O Brasil e a crise dos alimentos

Por Waletr Belik do IFZ | (artigo de Junho de 2008, mas segue atual)

São múltiplos os fatores que estão empurrando a alta dos preços dos alimentos e há poucas perspectivas de estabilização no curto prazo. Os países estão reagindo a essa alta de duas formas: proibindo as exportações de determinados produtos, como a Argentina fez recentemente com o trigo, ou reduzindo a carga fiscal sobre o preço dos alimentos, como vem fazendo o Brasil. No primeiro caso, essa política pode ter um efeito imediato na oferta desses produtos, mas, como conseqüência, leva a aumentos dos preços internacionais seguidos de impactos diretos ao nível interno. No caso do Brasil, a redução dos impostos como forma de contenção de preços é necessária, mas tem um caráter paliativo. Novas altas poderão vir e será cada vez mais difícil manter os preços estabilizados com essa política.

A alta dos preços internacionais dos alimentos tem múltiplas causas e acompanha uma alta quase que generalizada nos preços das demais commodities.

O trigo e o milho foram os primeiros a fazer acender a luz vermelha no painel do abastecimento mundial de alimentos. Já em 2007, os preços internacionais desses dois cereais praticamente dobraram, desencadeando protestos de consumidores e industriais. As causas para a alta foram, em primeiro lugar, coincidentes quebras de safra nos Estados Unidos, Canadá e principalmente na Austrália. Em segundo lugar, e mais importante, um baixo nível dos estoques mundiais desses alimentos. Para exemplificar, os estoques mundiais de trigo estavam em nível 17% inferior à média dos cinco anos anteriores. No caso do milho, a situação já havia se agravado em função do anúncio por parte do presidente Bush do seu ambicioso plano de produção de biocombustíveis, tendo como base o milho. O objetivo do plano seria o de substituir em 20% o consumo de gasolina por etanol derivado do milho em 10 anos. Para tanto, a oferta de milho para energia deveria aumentar de aproximadamente 30 milhões detoneladas, em 2006, para 110 milhões de toneladas, em 2016. Planos semelhantes também foram lançados no Canadá e, principalmente, na Europa, que pretende substituir 10% do consumo de energia para transportes por biocombustíveis até 2020. Nessa conjuntura, os estoques mundiais baixaram 15% em comparação à média 2002-06.

Já a disparada do preço do arroz tem uma dinâmica um pouco diferente. Os aumentos são recentes e não estão diretamente ligados a nenhuma quebra significativa, mas sim a medidas de restrição as exportações impostas por respeitáveis produtores asiáticos, como a Índia. A crescente dependência chinesa e indonesiana são causas diretas dos baixos estoques mundiais desse grão. No comparativo com os cinco anos anteriores, o ano de 2007 fechou com um nível de estoques 18% inferior. Esse patamar é 50% inferior ao que se observava ao final da década de 90. O resultado se faz sentir nas cotações internacionais. Como aumento da demanda, as cotações subiram aproximadamente 150% entre janeiro e abril desse ano.

Sabemos que há uma correlação de preços entre algumas commodities, e isso parece se confirmar quando se acompanha a alta do petróleo, ferro, cobre e outros bens não alimentares. O que mudou no período recente é que essa alta nos preços dos alimentos está sendo turbinada pela mistura combinada de outras elevações e da enorme liquidez existente no mercado financeiro.

De fato, a crise do mercado imobiliário norte-americano, a recessão e as subseqüentes quedas nas taxas de juros levaram o investidor a se abrigar em
outros tipos de ativos, em busca de proteção. Nesse sentido, foi significativa a alta do preço das commodities na semana seguinte à quebra do banco Bear Sterns nos Estados Unidos.

Para o agricultor, a parte ruim da história é que nem todos os preços de produtos agrícolas têm subido no ritmo e proporção do arroz, milho, trigo e também da soja. Pior, o preço dos insumos agrícolas disparou para níveis estratosféricos. O fosfato, matéria-prima básica para a produção de fertilizantes, subiu 149,7% no mercado internacional, no comparativo do primeiro trimestre de 2008 com o mesmo período do ano anterior. Essa alta superou em muito o petróleo, que teve um aumento de “apenas” 64,3% no mesmo período. Aumentaram também o preço das sementes, tratores e máquinas e até mesmo da mão-da-obra.

A verdade é que os chineses sempre levam a culpa de tudo. Não é de se admirar, pois esse país é o grande pólo de atração das matérias-primas. No ano passado, a China foi responsável por 85,2% do aumento da demanda de alumínio, 68,8% do aço e 30% do petróleo. Nesse caso, no entanto, mais que a de manda chinesa, há um problema estrutural da agricultura mundial para conseguir grandes saltos na oferta de alimentos. A velha revolução verde praticamente já esgotou o seu arsenal de tecnologias e um novo padrão produtivo está longe de garantir a sua gestação. Necessariamente, um novo salto na produção terá que vir acompanhado de aumentos de área cultivada e isso leva um certo tempo até acontecer.

Por esse motivo, a OCDE e o Banco Mundial prevêem um período de redução nos estoques mundiais de alimentos em relação aos níveis do início da década. Essa redução deverá perdurar no mínimo até 2017, dependendo do produto. Até lá os preços se manterão elevados, encerrando um período de mais de 20 anos de comida barata.

No Brasil tivemos um rápido aquecimento no consumo no último ano. Segundo o IBGE, as vendas de alimentos e bebidas em supermercados aumentaram, em termos de volume, 6,9% no acumulado dos 12 últimos meses até março. Só no primeiro trimestre desse ano tivemos um crescimento de 8,9%. Embora a produção agrícola esteja crescendo, o ritmo da demanda doméstica é muito superior à oferta. Ademais, os estoques públicos de produtos agrícolas estão em níveis bastante baixos. Os estoques públicos de trigo, por exemplo, representam hoje apenas 1,9% da demanda esperada.

Produtos como o feijão, arroz e o trigo tiveram altas expressivas nas últimas semanas, sendo que os dois últimos sofreram influência do aumento de demanda preventiva por parte da indústria e redução nas importações. A produção de feijão se manteve praticamente estacionada nas duas últimas safras e a perspectiva para 2008 é de um aumento residual.

Portanto, não há uma solução à vista para o curto prazo. É hora do governo mostrar habilidade para que a alta nos preços dos alimentos não contamine os preços da economia em geral.

Walter Belik é Diretor-Geral Adjunto do Instituto Fome Zero