Por José Giacomo Baccarin e Gustavo Jun Yakushiji | 14/10/2025
Baixe aqui o estudo “Condições Externas e Inflação de Alimentos no Brasil“
Introdução
A inflação de alimentos está saindo de moda no Brasil. Boa notícia, os preços dos alimentos, de janeiro a setembro de 2025, pressionaram menos o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) do que em igual período de 2024. No presente ano, o IPAB (Índice de Preços de Alimentação e Bebidas) variou 2,67%, contra 3,64% do IPCA; em 2024, esses números foram, respectivamente, 3,72% e 3,31%. Acautelando-se com os três meses restantes do ano, ao que tudo indica, os alimentos ajudarão a segurar a inflação em 2025, enquanto atiçaram-na em 2024.
O aquecimento de 2024 resultou em maior abordagem acadêmica e midiática do fenômeno. Após o final de cada mês, temos sido contemplados com análises que procuram apontar os ingredientes que, naquele curto período, impactaram os preços dos alimentos ao consumidor. Em um mês é o café, noutro é o tomate, noutro ainda é a carne bovina etc. etc. Comumente, associa-se a variação de preço ao consumidor às condições específicas de oferta de determinadas cadeias agroalimentares. Esta fotografia de um ou poucos componentes é justificada e pode ter uma boa resolução, mas é insuficiente para compreensão do filme e das interações entre os vários integrantes do enredo.
Na interpretação da inflação de alimentos, seria interessante a consideração de sua origem entre os segmentos da cadeia agroalimentar (agrícola, industrial ou de serviços); de causas gerais e específicas; de variações de curto prazo, sazonais e estruturais; bem como, de agrupamentos de alimentos.
Entre as causas gerais, consideramos um componente inercial, advindo da variação média dos preços ao consumidor no Brasil, medido pelo IPCA. Outro, decorreria de mudanças na demanda interna de alimentos, advindas da variação do tamanho e da renda da população, bem como do valor da Elasticidade Renda da Demanda. Outra causa, seria a evolução da participação brasileira no mercado internacional dos alimentos e a variação de seus preços.
Quanto ao tempo de análise, comecemos diferenciando a variação de curto prazo da sazonal ou estacional. Esta tende a acontecer, ao longo de determinado ano, com produtos perecíveis e sem comércio exterior importante, com quedas de preços nos meses de safra. As condições de produção de dado produto em determinado ano podem se mostrar favoráveis ou não e resultar em variações para cima ou para baixo em seu preço mensal médio. Uma coisa é comparar o preço do tomate entre janeiro e julho de 2024, outra é comparar seu preço médio entre os meses de 2023 e os de 2024.
No longo prazo, é possível que as cadeias mostrem avanços diferenciados na sua competitividade e redução de seu custo médio. Também pode ocorrer mudanças em hábitos de consumo, alterando a participação de determinado alimento na cesta adquirida. Dessas e outras questões derivam uma tendência de variação de preços ao longo dos anos.
Quanto aos agrupamentos de alimentos, um deles seria considerar, assim como faz o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), os dois subgrupos da Alimentação e Bebidas, quais sejam a Alimentação no Domicílio e a Alimentação Fora do Domicílio. O primeiro sofre impactos, proporcionalmente, menores da variação da renda do consumidor, por apresentar valor mais baixo na Elasticidade Renda da Demanda (Vaz e Hoffmann, 2020). Também, é importante considerar que a Alimentação Fora do Domicílio, pelo lado da oferta, é mais impactada pelos custos urbanos, enquanto a Alimentação no Domicílio sofre maiores influências dos preços dos produtos agrícolas. Ainda na classificação divulgada pelo IBGE, pode-se abordar o acontecido com os 16 itens que compõem a Alimentação no Domicílio.
Outros dois agrupamentos propostos partem da reclassificação dos 159 subitens da Alimentação no Domicílio. Em um deles, a partir do proposto por Monteiro et al. (2018), os alimentos são classificados em quatro grupos, basicamente, de acordo com o nível de processamento industrial. Outro, se faz com base no produto agrícola que dá origem ao alimento, conformando-se 24 cadeias agroalimentares. Adicionalmente, leva-se em conta o nível de internacionalização das cadeias, considerando-se as comercializáveis, medianamente comercializáveis e não comercializáveis, a partir da relação entre exportação/importação e produção nacional (Baccarin et al., 2024).
Nesse boletim, vai se procurar relacionar a variação de preços da Alimentação no Domicílio no Brasil com as condições no mercado internacional agrícola, de janeiro de 2020 a setembro de 2025. Com isso, pode-se comparar os três anos sob a pandemia da Covid 19 com os quase três anos pós pandêmicos. Vão ser priorizados os efeitos de variáveis do comércio internacional, preço internacional de alimentos e taxa de câmbio Real/Dólar.
Basicamente, são usadas estatísticas de preço ao consumidor no Brasil, do IBGE, de preços internacionais de alimentos da FAO (Organização da Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) e da taxa de câmbio do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
O Encarecimento dos Alimentos entre 2000 e 2022
Na Figura 1 percebe-se que, após alguns meses iniciais de queda, de maio de 2000 a março de 2022 houve expressivo aumento dos preços dos alimentos no mundo, decorrente das dificuldades de distribuição de produtos nas cadeias agroalimentares, durante a pandemia da Covid 19. Em dezembro de 2022, embora abaixo do pico de março de 2022, o Índice de Preços de Alimentos da FAO (IPAFAO) ainda se mostrava 29,89% acima do constatado em janeiro de 2020.

A variação da taxa de câmbio Real/Dólar (TXCBR), até julho de 2022, mostrou-se coerente com o peso da exportação agrícola nas exportações totais do Brasil e com a variação do preço dos alimentos no mercado internacional. Quando este caiu, a moeda brasileira tendeu a se desvalorizar e vice e versa. Esse movimento simétrico deixou de acontecer entre agosto de 2022 e dezembro de 2024 e, aparentemente, está retomando em 2025.
Na Tabela 1 percebe-se que o movimento cambial, em todo o período 2000-22, resultou em uma pequena desvalorização da moeda nacional de 4,04%. A pressão maior veio do aumento dos preços internacionais dos alimentos, levando o IPAB crescer 15,53 pontos porcentuais a mais que o IPCA. Aos moldes do ocorrido entre 2007 e 2019, a inflação de alimentos ou o encarecimento relativo de seus preços continuou se manifestando na pandemia da Covid 19.
Continuidade ou Interrupção da Inflação de Alimentos
Ainda a Tabela 1, mostra que, em 2023, ajudado pela queda dos preços internacionais e pela valorização cambial, o IPAB apresentou um valor bem menor que o IPCA. Em 2024, ao contrário, o IPAB esteve acima do IPCA, o que guarda relação tanto com o movimento da taxa de câmbio quanto o do IPAFAO. Em 2025, ainda não encerrado, o aumento internacional de preços dos alimentos mostra pequeno valor, o que associado à valorização do real tem contribuído para que a alimentação ajude no controle da inflação ao consumidor no Brasil.

De janeiro de 2023 a setembro de 2025, o IPAB cresceu 11,70% e o IPCA, 13,67%. No presente, pode estar se firmando uma nova tendência, em que a alimentação não pressione mais a inflação ao consumidor no Brasil. Mas é bom não esquecer o passado, de 2007 a 2022, quando os alimentos, relativamente, encareceram no Brasil. O consumidor brasileiro convive, na atualidade, com altos preços de alimentos, maiores do que se constatava em 2019 e bem maiores do que o verificado no distante ano de 2007.
José Giacomo Baccarin é Professor Economia Rural e Política Agrícola UNESP, campus Jaboticabal (SP). Credenciado Pós-Graduação Geografia UNESP, campus Rio Claro (SP). Diretor Instituto Fome Zero. E-mail: [email protected]
Gustavo Jun Yakushiji é Engenheiro Agrônomo e Mestrando em Estatística e Experimentação Agronômica pela ESALQ/USP.
Referências
BACCARIN, J. G.; YAKUSHIJI, G. J. & FONSECA, A. E. Uma contradição a ser enfrentada: o sucesso exportador da agricultura e o encarecimento dos alimentos no Brasil. In: 630. Congresso da SOBER. Anais… Passo Fundo (RS), 2025.
FAO. FAO Food Price Index. World Food Situation, 2025. Disponível em: https://www.fao.org/worldfoodsituation/foodpricesindex/en/. Acesso em: 10 de out. 2025.
IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Índice de Preços ao Consumidor Amplo. Sistema IBGE de Recuperação Automática – SIDRA, 2025. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/home/ipca/brasil.
IPEA. Taxa de câmbio comercial para compra: real (R$) / dólar americano (US$) – média. IPEA Data, 2025. Disponível em: http://www.ipeadata.gov.br. Acesso em: 10 out. 2025.
MONTEIRO C. A.; CANNON G.; MOUBARAC J. C.; LEVY R. B.; LOUZADA M. L. C.; JAIME P. C. The UN Decade of Nutrition, the NOVA food classification and the trouble with ultra-processing. Public Health Nutrition, v. 21, n. 1, p. 5-17, 2018. https://doi.org/10.1017/ S1368980017000234.
VAZ, D. V. & HOFFMANN, R. Elasticidade-renda e concentração das despesas com alimentos no Brasil: uma análise dos dados das POF de 2002-2003, 2008-2009 e 2017-2018. Revista de Economia, v. 41, n. 75, p. 282-310, 2020.
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