José Giacomo Baccarin[1] e Gustavo Jun Yakushiji[2] | 14/11/2024
1 – Introdução
Baixe aqui o estudo “Preço dos alimentos e da carne bovina no Brasil“
Usam-se dados de inflação ao consumidor no Brasil do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) (IBGE, 2024). Depois de registrar variação negativa em julho e agosto, em setembro e outubro de 2024 o Índice de Preços de Alimentação e Bebidas (IPAB) cresceu mais que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), voltando a pressionar a inflação ao consumidor no Brasil. Entre janeiro e outubro de 2024, o IPCA variou 3,9% e o IPAB, 4,8%, contribuindo com 24% da elevação do IPCA. O grupo Alimentação e Bebidas foi o que teve a maior participação no aumento do IPCA, mas não o com maior variação de preços, ficando atrás do grupo Educação, 6,6%, Saúde e Cuidados Pessoais, 5,7% e Habitação, com elevação de 5,3%. Os outros cinco grupos do IPCA, Artigos de Residência, Vestuário, Transportes, Despesas Pessoais e Comunicação, tiveram crescimento de preço de até 3,0%, nos dez primeiros meses de 2024. Cabe um destaque ao grupo Transportes, com variação de 1,7%, em que são registrados os preços dos combustíveis e que, atualmente, pode ser considerado como único com preço administrado no País.
Dos dois subgrupos do grupo Alimentação e Bebidas, a Alimentação no Domicílio registrou maior aumento, de 5,1%, com a Alimentação Fora do Domicílio crescendo 4,1%, de janeiro a outubro de 2024. Na Alimentação no Domicílio, o grande vilão em setembro e outubro foi o item Carnes, composto por carne suína, de carneiro e, majoritariamente, por diversos cortes de carne bovina. Conforme Anexo 1, entre 16 itens, Carnes tem a maior participação nos gastos das famílias brasileiras com Alimentação no Domicílio, de 19,8% (17,3%, específicos dos cortes bovinos) e seus preços cresceram 3,0%, em setembro, e 5,8%, em outubro. Com isto, a queda de 2,5% observada nos primeiros oito meses do ano se transformou, como em um passe de mágica, em aumento de 6,3% no item Carnes, de janeiro a outubro de 2024.
Será que a boiada está se reduzindo e a carne bovina vai ficar proibitiva daqui por diante? Mais geral, será que os alimentos reiniciaram uma escalada de preços, aos moldes do acontecido desde 2007 e reforçada durante a pandemia da Covid 19? A segunda pergunta, tentaremos responder na seção seguinte. A primeira deixamos para a terceira seção. E na quarta seção apresentamos alguns comentários finais.
2 – A Variação dos Preços dos Alimentos nos Últimos Dois Anos
Consideremos o ocorrido nos últimos 25 meses, desde outubro de 2022. No Gráfico 1 observa-se que a variação média mensal do IPCA foi de 0,40%, maior que do IPAB, de 0,31%. Visualmente e pelos valores do desvio padrão, pode-se perceber flutuações muito mais significativas no IPAB, destacando-se a ocorrida entre julho de 2024, com IPAB de -1,0%, e outubro de 2024, com IPAB de 1,1%. Algo parecido tinha ocorrido entre agosto de 2023 e janeiro de 2024. Inversamente, ocorreu uma sensível queda entre janeiro de 2024, IPAB de 1,4%, e julho de 2024, IPAB de -1,0%.
Há uma sazonalidade, em determinado ano, nos preços agrícolas e nos alimentos derivados. No verão ou no período chuvoso, várias verduras (alface, p. ex.) e legumes (tomate, p.ex.) têm a produção diminuída e preço aumentado. No outono e inverno, sua produção se eleva, coincidindo com a colheita dos cereais, oleaginosas, café e várias frutas, como a laranja.
A tendência de queda entre outubro de 2022 e agosto de 2023 tem um componente adicional, além da sazonalidade. Saía-se da pandemia da Covid 19, na qual a inflação de alimentos acirrou-se no mundo e no Brasil. De 2007 a 2019, o IPCA cresceu 7,0% ao ano e o IPAB, 12,0% a.a., valores que passaram, respectivamente, para 7,2% a.a. e 13,1% a.a., de 2020 a 2022. O encarecimento relativo dos alimentos no Brasil, com alguma defasagem, tem aderência ao ocorrido nos preços internacionais, com o Índice de Preços dos Alimentos (IPA) da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) mostrando tendência de crescimento desde 2001, atingindo o máximo histórico em março de 2022 (FAO, 2024).
No Gráfico 2, percebe-se queda quase contínua do IPA/FAO, de outubro de 2022 a fevereiro de 2024. A valorização da moeda brasileira ajudou no controle dos preços internos dos alimentos, até julho de 2023. A partir de então, passa a se observar processo de desvalorização do Real, mais acentuado após maio de 2024. Pode-se dizer que, entre junho de 2023 e fevereiro de 2024, a queda das cotações internacionais não foi repassada, totalmente, aos preços internos devido à desvalorização do Real. A partir de fevereiro de 2024, tanto o câmbio quanto o IPA/FAO vêm pressionando os preços dos alimentos no Brasil.
3 – Participação de Itens nos Preços dos Alimentos em 2024
Na Tabela 1 foram discriminados os 16 itens que compõem o subgrupo Alimentação no Domicílio, registradas a variação de preços e a contribuição para a inflação da alimentação no domicílio. Neste caso, levando em conta a participação porcentual dos itens no gasto das famílias, conforme Anexo 1.
Uma primeira observação é que houve muita dispersão na variação de preços entre os itens, desde um aumento de 11,6%, de Leite e Derivados e Frutas, a uma queda de 15,0%, em Tubérculos, Raízes e Legumes. Seis itens tiveram variação de preços acima do IPAB, um, entre o IPAB e o IPCA e oito, abaixo do IPCA.
Se o maior aumento de preços, de 11,6%, em 2024 foi verificado em Leite e Derivados, a maior contribuição para encarecimento da Alimentação no Domicílio, de 37,4%, veio das Carnes. Como já visto, em termos quantitativos, isto se deveu ao acontecido em setembro e outubro de 2024. Pode ser um acontecimento efêmero, com as reclamações do consumidor em relação ao preço da carne bovina diminuindo nos próximos meses.
Outra possibilidade é que seja uma retomada da trajetória observada entre 2007 e 2019, em que a bovinocultura de corte foi a grande vilã da inflação de alimentos no Brasil. Basta verificar os números; naqueles 13 anos, os preços dos alimentos da bovinocultura de corte cresceram 281,2%, média anual de 21,6%, acima do verificado em outras 23 cadeias agroalimentares e bem acima do IPCA e do IPAB, conforme registro anterior (BACCARIN et al., 2024).
Entendemos que não se pode mais usar, exclusivamente, indicadores da oferta interna de bovinos e carne frigorificada para explicar o ocorrido. Até 1990, o Brasil não era exportador de carne bovina, inclusive, em alguns anos, havia necessidade de importação, de forma que relacionar preços internos com tamanho do rebanho e ciclo pecuário nacionais fazia sentido. No século XXI, a participação da exportação na produção de carne bovina no Brasil vem aumentando e as principais variáveis a considerar são os preços internacionais versus taxa de câmbio e a capacidade de os frigoríficos discriminarem entre o abastecimento dos mercados interno e externo. Mesmo com o rebanho e a produção internos em elevação, se o crescimento da exportação for maior, puxado por maiores cotações internacionais ou abertura de novos mercados, o resultado pode ser elevação de preços internos.
O Gráfico 3 mostra uma trajetória de forte crescimento do preço recebido pelos exportadores brasileiros da carne bovina, em reais, suavizada de 2016 a 2018 e em 2023. Tendência semelhante verificou-se com o preço da carne bovina calculada pela FAO, exceto nos anos de 2020 a 2022, em que a moeda brasileira registrou forte desvalorização.
O preço ao pecuarista, do boi gordo, tendeu a acompanhar o preço internacional até 2011, depois se defasou, embora também apresentasse trajetória de crescimento. O fato dos frigoríficos no Brasil constituírem um oligopsônio, pelo menos no que se refere à carne exportada, é uma provável explicação da defasagem entre preço de exportação e do boi gordo.
A evolução dos preços ao consumidor e ao pecuarista foi muito semelhante, de 2007 a 2019. Nos anos da pandemia o preço ao consumidor ficou em nível mais baixo, talvez associado às dificuldades observadas no comércio mundial, que podem ter afetado a exportação de carne bovina pelo Brasil. Outra provável explicação, a ser testada, é a diminuição do consumo interno de carne bovina, substituída por outras carnes e ovos.
O ano de 2023 trouxe boa notícia ao consumidor brasileiro, que perdurou pelos oito meses iniciais de 2024, a carne bovina ficou mais barata, em linha com o acontecido no comércio internacional e no preço do boi gordo. Quanto aos aumentos expressivos de setembro e outubro, deve-se tomar cuidado com sua interpretação, primeiro pelo pouco tempo, segundo porque o preço interno, atualmente, continua abaixo dos valores observados entre 2019 e 2022.
A recuperação do IPA da FAO e a desvalorização do Real, apontadas no Gráfico 2, indicam tendência de alta dos preços dos alimentos. Ademais, a conquista de novos mercados, especialmente na Ásia, pelos frigoríficos brasileiros, pode trazer pressões adicionais ao preço interno da carne bovina.
4 – Comentários Finais, até o Próximo IPCA
Desde fevereiro de 2024, as condições do comércio internacional vêm causando uma dupla pressão de preços de alimentos no Brasil. O IPA/FAO tem aumentado e a moeda brasileira se desvalorizado. Incrivelmente, a institucionalidade do Brasil impede que o Executivo Federal interfira no valor da taxa de câmbio, mesmo contando com reservas internacionais as mais robustas da história brasileira. Fica a pergunta, por que não se usam os bilhões de dólares acumulados para garantir preços internos mais favoráveis?
Os preços internacionais, em princípio, não dependem de decisões do Governo Nacional. Mas nas condições de exportações brasileiras, talvez, ainda hajam brechas institucionais para intervir em cadeias específicas. A legislação do Imposto de Exportação está em vigor, embora não venha sendo aplicada. No longo prazo, em nosso entendimento, interessa ao Brasil aumentar suas exportações, tomando extremos cuidados com a questão ambiental e, no curto prazo, interferindo para que não haja disparada de preços internos, em especial naquelas cadeias com grande participação no consumo nacional, como no caso da carne bovina.
Estímulos e novas tecnologias para o fomento da produção daqueles produtos que, frequentemente, apresentam variações sazonais de preços são bem-vindos. Uso das reservas internacionais em dólares e controles pontuais da exportação de determinadas cadeias também. Há muita elaboração analítica e operacional a ser feita nesta direção, tentando-se sofisticar as recomendações de políticas de comercialização, além do comumente apregoado, o fortalecimento de estoques reguladores.
Referências
BACCARIN, J. G.; OLIVEIRA, J. A. Inflação de Alimentos no Brasil em período da Pandemia da Covid 19: continuidade e mudanças. Segurança Alimentar e Nutricional, v. 28, p. 1-14, 2021. http://dx.doi.org/10.20396/san.v28i00.8661127.
BACCARIN, J. G.; CAMARGO, R. A. L. de; FONSECA, A. E. & YAKUSHIJI, G. J. Manifestação e causas da inflação de alimentos no Brasil, 2007 a 2023. Anais… 62º. Congresso SOBER, Palmas (TO), 2024. http://dx.doi.org/10.29327/62-congresso-da-sober-397784.818274.
FAO. Índice de precios de los alimentos de la FAO. Food and Agriculture Organization, 2024. Disponível em: https://www.fao.org/worldfoodsituation/foodpricesindex/en/. Acesso em: 12 nov. 2024.
IBGE. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017-18 – Avaliação nutricional da disponibilidade domiciliar de alimentos no Brasil. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Rio de Janeiro, 2020.
IBGE. Índice de Preços ao Consumidor Amplo. Sistema IBGE de Recuperação Automática – SIDRA, 2024. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/home/ipca/brasil. Acesso em: 12 nov. 2024.
IPEA (Instituto de Pesquisa em Economia Aplicada). Taxa de câmbio – comercial – compra – fim de período – mensal. Ipeadata, 2024. Disponível em: http://ipeadata.gov.br/Default.aspx. Acesso em: 12 nov. 2024.
Anexo 1
[1] Professor da UNESP, campus de Jaboticabal e Rio Claro. Diretor do Instituto Fome Zero. E-mail: jose.baccarin@unesp.br.
[2] Engenheiro Agrônomo e Mestrando em Estatística e Experimentação Agronômica pela ESALQ/USP.
Baixe aqui o estudo “Preço dos alimentos e da carne bovina no Brasil“