Transferências de renda têm aumento forte e ajudam a impulsionar consumo das famílias

Em 2023, o Bolsa Família totaliza R$ 168 bilhões, 317% a mais que na média dos quatro anos anteriores à pandemia

Por Sergio Lamucci no Valor | 25/12/2023

SÃO PAULO | As transferências de renda por meio do Bolsa Família deram um salto expressivo neste ano, alcançando R$ 168 bilhões, 35,2% a mais que os R$ 124,2 bilhões da soma do auxílio emergencial e do Auxílio Brasil no ano passado, num valor a preços de 2023. Esse é um dos fatores mais importantes por trás da expansão do consumo das famílias, ressalta a A.C. Pastore & Associados, responsável pelo cálculo das transferências de renda em termos reais (atualizados pela inflação).

O volume do Bolsa Família deste ano supera em muito – em 317% – o valor médio do programa nos quatro anos anteriores à pandemia, de R$ 40,3 bilhões, também atualizado a preços de 2023. Esse aumento das transferências de renda é um dos canais pelos quais os gastos públicos vêm injetando demanda na economia, diz em relatório a consultoria do ex-presidente do Banco Central (BC) Affonso Celso Pastore.

Em 2020, as transferências de renda atingiram R$ 468,2 bilhões em valores atualizados, considerando a soma de R$ 23,5 bilhões do Bolsa Família e de R$ 444,6 bilhões do auxílio emergencial. Este último programa de ajuda foi instituído no primeiro ano da pandemia, quando boa parte das atividades foi interrompida, para tentar deter a disseminação da Covid-19. O auxílio emergencial chegou a alcançar mais de 67 milhões de pessoas.

O governo Bolsonaro substituiu o Bolsa Família pelo Auxílio Brasil, que começou a ser pago em novembro de 2021, atendendo a um número maior de famílias – inicialmente 17 milhões, ante 14,6 milhões no programa anterior. No ano passado, o Auxílio Brasil ficou em R$ 120 bilhões, havendo ainda um pagamento de R$ 4,2 bilhões referente ao auxílio emergencial.

Governo Lula

Com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições de 2022, o programa de transferência de renda voltou a se chamar Bolsa Família, atendendo a 21,1 milhões de famílias em dezembro deste ano, segundo a Secretaria de Comunicação Social do governo federal.

Ao comentar o expressivo aumento das transferências de renda neste ano, a economista-chefe da A.C. Pastore, Paula Magalhães, lembra que há os valores extras pagos a crianças e adolescentes. Em março, começou o pagamento de R$ 150 por mês por criança de zero a 6 anos. Em junho, de R$ 50 adicionais para crianças e adolescente de sete a 18 anos e para gestantes e lactantes.

Paula diz que há um impulso fiscal muito em cima dessas transferências de renda. A força do mercado de trabalho e a queda da inflação também ajudam a estimular o consumo das famílias, que cresceu no terceiro trimestre 1,1% em relação ao trimestre anterior, feito o ajuste sazonal, num período em que o PIB avançou apenas 0,1% e o investimento recuou 2,5%. Para o ano que vem, a expectativa é o que o total do Bolsa Família fique próximo ao valor deste ano.

Na estimativa da consultoria, o consumo das famílias vai crescer 3,4% em 2023, acima dos 3,1% da expansão projetada para o PIB. Para 2024, a previsão da A.C. Pastore é de que o consumo das famílias avançará 2,3%, mais uma vez acima da variação do PIB – a consultoria aposta em crescimento da economia de 1,7% em 2024.

Enquanto o consumo das famílias tem crescido com força, o investimento tem recuado, uma composição ruim para a capacidade do país de avançar a taxas sustentadas no longo prazo. A chamada formação bruta de capital fixo (FBCF, medida do que se investe em máquinas e equipamentos, construção civil e inovação) recua há quatro trimestres seguidos.

A taxa de investimento, nesse cenário, recuou de 18,3% do PIB no terceiro trimestre de 2022 para 16,6% do PIB no mesmo período deste ano. Juros ainda elevados inibem gastos na modernização e ampliação da capacidade produtiva. Incertezas em relação às contas públicas também podem ajudar a frear o investimento.

Ata do Copom

Na ata da reunião deste mês do Comitê de Política Monetária (Copom), o Banco Central (BC) discutiu a questão desse mix de crescimento. “A resiliência do consumo das famílias, que novamente surpreendeu positivamente, pode estar relacionada a um aumento da renda bruta das famílias, em função da expansão do mercado de trabalho, de benefícios sociais e de ganhos de renda relacionados à desinflação em importantes segmentos da cesta de consumo”, diz o colegiado do BC.

“Por outro lado, a formação bruta em capital fixo, que é mais sensível às condições financeiras e às perspectivas e incertezas futuras, segue em queda, após uma forte elevação ao longo do período da pandemia”, observa o Copom.

“Alguns membros avaliaram que a persistência de uma conjunção de maior resiliência do consumo e queda no investimento poderia provocar, no médio prazo, um excesso de demanda em relação à oferta, com potenciais impactos sobre preços.”

Publicado no Valor Econômico
https://valor.globo.com/brasil/noticia/2023/12/25/transferencias-de-renda-tem-aumento-forte-e-ajudam-a-impulsionar-consumo-das-familias.ghtml