Por Jomo Kwame Sundaram no IPS | 26/03/2025
KUALA LUMPUR, Malásia | O Banco Mundial estabeleceu sua linha de pobreza de “um dólar por dia” com base em seus dados de 1990. Apesar de muitas dúvidas e críticas, seus índices de pobreza diminuíram até o início da pandemia de COVID-19, em 2020.
Medidas monetárias
O Banco atribuiu a si o crédito pela redução da pobreza nas três décadas anteriores a 2020, principalmente devido ao rápido crescimento na China. No entanto, as estimativas oficiais de pobreza em outros lugares geralmente diminuíram mais lentamente, quando diminuíram.
Há muito tempo, a pobreza é analisada sob a ótica da desigualdade, pois as pessoas tendem a se sentir mais pobres ao se compararem com outras. Enquanto isso, as explicações para a pobreza variam consideravelmente, e muitas delas defendem a necessidade de melhores políticas públicas.
Por décadas, o Banco Mundial evitou abordar a desigualdade, concentrando-se exclusivamente na pobreza. O aprimoramento das métricas de pobreza sempre foi justificado pela ideia de que políticas eficazes dependem de uma medição mais precisa.
A estimativa da renda monetária acabou sendo priorizada. No entanto, esse enfoque apresenta problemas. As métricas monetárias da pobreza podem ser úteis, mas também enganosas. Por exemplo, muitas crianças de famílias urbanas que possuem renda acima da linha de pobreza continuam subnutridas.
Além disso, ter uma renda superior a qualquer linha de pobreza definida arbitrariamente não garante necessariamente o bem-estar. Isso despertou interesse em indicadores alternativos para medir a pobreza além do critério estritamente monetário.
Essas críticas refletem um fetiche pelo dinheiro e a prática generalizada de medir o bem-estar e a privação exclusivamente em termos financeiros. Hoje, reconhecer o valor de outros indicadores de pobreza é amplamente aceito.
Dimensões da pobreza
Ainda assim, muitos defendem a criação de um único índice composto para medir a pobreza multidimensional, apesar de seus conhecidos problemas. No entanto, um painel com diversas dimensões da pobreza, em vez de um índice único, pode fornecer informações mais relevantes para a formulação de políticas públicas eficazes.
Cientes dessas limitações, a OCDE e os Estados Membros da ONU não aprovaram o uso de índices compostos. Tampouco adotaram as contribuições pioneiras de um dos mais influentes estatísticos dessas instituições.
Os índices compostos, como o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), só foram adotados e utilizados por fundos e programas da ONU, que não exigem aprovação ou revisão dos Estados Membros.
Enquanto isso, a redução da mortalidade infantil e materna foi responsável por mais de 80% do aumento da expectativa de vida em muitos países em desenvolvimento. Reformas de baixo custo para tornar a gestação e o parto mais seguros elevaram significativamente a expectativa de vida média sem demandar grandes investimentos.
Segurança Alimentar
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) define como “seguras” as famílias que possuem renda suficiente para adquirir carboidratos ou energia dietética (geralmente medida em calorias ou joules) necessários para um estilo de vida sedentário.
Mesmo com esse critério reduzido e suas limitações metodológicas, o número de famílias subnutridas ou em situação de “insegurança alimentar” aumentou globalmente desde 2014. Esse crescimento ocorreu por anos, enquanto a estimativa do Banco Mundial para a população pobre continuava a diminuir.
Segundo o Banco Mundial, o número de pobres no mundo só aumentou pela primeira vez desde a década de 1990 durante a pandemia – tanto em termos absolutos quanto relativos. A discrepância entre as tendências globais de pobreza e subnutrição reacendeu debates sobre a relevância de diferentes métricas para medir privação e bem-estar.
As dúvidas e controvérsias em torno dos índices de pobreza do Banco Mundial levaram muitos especialistas a considerar a subnutrição um indicador mais confiável de privação e falta de bem-estar do que as métricas de pobreza monetária.
Embora as tendências da desigualdade de renda sejam frequentemente contestadas e debatidas, as disparidades globais voltaram a crescer nos últimos anos.
Enquanto isso, o número de bilionários no mundo continuou a aumentar, refletindo o agravamento das desigualdades. No entanto, algumas tendências se sobrepõem, tornando a evolução da desigualdade uma questão mista e desigual.
Com a disseminação da pobreza rural, o avanço da urbanização reduziu a produção agrícola destinada ao consumo familiar. No passado, as famílias rurais produziam parte de seus próprios alimentos, criando animais, colhendo frutas e vegetais ou até coletando alimentos disponíveis na natureza.
Nas áreas urbanas, porém, as oportunidades para a produção e o consumo de subsistência são muito mais limitadas. Assim, a renda monetária e os padrões de consumo passaram a determinar, cada vez mais, o acesso aos alimentos.
A nutrição é importante
Como o ser humano não vive apenas de pão (ou seja, de carboidratos, que representam uma fonte de energia dietética), uma abordagem mais holística exige uma visão mais ampla da nutrição humana.
Comparações entre o desenvolvimento físico de filhos de produtores de alimentos e de crianças cujas famílias priorizam o acúmulo de dinheiro sugerem que a renda familiar nem sempre determina o estado nutricional.
Em geral, os filhos de produtores de alimentos encontram-se em melhor situação do que aqueles cujas famílias se dedicam exclusivamente à geração de renda monetária. Mas por quê? Provavelmente porque os produtores de alimentos têm maior capacidade de garantir uma alimentação adequada para suas famílias, independentemente do nível de renda.
Assim, os filhos de produtores de alimentos atendem a grande parte de suas necessidades nutricionais sem depender do mercado. Dessa forma, a ideia comum de que uma renda monetária mais alta assegura o bem-estar, incluindo a nutrição, revela-se questionável.
A desnutrição desafia nossa compreensão sobre o bem-estar e seus múltiplos determinantes. Atualmente, muitas pessoas sofrem de desnutrição não apenas devido à carência de macro e micronutrientes, mas também em razão do aumento das doenças não transmissíveis associadas à alimentação.
Além da obesidade e do sobrepeso, a incidência de diabetes tem crescido à medida que os padrões de consumo se transformam. Fatores como renda, mídia e outras influências moldam, de maneira crescente, os estilos de vida, gerando impactos significativos sobre a nutrição e a saúde — muitos deles prejudiciais.
Publicado originalmente no IPS
https://www.ipsnews.net/2025/03/malnutrition-not-due-cash-poverty-alone/