A tempestade perfeita da inflação alimentar: causas, impactos e caminhos possíveis

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Blog do IFZ | 23/07/2025

Entre 2020 e 2024, uma combinação devastadora de choques globais levou o mundo a enfrentar uma das maiores crises de inflação alimentar já registradas. Embora os preços globais tenham começado a se estabilizar em 2024, os efeitos persistem — e as populações mais pobres continuam a arcar com o peso mais severo da crise.

Anatomia de uma crise prolongada

O período entre 2020 e 2023 foi marcado por uma espiral ascendente nos preços dos alimentos, configurando o que a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) descreve como uma “tempestade perfeita”. Três fatores globais convergiram para desestabilizar os mercados agroalimentares: a pandemia de COVID-19, a guerra na Ucrânia e a intensificação dos choques climáticos.

Durante a pandemia, pacotes fiscais de estímulo aumentaram a demanda global e pressionaram os preços, enquanto cadeias de suprimento enfrentavam graves interrupções. Em 2022, a invasão da Ucrânia — um dos maiores exportadores de trigo, óleo de girassol e fertilizantes — comprometeu fluxos comerciais e encareceu combustíveis e insumos agrícolas em escala mundial. Simultaneamente, eventos climáticos extremos — secas prolongadas, enchentes e ondas de calor — afetaram regiões-chave na produção de alimentos.

Em janeiro de 2023, a inflação global dos alimentos atingiu o pico de 13,6%, superando em mais de cinco pontos a inflação geral. Nos países de baixa renda, esse índice chegou a 30%. Apenas em 2024 os preços retornaram aos níveis anteriores à pandemia — após quase quatro anos de alta persistente.

Impactos assimétricos e persistentes

Embora a crise tenha sido global, seus efeitos foram marcadamente desiguais. Em países de baixa renda, onde famílias destinam grande parte da renda à alimentação, a alta nos preços significou redução na frequência das refeições, substituição por alimentos menos nutritivos e priorização alimentar de alguns membros em detrimento de mulheres e crianças.

Segundo a FAO, um aumento de 10% nos preços dos alimentos pode provocar um crescimento de até 6,1% nos casos de desnutrição aguda em crianças menores de cinco anos, com impactos duradouros sobre o desenvolvimento infantil e os sistemas de saúde pública. A mesma elevação está associada a um aumento de 3,5% na insegurança alimentar moderada ou severa e de 1,8% na forma grave.

Mesmo com a recente queda nos preços internacionais das commodities agrícolas, o alívio não chegou plenamente aos consumidores mais pobres. A defasagem é explicada por fatores como custos logísticos elevados, câmbios desvalorizados e estruturas de mercado pouco competitivas. Desigualdades de renda e gênero amplificam esses efeitos, perpetuando o ciclo de vulnerabilidade.

Diagnóstico e respostas segundo Máximo Torero

Economista-chefe da FAO, Máximo Torero Cullen tem sido uma das principais vozes no diagnóstico da crise e na formulação de respostas. Para ele, os últimos anos revelaram como fatores interconectados — estímulos fiscais, conflito geopolítico, desorganização do comércio internacional e colapsos climáticos — geraram impactos em cadeia sobre os sistemas alimentares.

Torero ressalta que os efeitos foram particularmente severos em regiões com alta dependência de importações e moedas enfraquecidas, como partes da África e do Oriente Médio. Nessas áreas, a inflação alimentar levou a saltos críticos nos indicadores de insegurança e desnutrição infantil.

Ao apresentar os principais pontos do relatório State of Food Security and Nutrition in the World (SOFI), Torero defendeu uma resposta coordenada e sustentada em quatro frentes: proteção social direcionada, políticas macroeconômicas integradas, estabilidade comercial e fortalecimento institucional. “As medidas de proteção social são as mais eficazes para mitigar choques nos preços dos alimentos sem gerar riscos fiscais permanentes ou distorções de mercado”, afirmou. Para ele, fortalecer a resiliência, a inclusão e a transparência das políticas públicas é essencial para reduzir vulnerabilidades e evitar novas crises.

Construindo resiliência para o futuro

A FAO e seus parceiros alertam: esta não é uma crise passageira, mas um sinal das fragilidades estruturais dos sistemas agroalimentares globais. O relatório SOFI 2025, que será lançado oficialmente em 28 de julho, em Adis Abeba, durante a Cúpula da ONU sobre Sistemas Alimentares (UNFSS+4), trará propostas concretas para enfrentar os riscos atuais e futuros.

Entre as principais recomendações estão a ampliação de programas de transferência de renda e subsídios alimentares emergenciais, o fortalecimento da agricultura familiar, a melhoria da coordenação entre políticas fiscais e monetárias e o incentivo à previsibilidade comercial.

Além disso, o relatório reforçará a necessidade de investimentos estratégicos em infraestrutura logística, pesquisa agrícola, inovação tecnológica e sistemas de informação de mercado. O objetivo é ampliar a produtividade de forma sustentável, melhorar a resposta a choques externos e garantir acesso equitativo aos alimentos.

O SOFI 2025 não será apenas um retrato da crise passada, mas um roteiro para a construção de um futuro alimentar mais justo e resiliente. Em um mundo cada vez mais interconectado e vulnerável, preparar-se para a próxima tempestade é tão urgente quanto superar os escombros da atual.

Fontes: UN Food Systems Summit +4 , UN Global perspective Human stories e FAO