O peso invisível do processamento dos alimentos

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Blog do IFZ | 30/08/2025

Publicado recentemente na Nature Medicine, o estudo Ultraprocessed or minimally processed diets following healthy dietary guidelines on weight and cardiometabolic health: a randomized, crossover trial analisa pesquisa conduzida pelo Dr. Samuel Dicken, da University College London, que faz uma pergunta que incomoda pela simplicidade: se duas dietas seguem à risca as recomendações oficiais de alimentação, mas uma é feita de alimentos minimamente processados (MPFs) e a outra de ultraprocessados (UPFs), o corpo responde da mesma forma? A resposta, revelada em um ensaio clínico inédito, é clara: o modo como os alimentos são produzidos importa tanto quanto os nutrientes que carregam.

O estudo acompanhou 55 adultos em Londres e arredores. Durante duas fases de oito semanas, os voluntários receberam em casa todas as refeições, bebidas e lanches — ora compostos de MPFs, ora de UPFs. Entre as duas fases, um intervalo de quatro semanas permitia o retorno à alimentação habitual, como forma de “lavar” os efeitos anteriores. A proposta era rigorosa, mas não artificial: cada participante decidia quanto e quando comer. Essa liberdade, rara em ensaios clínicos, aproximou o experimento da vida real — e tornou seus resultados ainda mais eloquentes.

Alteração percentual de peso em dietas MPF e UPF
Alteração percentual de peso em dietas MPF e UPF

Ambas as dietas levaram a alguma perda de peso. Mas a diferença foi contundente: quem seguiu o plano de alimentos minimamente processados perdeu em média 1,84 kg, mais que o dobro do registrado durante a fase com ultraprocessados (0,88 kg). A composição corporal também mudou de maneira desigual. Apenas a dieta baseada em MPFs levou à redução de gordura total, percentual de gordura e gordura visceral — marcadores diretamente relacionados ao risco cardiometabólico. Houve ainda um elemento subjetivo, mas decisivo: participantes no regime de MPFs relataram menor intensidade de desejo pelo “alimento mais tentador”, algo que ecoa na prática a diferença entre comer até a saciedade e comer até passar do ponto.

O achado é intrigante porque as duas dietas foram planejadas segundo o Eatwell Guide, o manual oficial de alimentação saudável do Reino Unido. Em termos de macronutrientes, eram praticamente equivalentes. A chave está no processamento. UPFs são produtos projetados para serem práticos, palatáveis e rentáveis. Alterações na textura e na estrutura facilitam a mastigação e aceleram o consumo, retardando a sensação de saciedade. A alta densidade energética, somada ao apelo visual e às alegações de saúde estampadas nas embalagens, funciona como um convite discreto ao excesso. Em números, essa diferença se traduz em um déficit energético estimado de 290 calorias diárias no regime MPF, contra apenas 120 no UPF. No longo prazo, essa lacuna é suficiente para desenhar trajetórias muito distintas de peso e saúde.

“O estudo mostra que o grau de processamento deve ser considerado nas políticas de alimentação saudável”, afirma o Dr. Dicken. A psicóloga Tera Fazzino, da Universidade do Kansas, vai na mesma direção: focar apenas em reformular ultraprocessados para que cumpram metas nutricionais pode ignorar os efeitos comportamentais e fisiológicos da maneira como esses produtos são concebidos. O epidemiologista brasileiro Carlos Monteiro, que cunhou o termo “ultraprocessados”, sintetiza: “Esses alimentos são engenheirados para serem consumidos em excesso”.

O estudo Ultraprocessed or minimally processed diets following healthy dietary guidelines on weight and cardiometabolic health: a randomized, crossover trial, descrito por especialistas como um provável marco na literatura, dá contornos científicos ao que até então era hipótese: nem toda dieta saudável é igual. Se os guias oficiais já representam um avanço sobre a alimentação comum, a versão baseada em alimentos minimamente processados pode ser ainda mais eficaz para o controle de peso e a saúde metabólica.

No fim, a lição não está apenas nos números, mas na sutileza: comer de acordo com a ciência é importante; comer de acordo com a ciência e contra a lógica do ultraprocessamento pode ser decisivo.

Baixe aqui o artigo “Ultraprocessed or minimally processed diets following healthy dietary guidelines on weight and cardiometabolic health: a randomized, crossover trial