Sistemas alimentares no centro da agenda municipal

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A agricultura urbana e periurbana deve ser prática não apenas “tolerada”, mas incentivada, assim como a oferta de assistência técnica à produção ecológica de alimentos e à certificação orgânica

Por Juliana Tângari e Tárzia Medeiros no NEXO Jornal | 10/05/2024

Não basta que uma cidade não passe fome. É preciso também que esteja bem nutrida e ativa para combater o desafio da monotonia alimentar. As eleições municipais oferecem a oportunidade de vislumbrar a cidade com toda sua diversidade, desafios e possibilidades.

Colocar a comida no centro do planejamento municipal, com visão sistêmica e intersetorial, através de uma agenda transversal, coerente e participativa das políticas alimentares municipais, é fundamental para superar a insegurança alimentar e nutricional, promovendo sistemas alimentares locais saudáveis, justos e sustentáveis diante da emergência climática.

Os governos municipais devem estar comprometidos com o combate à fome, através de programas de transferência de renda e moeda social, distribuição de alimentos e criação de equipamentos públicos de SAN (Segurança Alimentar e Nutricional) – como restaurantes e cozinhas populares, bancos de alimentos, dentre outros.

Atenção também deve ser dada às ações de abastecimento de alimentos, como medida de SAN e de geração de renda, promovendo resiliência no abastecimento. O apoio à agricultura urbana e periurbana, aliado a circuitos curtos de venda de alimentos locais, de base agroecológica, são políticas alimentares essenciais em qualquer planejamento governamental.

A agricultura urbana e periurbana deve ser prática não apenas “tolerada”, mas incentivada, assim como a oferta de assistência técnica à produção ecológica de alimentos e à certificação orgânica. Existem diversas formas ao alcance da gestão municipal para incentivar a produção urbana de alimentos, por exemplo: isenção ou redução de IPTU, concessão de áreas públicas, subsídio ou suporte para fornecimento de água e insumos, apoio à formação em práticas sustentáveis, facilitação de trocas de saberes, bancos de mudas e sementes crioulas, etc.

Pensando na agricultura periurbana, são igualmente válidas as medidas que foquem tanto em centros de distribuição e armazenamento de alimentos, como em auxílio ou suporte para o transporte de alimentos frescos produzidos localmente, inclusive em coordenação com os fluxos de abastecimento da alimentação escolar do ensino público local.

É importante também que se preveja e garanta uma estrutura de governança que inclui: a instalação de Conselho de SAN com participação do poder público e da sociedade civil; a realização de Conferência de SAN, para determinar as diretrizes das políticas alimentares; a adesão ao SISAN (Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional) para viabilizar o acesso a editais do governo federal e a articulação federativa; a criação da LOSAN (Lei Municipal Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional) para consolidar o funcionamento do sistema municipal de SAN e gerar segurança jurídica para a criação de cargos e fundos públicos, incluindo a CAISAN (Câmara Intersetorial de SAN) e a elaboração de um Plano estratégico de SAN.

Outra esfera de iniciativas prioritárias consiste no levantamento de dados e diagnóstico sobre o sistema alimentar municipal. É preciso que as gestões municipais realizem um mapeamento da população em situação de insegurança alimentar grave e moderada para além dos dados do CadÚnico, incluindo levantamento de informações sobre SAN nas rotinas do CRAS e informações advindas do SISVAN (Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional), ou, de uma forma mais ampla, realizando o cruzamento de dados com SUS e SUAS. É preciso que haja também um mapeamento da produção de alimentos do município, de suas produtoras e produtores familiares e comunidades tradicionais, e dos modelos de produção adotados.

No tocante à distribuição e comercialização de alimentos, as gestões municipais devem estar atentas aos cenários de “desertos e pântanos alimentares” e fazer levantamentos de dados sobre concentração populacional e a distribuição espacial de estabelecimentos e feiras de alimentos saudáveis, especialmente de produção sustentável e local.

Outra esfera de ações tipicamente municipais são os programas de feiras e de mercados públicos, concedidos ou não, desde que comprometidos com a venda de alimentos saudáveis e locais a preços acessíveis. A execução de tais programas contribui para combater desertos alimentares, gerar renda para a agricultura familiar, fortalecer experiências de produção local de alimentos, e garantir o acesso democrático a produtos agroecológicos.

Outro importante instrumento de política pública ao alcance das gestões municipais é o poder da compra pública de alimentos para atingir metas de alimentação saudável e sustentável, como a executada para a garantia da alimentação escolar. Mas não só. Em qualquer equipamento de SAN ou compra de alimentos pela gestão pública direta e indireta, é possível priorizar a aquisição de alimentos oriundos da agricultura familiar, especialmente de base agroecológica e produzida na região.

A promoção da educação alimentar nas escolas e campanhas de alimentação saudável para a população, incluindo o uso de hortas escolares e comunitárias urbanas, avançará a conscientização sobre alimentação sustentável, auxiliando na regulação dos ambientes alimentares. A promoção do aleitamento materno, o controle nutricional nas escolas com base nas orientações do FNDE, a implementação do Programa Saúde na Escola e a regulação dos ambientes alimentares são exemplos de promoção de ambientes mais saudáveis.

O combate ao desperdício de alimentos, a promoção da compostagem, a gestão de resíduos orgânicos e demais ações de garantia de um sistema alimentar circular são iniciativas que aliam política a alimentar e ambiental, contribuem para um modelo sustentável de produção local de alimentos, com incentivo à produção de insumos próprios, diminuindo emissão de gases de efeito estufa e fortalecendo a transição agroecológica na agricultura local – e estão ao alcance da regulação e execução pelas gestões municipais.

As eleições podem favorecer mudanças que busquem, num futuro próximo, garantir a todas as pessoas o acesso à comida suficiente, de qualidade e saudável, produzida de forma sustentável, resiliente, justa, equitativa e em sintonia com os bens comuns da natureza.

Juliana Tângari é diretora do Instituto Comida do Amanhã e coordenadora geral do LUPPA (Laboratório Urbano de Políticas Públicas Alimentares). Formada em direito, com especializações pela Università di Camerino, pela Organização dos Estados Americanos, por European University Institute e The Hague Academy of International Law. Foi presidente do CONSEA-Rio de 2016 a 2018 e membro da rede Champions da Cúpula da ONU sobre Sistemas Alimentares em 2021.

Tárzia Medeiros é educadora e comunicadora popular, advogada, assessora de políticas públicas do Instituto Comida do Amanhã.

Publicado orignalmente no NEXO Jornal
https://pp.nexojornal.com.br/opiniao/2024/05/10/sistemas-alimentares-no-centro-da-agenda-municipal