Sobre a alta do preço dos alimentos

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Por Jader José de Oliveira, Sérgio Schneider, Altivo Almeida Cunha, Joacir Rufino de Aquino, José Graziano da Silva e Walter Belik | 25/01/2025

O preço dos alimentos é um tema muito, muito sensível. As pessoas sentem no bolso quando o preço dos alimentos sobe mais do que seus ganhos, simplesmente porque todos temos que comer diariamente e porque é muito difícil estocar grandes quantidades de comida por longo tempo. Então, quando a comida sobe de preço, a população chia, reclama, e isso pode se tornar um fator de desagrado em relação aos governos. Em sociedades urbanizadas (87,4% da população do Brasil vive em cidades), a ampla maioria das pessoas precisa comprar tudo o que consome para se alimentar. Logo, o preço da comida influencia diretamente no custo de reprodução social das famílias e da força de trabalho, o que faz com que o preço dos alimentos assuma um papel estratégico e crucial. Se os alimentos se tornam muito caros, sobra menos dinheiro para as famílias comprarem outros itens de consumo, e o eventual aumento dos salários é absorvido pelo custo da alimentação. Ao final e ao cabo, as pessoas ficam profundamente insatisfeitas, começam a xingar os governos e, às vezes, protestam. É por isso que governantes são muito preocupados com a sensível questão do preço dos alimentos.

Então, eis a questão: por que os preços dos alimentos subiram tanto no Brasil?

A resposta está na ponta da língua de quase todos: porque o dólar subiu, e boa parte da produção de alimentos do Brasil utiliza insumos importados. A depreciação do real elevou os custos de produção, por exemplo, combustíveis, fretes, fertilizantes. Os preços dos alimentos cotados em dólar, como o café, também subiram. As exportações ficaram mais vantajosas do que as vendas ao mercado interno. Desde a COVID-19, as cadeias globais se desorganizaram. Além disso, as guerras (Ucrânia e Oriente Médio) e as mudanças climáticas (secas, enchentes, etc.) contribuíram sobremaneira para a alta internacional dos preços. Some-se a isso mudanças na demanda e nas preferências dos consumidores: os chineses estão comendo mais carnes e proteínas.

De um lado, há problemas na oferta mundial de alimentos; por outro, há uma procura muito grande por alguns tipos de alimentos. Dessa equação resulta que os países que pagam em dólar ao importar se tornam superatrativos, o que faz com que os mercados globais se tornem mais lucrativos do que os mercados domésticos. Assim, os mercados internacionais exercem forte pressão sobre a produção e a circulação doméstica dos alimentos.

Alguém poderia dizer: por que os governos não intervêm ou bloqueiam as exportações para privilegiar o mercado nacional, os consumidores domésticos? Se assim fizerem, os governos serão taxados de intervencionistas, e os assim chamados “investidores” internacionais não gostam disso e deixarão de investir seus recursos no país, ou até mesmo deixarão de comprar. Isso ocorre porque o comércio global de alimentos está na mão de poucas e grandes empresas, que são exatamente aquelas que têm dinheiro para investir nos países. Cria-se uma situação de dominação, plasmada no enorme poder que está nas mãos de grandes empresas multinacionais, que não querem perder seus lucros.

O mercado global de alimentos é um dos setores empresariais mais monopolizados da economia. São poucas e grandes empresas que atuam no setor e dominam as cadeias globais. Elas abrangem as sementes, dominam os insumos, as máquinas para o plantio e a colheita, o beneficiamento, o transporte e a distribuição de alimentos, via grandes redes de supermercados. São verdadeiros oligopólios e monopsônios, que têm o poder de influenciar o que se produz, quanto e qual o preço. Estes grandes e poderosos grupos empresariais têm grande influência sobre o preço dos alimentos. Podem inclusive, como já aconteceu na crise dos alimentos de 2007/2008, criar fake news e fazer especulações. Seu gigantismo e seus interesses corporativos distorcem uma das mais fortes leis que se conhece: a lei da oferta e da procura, que não funciona muito bem neste universo.

Mas é bem verdade que os preços dos alimentos também subiram nos últimos meses no Brasil devido às adversidades climáticas, como o excesso de chuvas em algumas regiões. No Sul, por exemplo, podemos nos lembrar das enchentes no Rio Grande do Sul. Tivemos secas no Sudeste e em outras regiões, queimadas no interior de São Paulo. O clima não ajudou e a safra de grãos foi prejudicada.

Em face deste quadro, o que precisa ser feito para que os preços dos alimentos aqui no Brasil parem de subir?

O governo Lula está preocupado com o assunto e passou a semana toda reunindo ministros para achar soluções. Tentando dar uma contribuição a este debate, nós, aqui do Instituto Fome Zero, estamos deixando algumas contribuições.

Precisamos criar condições para que a volatilidade, a variação do preço do dólar, não registre picos de alta tão intensos como ocorreu em 2024. Como fazer isso? Alguns dizem que o dólar ficou caro de um momento para outro porque o governo relaxou no ajuste das contas públicas. Isso teria aumentado o risco-país, reduzido parcialmente a entrada de dólares no país e/ou condicionado essa entrada de divisas a taxas de juros mais elevadas. De fato, os juros subiram.

Outros dizem que a especulação financeira fez o dólar disparar. Bom, essa permeia tudo. Há os que ficaram com receio da Administração Trump na gestão das contas nos Estados Unidos. Uma política fiscal expansionista, com o governo norte-americano elevando os gastos, poderá elevar a taxa de inflação por lá, e, para combatê-la, tal como aqui, o Federal Reserve aumentará os juros norte-americanos. Um movimento nessa direção atrairia dólares para lá. Isso elevaria o preço daquela moeda aqui e no resto do mundo. Hoje, notamos que nem tudo se efetivou ainda. O dólar voltou a ser cotado abaixo dos R$ 6,00, mas ainda está alto.

O Brasil, assim como a maioria dos países parceiros, adota o sistema de dólar flutuante na gestão da política monetária. Logo, controlar o dólar “à força” está descartado. Estamos ao sabor das expectativas dos investidores. Controlar o clima do planeta também está além das nossas possibilidades. Ao contrário, estamos num ponto em que a reversão do aquecimento global está cada vez mais distante. Logo, essas causas comumente apontadas para o aumento dos preços dos alimentos — câmbio e variações climáticas — estão fora do nosso alcance.

Sendo assim, o que podemos fazer no curto prazo?

O governo lançou um plano de abastecimento alimentar, com várias ações emergenciais. Já circulam vídeos na internet dizendo que serão autorizadas as vendas de produtos com data de validade vencida, que haverá congelamento de preços. Enfim, uma guerra de narrativas que deve escalar até outubro do ano que vem. Seguiremos lançando luz sobre as causas do aumento dos preços dos alimentos, buscando a construção de políticas públicas e iniciativas para a segurança alimentar e nutricional de forma ampla.

Para reflexão, segue uma lista de ações que já dominamos e que podem ser aprimoradas com as tecnologias de comunicação e gestão hoje disponíveis.

Para o curto prazo:
a) fortalecer a política de garantia de preços mínimos e recompor os estoques públicos dos produtos da cesta básica, como o arroz e o feijão;
b) articular com a indústria de alimentos e com a rede varejista acordos temporários para minimizar impactos de fatores externos e climáticos sobre o preço dos alimentos;
c) apoiar a expansão de infraestruturas físicas de apoio à comercialização, como as feiras livres, feiras agroecológicas, sacolões, cantinas comunitárias e outras mencionadas no Plano Nacional de Abastecimento Alimentar “Alimento no Prato”.

Para o médio e longo prazos:
a) fomentar cadeias curtas de abastecimento, melhorando a interação entre produtores e consumidores com plataformas digitais de comercialização de alimentos;
b) construir uma estratégia para ampliar a oferta de insumos nacionais, em especial fertilizantes e bioinsumos;
c) aprimorar as políticas públicas para a convivência com a seca, como a construção de cisternas;
d) flexibilizar os mecanismos do Programa de Amparo ao Trabalhador (PAT) para o Vale-Alimentação.