Reforma está na metade, falta o rico no Imposto de Renda, diz economista

Por Leonardo Sakamoto no UOL | 07/07/2023

“A Reforma Tributária sobre o consumo, que tem sido proposta há mais de 30 anos pelo poder econômico, foi aprovada na Câmara dos Deputados. Cumprida essa etapa, teremos espaço no Congresso para a outra metade, ou seja, discutir a taxação da renda e da riqueza e incluir o rico no Imposto de Renda, como prometeu corretamente Lula?”

A questão foi colocada à coluna por Eduardo Fagnani, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que coordenou a elaboração da proposta de Reforma Tributária abraçada por partidos que hoje estão no governo, como o PT, durante o governo Bolsonaro.

“Ou a Reforma Tributária vai sair da agenda porque o poder econômico não quer se tribute sua renda e riqueza?”

Parlamentares da esquerda defendem que a Reforma Tributária precisa atacar a regressividade de nosso sistema de cobrança de impostos sobre a renda. Hoje, os muito ricos, que deveriam arcar com alíquotas maiores, são preservados e pagam, não raro, proporcionalmente menos imposto que os muito pobres.

Esse posicionamento foi, inclusive, defendido pela presidente do PT, a deputada federal Gleisi Hoffmann, em entrevista ao UOL nesta quinta (6).

Para uma ala de economistas ligados ao partido, o sistema tributário brasileiro tem, dois problemas. Primeiro, a ineficiência econômica de um sistema confuso e complexo de impostos. Para isso, o pacote aprovado pela Câmara, na madrugada desta sexta (7), contribui de forma positiva ao simplifica-lo.

Mas o segundo ponto é, em sua avaliação, o mais importante: a concentração de renda e a regressividade na cobrança de impostos. Nesse sentido, o Brasil está atrasado em relação a países capitalistas centrais que adotaram um sistema progressivo de cobranças de impostos sobre a renda.

Cashback ajuda, mas não resolve

“A reforma sobre o consumo fará uma redistribuição regional, ou seja, estados mais pobres podem ter uma receita maior. Mas do ponto de vista da distribuição da renda, o efeito é irrisório, mesmo com o cashback”, afirma Fagnani. Ele se refere ao dispositivo para a devolução de uma parte do imposto cobrado aos mais pobres.

Aponta que, para funcionar a contento, o mecanismo demandaria um mercado formal, enquanto que, na maioria dos locais vulneráveis, o que reina é a economia informal. “Estudos apontam que 28% da renda dos 10% mais pobres é capturada por impostos. Com a reforma sobre o consumo, isso cairia pra 26%, mesmo com o cashback. Essa etapa da reforma não é redistributiva”, diz.

Apesar de ter sido aprovada a extensão da cobrança de IPVA para jatinhos e aviões e alguma progressividade sobre o ITCMD, o imposto sobre heranças e doações, o Brasil continua tendo um dos sistemas mais regressivos do mundo segundo o economista.

As alíquotas de imposto sobre herança chegam a 30% na Alemanha, 40% nos Estados Unidos, 45% na França e 50% no Japão – com deduções e isenções, na prática, a porcentagem do patrimônio efetivamente arrecadado é menor. Mas, por aqui, as alíquotas do ITCMD, que variam de acordo com a unidade da federação, têm teto de 8%.

“A Reforma Tributária precisa ser global porque tributamos muito consumo e pouco a renda e a riqueza. Ela teria que recalibrar a base de incidência dos impostos, reduzindo o montante cobrado sobre o consumo e sobre a folha de pagamentos e compensar essa perda com o aumento da arrecadação sobre a renda e a riqueza dos mais ricos”, diz o professor da Unicamp.

Fagnani diz que o fatiamento da reforma em duas partes é ruim porque não se trata de duas coisas diferentes, mas de uma só.

Essa era a proposta da Reforma Tributária Solidária, Justa e Sustentável de seis partidos (PT, PSB, PDT, PC do B, PSOL e Rede), oposição durante a gestão Bolsonaro e agora base do governo.

Para ele, isso beneficiaria empresas e as pessoas pobres. E a fim de afastar o medo da classe média que vê a si mesmo como classe alta, alerta: “quem teria que pagar mais imposto são 400 mil contribuintes que ganham mais de R$ 300 mil por mês”.

Guedes propôs taxar dividendos

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, indicou que uma Reforma Tributária sobre a renda virá no segundo semestre. Mas não há consenso sobre isso no Congresso.

Vale lembrar que o próprio o ministro da Economia Paulo Guedes queria taxar dividendos recebidos de empresas, que são isentos no Brasil desde 1995. Em contrapartida, propunha reduzir o Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas a fim de aumentar investimentos. Foi bombardeado.

Hoje, a classe média paga mais impostos em relação à sua renda do que multimilionários e bilionários devido exatamente à não-taxação de dividendos, à baixa taxação de Imposto de Renda de Pessoa Física, entre outras manobras.

Tributar os super-ricos pode arrecadar cerca de R$ 292 bilhões anuais. É o que defenderam a Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), os Auditores Fiscais pela Democracia (AFD), o Instituto Justiça Fiscal (IJF), entre outras instituições. Eles apresentaram 11 propostas legislativas que estão em consonância com o plano de Reforma Tributária formulado pelos seis partidos, que também tramita no Congresso.

Apenas o Imposto sobre Grandes Fortunas arrecadaria R$ 40 bilhões nos cálculos desse grupo de entidades, maior que o orçamento do Bolsa Família. O resto viria de uma maior progressividade do Imposto de Renda de Pessoa Física (R$ 160 bilhões, incluindo a taxação progressiva de dividendos), no aumento temporário da alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido de setores econômicos com alta rentabilidade (R$ 30 bilhões), pela criação da Contribuição Social Sobre Altas Rendas (R$ 25 bilhões), entre outros.

O Imposto sobre Grandes Fortunas taxaria patrimônios superiores a R$ 10 milhões, abraçando 60 mil pessoas. A tributação sobre patrimônio é criticada entre determinados economistas, que defendem que os bilionários brasileiros iriam tirar o dinheiro do país.

Publicado originalmente no UOL
https://noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-sakamoto/2023/07/07/reforma-esta-na-metade-falta-o-rico-no-imposto-de-renda-diz-economista.htm