Kofi Annan Foundation | 07/02/2025
Baixe aqui o documento “Reimagining Global Governance for Food Security“
A insegurança alimentar continua sendo um dos maiores desafios globais do nosso tempo. Apesar dos avanços em produção agrícola e distribuição de alimentos, milhões de pessoas ainda enfrentam fome e desnutrição. O relatório Reimagining Global Governance for Food Security, elaborado pela Comissão Kofi Annan sobre Segurança Alimentar e lançado no último dia 6 de fevereiro, oferece uma visão transformadora sobre como a governança global pode ser reformulada para garantir que todos tenham acesso a uma alimentação segura e nutritiva.
O documento parte do princípio de que o atual sistema de governança alimentar é fragmentado e ineficaz para enfrentar os desafios contemporâneos, como conflitos, mudanças climáticas e crises econômicas. Para corrigir essa trajetória, a Comissão propõe quatro grandes mudanças na governança global. Essas mudanças, se implementadas, podem redefinir a forma como os países e as organizações internacionais lidam com a fome, promovendo uma abordagem mais eficiente, coordenada e sustentável.
1. Reorientar as Ações para a Agenda 2030: Mais Responsabilidade e Transparência
A Agenda 2030 das Nações Unidas estabeleceu metas ambiciosas para erradicar a fome até o final da década. No entanto, a falta de coordenação e responsabilização tem sido um obstáculo para alcançar o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 2 (ODS 2). O relatório propõe uma governança mais transparente e eficaz, incluindo um maior alinhamento entre agências multilaterais e mecanismos mais claros de prestação de contas por parte dos governos.
Uma das medidas recomendadas é a criação de um Grupo de Governança Alimentar que reúna as principais organizações internacionais ligadas à segurança alimentar, como a FAO, o PMA e o Banco Mundial. Esse grupo teria a missão de harmonizar estratégias e eliminar sobreposições desnecessárias, garantindo que as políticas alimentares sejam implementadas com maior eficiência.
Além disso, sugere-se o fortalecimento do Comitê de Segurança Alimentar Mundial (CFS), tornando-o mais independente e capaz de fornecer recomendações baseadas em evidências para orientar decisões globais. Esse reforço na governança poderia reduzir as lacunas entre compromissos políticos e ações concretas para combater a fome.
2. Prevenção Antes da Crise: Construindo Segurança Alimentar para o Futuro
Atualmente, grande parte dos esforços para lidar com a insegurança alimentar está focada em respostas emergenciais, como a distribuição de alimentos em situações de crise. No entanto, o relatório defende uma mudança de paradigma: é mais eficaz e sustentável investir na prevenção, garantindo que as comunidades tenham acesso a sistemas alimentares resilientes antes que a fome se instale.
Isso inclui fortalecer os mecanismos de paz e segurança alimentar em áreas de conflito, pois guerras e crises políticas são algumas das principais causas da fome no mundo. Também se propõe a criação de uma Mecanismo de Proteção da Segurança Alimentar (FSPM, na sigla em inglês), que atuaria de forma proativa para evitar que populações vulneráveis deslizem para a insegurança alimentar severa.
Os sistemas de proteção social também desempenham um papel fundamental nesse processo. O relatório elogia a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, proposta pelo Brasil durante a presidência do G20, e incentiva os governos a expandirem programas de proteção alimentar, como merenda escolar e distribuição de alimentos fortificados para mães e crianças.
3. Alimentos Como um Bem Público Global: Garantindo Sustentabilidade e Equidade
O relatório enfatiza que a alimentação deve ser tratada como um bem público global, o que significa que sua governança precisa ser integrada a outras agendas internacionais, especialmente as ligadas ao clima, ao comércio e ao financiamento.
No que diz respeito ao clima, destaca-se que a agricultura e os sistemas alimentares contribuem significativamente para as emissões de gases de efeito estufa. Apesar disso, apenas 4% do financiamento climático global é direcionado para soluções no setor alimentar. A Comissão recomenda que os países incluam os sistemas alimentares em suas estratégias nacionais de adaptação climática e que mais investimentos sejam feitos em tecnologias agrícolas sustentáveis.
Além disso, a segurança alimentar está diretamente ligada ao comércio internacional. Para garantir que todos os países possam acessar alimentos de forma equitativa, é fundamental reduzir barreiras comerciais injustas e evitar restrições à exportação de alimentos em tempos de crise. A governança global deve atuar para equilibrar os interesses comerciais com a necessidade de garantir acesso universal à alimentação.
4. Moldando o Futuro: Inovação e Inclusão para Sistemas Alimentares Mais Resilientes
A última grande mudança proposta pelo relatório enfatiza a necessidade de antecipar desafios futuros e utilizar a inovação para tornar os sistemas alimentares mais resilientes. O avanço tecnológico pode ajudar a mitigar choques climáticos e econômicos, mas seu uso deve ser planejado de forma equitativa, garantindo que pequenos produtores e comunidades vulneráveis também tenham acesso a essas soluções.
O setor privado também tem um papel essencial na construção de economias alimentares mais robustas. O relatório sugere que governos e instituições multilaterais criem incentivos para que empresas invistam em cadeias de produção mais sustentáveis e acessíveis.
Outro ponto importante é o fortalecimento da participação de agricultores e comunidades locais na formulação de políticas alimentares. Muitas vezes, os pequenos produtores são os mais impactados por crises alimentares, mas têm pouca influência nos processos de decisão. Integrá-los à governança global da segurança alimentar é essencial para criar soluções duradouras.
Um chamado para a Ação
As propostas do relatório da Comissão Kofi Annan não são apenas recomendações técnicas; elas representam um chamado urgente para repensarmos a maneira como a segurança alimentar é governada no mundo. A fome não é um fenômeno inevitável, mas sim o resultado de falhas estruturais na forma como os alimentos são produzidos, distribuídos e governados.
Se os governos e organizações internacionais levarem a sério a implementação dessas mudanças, será possível construir um futuro em que a segurança alimentar seja uma realidade para todos. Para isso, é necessário comprometimento político, coordenação global e uma visão inovadora que coloque as pessoas no centro das decisões.
O Instituto Fome Zero segue acompanhando esses debates e reforça seu compromisso com a construção de soluções concretas para erradicar a fome no Brasil e no mundo. O momento de agir é agora.