Na aliança contra a fome, o foco no pequeno produtor

Prazo para implementar mudanças que vão repercutir por décadas está se esgotando, não apenas porque os eventos climáticos extremos estão se agravando, mas também porque quem tem fome não pode esperar

Por Gilberto Tomazoni no Valor Econômico | 03/05/2024

Nossa geração está diante de um duplo desafio gigantesco: ampliar a produção global de alimentos para atender a demanda de uma população em crescimento, que deverá chegar a 10 bilhões de pessoas até 2060. Ao mesmo tempo, enfrentar o aquecimento global, com medidas para mitigar os impactos das mudanças climáticas e adotar as adaptações necessárias onde for possível.

Não são desafios triviais. Ainda mais se considerarmos que hoje 735 milhões de pessoas passam fome e 2,3 bilhões estão em situação de insegurança alimentar em todo o mundo, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). A força-tarefa do B20 – braço empresarial do G20 – sobre Sistemas Alimentares Sustentáveis e Agricultura’ que tenho a honra de liderar, tem um papel fundamental de trazer propostas para mudarmos essa situação.

Desde o início das atividades, apoiamos totalmente a criação de uma aliança global para o combate à fome e à pobreza. Para avançarmos na promoção da segurança alimentar, precisamos ampliar a produtividade para termos mais alimentos, tornando-os mais acessíveis a todos, e melhorar a vida das pessoas que fazem parte dos processos de produção.

Atualmente 67% da população mundial em situação de carência alimentar vive em áreas rurais. Portanto, é fundamental trazer o pequeno produtor para o centro das atenções. Porque não apenas são eles os principais responsáveis por produzir alimentos e outros itens essenciais à vida, como são eles também parte daqueles que estão em situação de vulnerabilidade social.

Para que possam desempenhar com sucesso seu papel como solução para nossos desafios globais e, ao mesmo tempo, se beneficiarem disso, homens e mulheres do campo precisam de apoio técnico e financeiro para colher mais, com cada vez mais sustentabilidade. No entanto, de todos os recursos financeiros aplicados globalmente para enfrentar as mudanças climáticas, menos de 2% são destinados para os pequenos produtores rurais, segundo as Nações Unidas. Isso apesar de eles já serem responsáveis por um terço da produção global de alimentos.

Esse é um exemplo de questões estruturais que demandam parceria, com a participação de governos, iniciativa privada, instituições financeiras, academia e terceiro setor, ampliando os investimentos e compartilhando as soluções, para permitir que aquilo que já vem dando certo em determinadas regiões sejam replicadas e escaladas em todos os cantos.

O Brasil está em uma posição privilegiada. Temos um agronegócio moderno que já adota tecnologia de ponta, com grande potencial para recuperar terras degradadas e implantar práticas regenerativas inovadoras. Mas essa expertise ainda precisa se expandir por todo o país, em especial chegando aos pequenos produtores. Com isso, teremos plenas condições de nos consolidarmos como referência para ajudar o mundo a alcançar maior segurança alimentar.

Como terceiro maior produtor de alimentos do planeta, segundo maior produtor de biocombustíveis e um dos países líderes em tecnologia agrícola, o Brasil deve fazer o seu melhor para proteger seus recursos naturais, não apenas para alcançar nossos objetivos locais, mas também para contribuir para os sistemas alimentares globais.

Entre as iniciativas que mostram o valor das parcerias, posso citar como exemplo a experiência do Fundo JBS pela Amazônia no apoio à agricultura familiar. A entidade vem trabalhando para oferecer apoio técnico e financeiro para projetos que impulsionam o desenvolvimento socioeconômico sustentável do bioma, com uma especial atenção aos pequenos produtores das mais diversas cadeias, como açaí, cacau e pirarucu. Ao lado de várias instituições, se injetam não somente recursos, mas também apoio técnico para garantir que esses ecossistemas sejam mais eficientes e produtivos, gerando renda para os produtores, assegurando a preservação da biodiversidade da floresta e ampliando a produção de alimentos.

Numa perspectiva mais ampla, a própria pecuária brasileira nos dá um exemplo de como produzir mais com menos. O caso da Fazenda Roncador, localizada em Mato Grosso, no Vale do Araguaia, é um excelente exemplo disso. Por meio da aplicação do sistema integração lavoura-pecuária (ILP), a propriedade aumentou a produção em 16 vezes em uma década e maia.

Antes só produzia carne. Agora colhe três safras no mesmo local, incluindo grãos. Ao mesmo tempo em que realiza a captura de gases de efeito estufa da atmosfera, tendo recuperado áreas em que havia pastagens degradadas.

Esse não é um exemplo isolado no país. Segundo a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), nos últimos 30 anos, o Brasil teve um aumento de 122% na produção de carne bovina, ao passo que reduziu em 13,6% a área total ocupada com pasto. Um aumento de produtividade crucial para enfrentar os desafios do nosso tempo.

Até o fim do ano, dentro dos grupos de trabalho do B20, teremos a oportunidade de debater e compartilhar soluções que poderão ser aplicadas globalmente. O prazo para implementar mudanças que vão repercutir por muitas décadas em nosso planeta está se esgotando. Não apenas porque os eventos climáticos extremos e suas consequências estão se agravando, mas também porque quem tem fome não pode esperar. Vamos aproveitar a oportunidade que o G20 traz ao Brasil e a todos os países envolvidos para fazer acontecer a mudança necessária.

Gilberto Tomazoni é CEO Global da JBS e chair da Força-Tarefa sobre Sistemas Alimentares Sustentáveis e Agricultura do B20

Publicado originalmente no Valor Econômico
https://valor.globo.com/google/amp/opiniao/coluna/na-alianca-contra-a-fome-o-foco-no-pequeno-produtor.ghtml