A agricultura familiar no sul do Brasil: muito a celebrar e mais a superar

Por Carlos MielitzIFZ | 03/08/2023

Neste dia (25/07) celebra-se o Dia Internacional da Agricultura Familiar, data instituída pela FAO para evidenciar sua relevância em todo o mundo. Se não bastasse, em 2018 a ONU criou a Década da Agricultura Familiar a viger no período de 2019-28. Em todo o mundo, em torno de 600 milhões de unidades podem ser assim conceituadas . No Brasil este reconhecimento já tem uma história mais longa, vem de 2006.

No Rio Grande do Sul desde 1924 celebra-se também em 25/07 o Dia do Colono em lembrança à data da chegada dos primeiros imigrantes alemães ao estado, estendendo-se o reconhecimento aos vindos posteriormente de diversas origens.

Esta referência histórica é importante na medida em que lá se colocaram as bases da agricultura familiar nos moldes praticados no RS e por movimentos semelhantes em outras regiões do Sul do Brasil em convivência com outras modalidades já previamente existentes.

O assentamento destas famílias de imigrantes no regime de colonização gerou um padrão de ocupação do solo, que mais do que uma forma de produzir, forjou um modo de vida. Apesar da centralidade inicial da produção agrícola, obrigatoriamente diversificada para atender às necessidades, rapidamente se fomenta o surgimento de atividades correlatas de artesanato e manufatura, transformação e processamento de produtos, qualificação e especialização profissionais para prestação de serviços dentre outras que começam a gerar adensamentos populacionais numa trajetória de crescente urbanização. Centros comunitários, escolas, clubes, igrejas multiplicam-se por toda a região Sul, respeitadas as especificidades de cada caso.

Contemporaneamente é amplamente reconhecida a importância de Agricultura Familiar na produção de alimentos para o mercado interno bem como sua participação na composição das cadeias do denominado agronegócio. Mas para muito além disto, com suas evoluções, estas regiões acabaram por transformar-se em prósperos polos de desenvolvimento comportando atualmente universidades, concentrações industriais e centros de serviços de excelência e razoáveis indicadores de qualidade de vida.

É importante ressaltar as virtudes desta trajetória desencadeadora e difusora de desenvolvimento, em contraste com modelos baseados na exploração de grandes áreas de monoculturas, que geraram e ainda geram apenas renda concentrada por minorias em meio a desertos populacionais humanos, monotonia e pobreza ambientais.

Os enormes desafios que as múltiplas crises presentemente nos colocam exigem do mundo rural e agrícola profundas e extensas transformações buscando o desenvolvimento em todas suas dimensões, compatibilizando crescimento econômico com espraiamento de seus benefícios para parcelas crescentes da população, em consonância com um meio ambiente diverso e sustentável a longo prazo, preservando histórias, culturas e saberes ancestrais, ao mesmo tempo em que proporciona condições de vida atraentes com educação, saúde, transporte, infraestrutura etc adequados e menos penosas para motivar os jovens a aí permanecerem caso o queiram.

A agricultura familiar compreendida como um modo de vida, muito mais do que uma forma de produzir, pode ser a resposta para enfrentar estas necessidades, e neste sentido, é bem-vindo o retorno do conjunto de instrumentos de políticas públicas harmonizando e compatibilizando as diversas facetas do desenvolvimento, tarefa que só um governo federal comprometido com estes valores e objetivos pode promover.

Reconheça-se neste dia a gigantesca contribuição histórica da Agricultura Familiar para o nosso desenvolvimento até aqui, da qual todos somos devedores, e que a partir deste entendimento, comprometamo-nos todos com seu futuro, pois também dele dependerá o rumo e a qualidade do porvir nacional.

Carlos Mielitz é Professor Aposentado da UFRGS e membro do Instituto Fome Zero