A farsa dos biscoitos proteicos

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Biscoitos “fit” são apreendidos e proibidos por conterem menos da metade do valor de proteínas declarado — meus leitores já desconfiavam!

Por Sarita Fontana no Substack | 22/10/2025

Semana passada, a imprensa noticiou a apreensão de biscoitos WheyViv no Espírito Santo, que tiveram suas vendas proibidas pelo Instituto Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon-ES). Segundo as notícias, a análise dos alimentos foi feita pelo Laboratório Central (Lacen) do ES, após denúncias de consumidores que compravam os biscoitos por indicação médica e perceberam que eles não correspondiam às expectativas.

As análises demonstraram que os produtos tinham menos da metade do valor de proteínas declarado!

Eu imagino que a suspeita e a denúncia tenham partido de avaliações de impacto glicêmico, algo que os assinantes desta newsletter já suspeitavam há 3 anos.

Em dezembro de 2022, o primeiro ano das Descobertas, eu cheguei a classificar um suspiro da marca WheyViv como “bota no carrinho”, a partir da avaliação do rótulo. A lista de ingredientes parecia boa, embora apresentasse uma inconsistência na ordem declarada, que apontei naquela edição. A tabela nutricional demonstrava baixo teor de carboidratos, sendo a proteína o nutriente em maior quantidade, algo que faz sentido para um biscoito que tem proteína de soja e clara de ovo como principais ingredientes. Eu não gosto de suspiro, então não experimentei o produto nem testei o impacto glicêmico, mas alguns dos meus leitores fizeram isso e me contaram o resultado.

Ao longo dos últimos anos, recebi mensagens de pessoas diabéticas e não diabéticas relatando que a glicemia subia muito após consumir os produtos da marca, o que me deixou desconfiada. Afinal, se não há ingredientes ricos em carboidratos na composição e a tabela nutricional mostra uma quantidade irrisória do nutriente, não faz sentido que o alimento impacte a glicemia de forma exagerada.

Troca de mensagens com os leitores pelo chat do Substack desde 2023

Em maio de 2025, surgiram denúncias envolvendo os produtos da marca, e muitas pessoas me pediram um parecer sobre um vídeo que circulava nas redes. Na ocasião, tive acesso a laudos de análise que supostamente comprovariam a fraude, mas estranhei alguns pontos: não identifiquei o laboratório e os relatórios não detalhavam as metodologias utilizadas.

Faltavam peças no quebra-cabeças, então preferi não publicar nada naquele momento. Eu prezo pela confiança que construí com vocês, e às vezes isso inclui saber esperar — em tempos de desinformação e disputas por audiência, acredito que o silêncio responsável vale mais do que um palpite precipitado. O fabricante alegava que os laudos seriam falsos.

Nota publicada em maio no Instagram da empresa, que na última semana foi substituída por uma nova nota, reafirmando que os produtos são confiáveis. Será?

Outubro de 2025: Biscoito fit é removido do comércio e tem venda proibida no Espírito Santo

Alguém adivinha o que é mais barato do que proteína e foi usado em seu lugar nas fórmulas? Dica: impacta bastante a glicemia.

Como expliquei nesta edição: O que descobri usando um monitor contínuo de glicose

“Para pessoas metabolicamente saudáveis, como eu, (que não são diabéticas ou pré-diabéticas), o impacto glicêmico dos alimentos por si só não causa doenças. Mas o monitoramento pode ser usado por pessoas que estão seguindo uma estratégia alimentar de baixo carboidrato (low-carb) como uma ferramenta de adesão. É uma forma de verificar se a dieta é baixa em carboidratos, pois alimentos verdadeiramente low carb não provocam elevações importantes em glicemia.”

Rótulos amadores dão pistas sobre inconsistências e fraudes

Algo que aprendi ao longo de todos esses anos avaliando rótulos é que quando um rótulo deixa dúvidas, é melhor deixar o produto na prateleira. Escrevi sobre isso aqui.

Mas as inconsistências nem sempre são óbvias, pelo contrário, elas podem ser sutis. Foi o caso desses biscoitos, em que a lista de ingredientes parece estar em desacordo com a legislação. A norma atual exige que eles apareçam em ordem decrescente de quantidade, seguidos dos aditivos, e esses dois grupos não devem ser misturados (algo que está em debate para ser modificado, e espero que mude, pois penso que seria mais útil visualizar tudo que o produto contém numa lista consolidada em ordem decrescente de quantidade).

Perceber esse tipo de coisa exige algum conhecimento prévio — saber, por exemplo, diferenciar um ingrediente de um aditivo. Também ajuda ter uma noção da composição típica do alimento em questão para notar quando algo está fora do lugar (como a água, que aparece por último na lista, o que é, no mínimo, estranho).

Não é fácil. Muitas vezes, só uma análise laboratorial pode confirmar a suspeita de que algo está incorreto. Mas esse caso mostrou que até um “pequeno” detalhe no rótulo pode sinalizar um problema maior: se nem o básico está sendo feito corretamente — seguir a norma de rotulagem — o que mais pode estar errado?

Se a “sala de estar” está desorganizada, imagina o que está escondido debaixo do tapete.

Seja um detetive dos rótulos

Ao consumidor, cabe fazer a sua parte. Aprender a ler rótulos e entender o básico sobre a composição dos alimentos é uma ferramenta poderosa para se proteger dessas armadilhas. Meu propósito é ajudar com informações práticas, embasadas e úteis, mas também podemos contar com os órgãos oficiais. A Anvisa trabalha com denúncias, que podem ser realizadas diretamente pelo cidadão através do fale conosco na plataforma gov.br — eu já tive ótimas experiências com essa ferramenta.

Fico feliz por ter leitores atentos, que me alertaram sobre seus testes anos atrás e também contente em saber que a fiscalização comprovou as suspeitas das irregularidades, fazendo justiça. Seguimos vigilantes e atentos.

Publicado originalmente no Substack da autora
https://sarifontana.substack.com/p/a-farsa-dos-biscoitos-proteicos