo país.
Por isso, meu querido diretor-geral, contem comigo nessa luta para combater a fome.
