Por José Giacomo Baccarin e Gustavo Jun Yakushiji | 15/09/2025
Baixe aqui o estudo “O baixo consumo de frutas e hortaliças no Brasil: questão de gosto ou de poder aquisitivo?“
Introdução
Os dados da inflação ao consumidor no Brasil, medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), revelam uma queda de preços no mês de agosto de 2025, de 0,11% (IBGE, 2025). Um dos fatos que contribuiu para essa deflação momentânea foi a redução de 0,46% no preço do grupo Alimentação e Bebidas. Seus dois subgrupos tiveram o seguinte comportamento: o preço da Alimentação Fora do Domicílio aumentou 0,50%, o que foi mais que compensado pela diminuição de 0,83% da Alimentação no Domicílio. Este subgrupo é composto por 16 itens, e destacam-se aqui três deles: o item Frutas apresentou redução de preço de 0,57%; o de Hortaliças e Verduras, queda de 1,88%; e o item Tubérculos, Raízes e Legumes despencou 8,07%. Neste caso, seus três principais subitens — tomate, batata inglesa e cebola — tiveram preços reduzidos em 13,39%, 8,59% e 8,69%, respectivamente.
Sem dúvida, trata-se de uma excelente notícia para o consumidor brasileiro, especialmente para os mais pobres, que chegam a gastar 30% ou mais de sua renda na aquisição de uma cesta restrita de alimentos. Contudo, é preciso entender que a redução nos preços das chamadas olerícolas, no mês de agosto, tem caráter sazonal, tendendo a ocorrer todos os anos. Essa flutuação de curto prazo deve ser confrontada com a variação entre os anos, o que permite verificar se a tendência de médio e longo prazo é de alta ou de baixa.
Neste boletim, estabelecem-se dois objetivos: o primeiro é comparar as variações mensais, de janeiro de 2023 a agosto de 2025, dos preços dos itens Frutas, Hortaliças e Verduras e Tubérculos, Raízes e Legumes com as variações semelhantes do subgrupo Alimentação no Domicílio, do grupo Alimentação e Bebidas e do IPCA. O segundo objetivo é reproduzir a mesma comparação, para o período de 2007 a 2024, considerando apenas as variações anuais de preços.
A manutenção de um baixo nível de consumo de frutas, verduras e legumes, constatado nas diversas pesquisas de orçamentos familiares no Brasil do século XXI, pode estar relacionada com o encarecimento relativo desses alimentos. É o que se procurará testar por meio da análise dos componentes do IPCA, citados acima.
Utilizam-se informações do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) relativas ao IPCA e a seus componentes — grupos, subgrupos, itens e subitens. Um dos nove grupos do IPCA é o de Alimentação e Bebidas, do qual deriva o IPAB (Índice de Preços de Alimentação e Bebidas). Este é subdividido em dois subgrupos: Alimentação no Domicílio, que resulta no IPAD, e Alimentação Fora do Domicílio, do IPAF. O IPAD é composto por 16 itens e 159 subitens, enquanto o IPAF é formado apenas por subitens, em número de nove (IBGE, 2025).
Variações Recentes dos Preços das Olerícolas
Na Tabela 1, pode-se observar que, nos 32 meses após janeiro de 2023, a variação média mensal do IPCA foi levemente superior à do IPAB, mas suas flutuações apresentaram intensidades diferenciadas, com o desvio-padrão e o coeficiente de variação do IPAB exibindo valores bem mais altos. Em 2023, primeiro ano após a pandemia de Covid-19, os preços dos alimentos contribuíram fortemente para conter o IPCA. O contrário ocorreu em 2024, com a alimentação pressionando para cima a inflação ao consumidor. Em 2025, constata-se uma influência mais neutra da alimentação sobre o IPCA, mas é conveniente aguardar até o final do ano para confirmar ou não tal situação.

Nos dois subgrupos, observa-se um aumento médio mensal maior da Alimentação Fora do Domicílio. Duas razões explicam esse movimento: entre 2020 e 2022, os preços da Alimentação Fora do Domicílio permaneceram contidos diante das restrições à movimentação das pessoas durante a Covid-19, e, após 2023, busca-se compensar esse represamento. Outra razão é o crescimento da renda das famílias nos últimos anos, elevando o componente de lazer embutido nos gastos com Alimentação Fora do Domicílio. Em termos de flutuações de preços, elas são bem maiores na Alimentação no Domicílio, mais influenciada pelas variações dos preços agrícolas.
Na Tabela 2, os valores do coeficiente de variação deixam claro que as flutuações mensais nos preços das olerícolas são ainda mais intensas do que as do conjunto dos alimentos no domicílio, especialmente no item Tubérculos, Raízes e Legumes. Nesse caso, a média mensal de seus preços, nos 32 meses considerados, foi negativa, enquanto, nos dois outros itens, ela superou significativamente a média mensal do IPAD.

Através da Figura 1, percebe-se mais facilmente o nível de flutuação dos preços das olerícolas, bem como um determinado padrão em cada ano. No caso dos Tubérculos, Raízes e Legumes, houve momentos em que a variação mensal superou 10%, em aumentos, ou 15%, em reduções. As flutuações de preços de Frutas e de Hortaliças e Verduras também foram elevadas. Contribuem para isso a alta perecibilidade de grande parte das olerícolas, que devem ser consumidas rapidamente após a colheita. Ademais, o comércio internacional da maioria delas é pouco representativo, com a oferta interna sendo pouco compensada por movimentos de exportação ou importação. O padrão anual de flutuação é de queda de preços nos meses mais frios e secos do ano e de aumento nos meses próximos ao verão.

O Encarecimento das Olerícolas Após 2007
Na Tabela 3, fica evidenciado que os itens Frutas, Hortaliças e Verduras e Tubérculos, Raízes e Legumes tiveram seus preços majorados em mais de duas vezes acima do IPCA, entre 2007 e 2024. Ou seja, em termos reais, as olerícolas mais do que dobraram de preços nos 18 anos considerados. Suplantaram também o IPAB e o IPAD, destacando-se, negativamente, entre os itens com maiores aumentos da Alimentação no Domicílio.

Outro ponto a destacar é o elevado coeficiente de variação dos três itens de olerícolas, em especial o de Tubérculos, Raízes e Legumes. Suas flutuações de preços tendem a ser altas também entre os anos, embora menos expressivas do que aquelas constatadas nas variações mensais.
Na Figura 2, em comparação ao observado no IPCA, fica evidenciada a grande instabilidade, especialmente dos preços de Tubérculos, Raízes e Legumes, com aumentos superiores a 40% em alguns anos, enquanto, em outros, as quedas ultrapassaram 20%. As flutuações de preços em Frutas e em Hortaliças e Verduras foram menores do que em Tubérculos, Raízes e Legumes, mas maiores que as do IPCA.
Duas inferências podem ser feitas. A primeira é que a oferta interna de olerícolas não tem evoluído, desde 2007, de forma a evitar um aumento estrutural em seus preços. A segunda é que a evolução da oferta de olerícolas tem sido muito instável ao longo dos anos, com sua pressão de longo prazo sobre a inflação de alimentos e sobre o IPCA suavizando-se em alguns períodos, quando seus preços crescem menos ou até atingem valores negativos.
É importante procurar causas para tal comportamento, a começar pela avaliação de como a produção das principais olerícolas vem se comportando — como batata, cebola, tomate, alface, banana e laranja de mesa. Aparentemente, o sucesso produtivo da agricultura brasileira, caracterizado por uma produção bem acima do consumo interno e por expressivo volume exportado, não alcançou a produção das olerícolas.

Considerações Finais
A FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) divulga, anualmente, vários indicadores da situação alimentar da população mundial, como a Prevalência da Desnutrição e o Índice de Insegurança Alimentar. Aqui, convém destacar outro, menos divulgado, mas ligado especificamente à questão nutricional e ao acesso a uma dieta saudável. Em 2022, constatou-se que 2,8 bilhões de pessoas, ou 35,0% da população mundial, não conseguiam acessar uma dieta saudável, muitas delas consumindo uma quantidade calórica suficiente, mas com carência de micro e macronutrientes (FAO et al., 2024).
Ainda segundo a FAO et al. (2024), em 2022, 54,4 milhões de pessoas, ou 25,3% da população do Brasil, não conseguiam acessar uma alimentação de boa qualidade nutricional. Esses números são bem maiores do que o de brasileiros considerados em situação de fome.
A evolução dos preços das olerícolas no Brasil, pelo menos desde 2007, pode ser apontada como uma das causas da baixa qualidade nutricional das dietas dos brasileiros. Enquanto os preços de seus três itens mais do que dobraram, em termos reais, os dados do IBGE (2025) permitem calcular que os produtos ultraprocessados tiveram aumento de preços de 211,60%, abaixo do IPAB e não muito acima do IPCA, entre 2007 e 2024. Nu e cru, comida de boa qualidade nutricional ficou mais distante da mesa do brasileiro, tendendo a ser substituída por comida de menor qualidade nutricional, mas mais acessível, em termos de poder aquisitivo..
José Giacomo Baccarin é Professor Economia Rural e Política Agrícola UNESP, campus Jaboticabal (SP). Credenciado Pós-Graduação Geografia UNESP, campus Rio Claro (SP). Diretor Instituto Fome Zero. E-mail: [email protected]
Gustavo Jun Yakushiji é Engenheiro Agrônomo e Mestrando em Estatística e Experimentação Agronômica pela ESALQ/USP.
Referências
FAO; FIDA; UNICEF; PMA; OMS. Versión resumida de El estado de la seguridad alimentaria y la nutrición en el mundo 2024: Financiación para acabar con el hambre, la inseguridad alimentaria y la malnutrición en todas sus formas. Roma, FAO, 2024. https://ifz.org.br/download/13211/?tmstv=1721847155&v=13212
IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Índice de Preços ao Consumidor Amplo. Sistema IBGE de Recuperação Automática – SIDRA, 2025. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/home/ipca/brasil.
Baixe aqui o estudo “O baixo consumo de frutas e hortaliças no Brasil: questão de gosto ou de poder aquisitivo?“
