Com soluções biológicas, cientista transformou a produção agrícola no Brasil e levou a ciência brasileira ao reconhecimento internacional
Blog do IFZ | 18/05/2025
No coração do cerrado brasileiro, onde por muito tempo se acreditou que nada frutificaria além da pobreza do solo, uma transformação silenciosa germinou — e floresceu. No centro dessa mudança está Mariangela Hungria da Cunha, engenheira agrônoma, microbiologista e pesquisadora da Embrapa Soja. Depois de mais de quatro décadas dedicadas à ciência, Mariangela foi anunciada, em maio, como vencedora do Prêmio Mundial da Alimentação de 2025, considerado o mais importante do setor. Ela é a primeira mulher brasileira a receber a honraria, um feito inédito para a pesquisa agrícola nacional.
O reconhecimento é concedido pela World Food Prize Foundation, com sede nos Estados Unidos, e celebra avanços notáveis no enfrentamento da fome e na promoção da segurança alimentar. A conquista de Mariangela não é apenas individual: ela representa uma ciência feita com rigor e compromisso, que se ancora no solo brasileiro para alcançar o mundo. Seus estudos mudaram a maneira como o país cultiva alimentos e tornaram-se referência internacional em sustentabilidade.
Bactérias, raízes e uma nova maneira de alimentar o mundo
A trajetória científica de Mariangela tem como ponto de partida uma pergunta essencial: seria possível produzir em larga escala sem sobrecarregar o solo e o meio ambiente? A resposta começou a se delinear nos anos 1980, quando ela iniciou pesquisas com bactérias fixadoras de nitrogênio, especialmente do gênero Rhizobium. Essas bactérias, ao serem aplicadas às sementes da soja, estabelecem uma simbiose com as plantas, retirando nitrogênio do ar e convertendo-o em nutrientes para o crescimento dos grãos.
O método eliminou a necessidade de fertilizantes nitrogenados — insumos caros, poluentes e muitas vezes importados — e passou a ser utilizado em mais de 40 milhões de hectares no país. Com isso, estima-se que os agricultores brasileiros economizem cerca de 40 bilhões de dólares por ano. Além do impacto econômico, os benefícios ambientais também são expressivos: as tecnologias desenvolvidas por Mariangela ajudam a evitar a emissão de mais de 180 milhões de toneladas de CO₂ equivalente anualmente.
A cientista também avançou no uso da bactéria Azospirillum brasilense, que fortalece raízes de culturas como o milho, e em soluções para recuperação de pastagens degradadas, essenciais à alimentação do gado. Em todos esses projetos, a lógica é a mesma: substituir insumos químicos por agentes biológicos, promovendo uma agricultura eficiente e regenerativa.
“Substituir produtos químicos por biológicos tem sido a luta da minha vida”, afirmou Mariangela. “Tenho muito orgulho de contribuir para a produção de alimentos e, ao mesmo tempo, diminuir o impacto ambiental.”
Um prêmio para a ciência brasileira — e para as mulheres
Mariangela é a terceira brasileira a receber o Prêmio Mundial da Alimentação, que já foi entregue aos agrônomos Edson Lobato e Alysson Paulinelli, em 2006, e ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2011, por suas contribuições ao combate à fome. Mas é a primeira mulher do país a ser laureada — e, segundo ela, isso tem um peso simbólico. “Muitos trabalhos das mulheres são invisíveis. Espero que isso dê visibilidade à sustentabilidade da agricultura brasileira e também ao papel das cientistas”, disse.
O reconhecimento coroa também uma carreira marcada por outras distinções. Em março, Mariangela foi uma das vencedoras do Prêmio Mulheres e Ciência, na categoria Trajetória, voltado a pesquisadoras com mais de 46 anos e histórico de contribuições relevantes. A cerimônia do World Food Prize ocorrerá em outubro, em Des Moines, nos Estados Unidos, onde viveu Norman Borlaug, idealizador da Revolução Verde e fundador da premiação.
Para a governadora de Iowa, Kim Reynolds, Mariangela encarna o espírito da ciência voltada ao bem comum: “Ela é uma cientista de grande perseverança e visão, uma pioneira industrial e também uma mãe, que serve de exemplo para mulheres pesquisadoras em todo o mundo”.
Apesar da visibilidade, Mariangela reconhece que a imagem da agricultura brasileira no exterior ainda carrega estigmas. “A maioria dos nossos agricultores quer produzir com sustentabilidade. Aceita e aplica as tecnologias que oferecemos. Precisamos mudar a visão que se tem lá fora sobre o Brasil”, declarou.
Mais do que a celebração de um nome, o prêmio simboliza a força de uma ciência que brota do campo, mas pensa o planeta. Uma ciência que transforma não só os métodos de cultivo, mas também a ideia de que produtividade e equilíbrio ecológico são caminhos opostos. Nas mãos de Mariangela Hungria, o futuro da agricultura se desenha com raízes profundas na terra — e olhos atentos para o mundo.
Com informações da Agência Brasil e da Academia Brasileira de Ciências
https://www.abc.org.br/2025/05/14/mariangela-hungria-nobel-da-agricultura/
