A escola como lugar de nutrição e futuro

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Blog do IFZ | 18/09/2025

A alimentação escolar, tantas vezes percebida apenas como parte da rotina diária dos estudantes, ocupa o centro de uma agenda que atravessa fronteiras e se enraíza em políticas nacionais. No plano internacional, a 2ª Cúpula Global da Coalizão para a Alimentação Escolar, aberta hoje em Fortaleza, reúne cerca de 80 países de diferentes continentes em torno da convicção de que o prato oferecido a uma criança pode moldar o futuro coletivo. No Brasil, essa mesma ideia ganha expressão concreta com a expansão da agricultura familiar na merenda escolar, mostrando que a política pública que nutre corpos e mentes também pode dinamizar economias locais, valorizar culturas e reduzir desigualdades.

A cúpula global e a dimensão internacional da alimentação escolar

Fortaleza se tornou, a partir de hoje, o centro de um encontro singular. Delegações de oitenta países se reuniram para discutir um tema de imensa relevância social: a alimentação escolar. No Centro de Eventos do Ceará, a 2ª Cúpula Global da Coalizão para a Alimentação Escolar reuniu mais de 1.500 participantes e marcou o lançamento do relatório “O Estado da Alimentação Escolar 2024“. Este documento vai além de números e estatísticas, oferecendo o retrato de uma política pública que ultrapassa fronteiras, amplia horizontes e evidencia que cada refeição servida a uma criança representa um investimento no futuro coletivo.

Atualmente, 466 milhões de crianças em todo o mundo recebem refeições diárias nas escolas — um aumento de oitenta milhões em relação aos últimos quatro anos. Cada uma dessas refeições representa mais do que nutrição: é a chance de uma infância saudável e de aprendizado efetivo. Esse avanço é especialmente significativo em países de baixa renda, como demonstram os exemplos da Etiópia, do Quênia e de Ruanda. Em grande parte, esse progresso deve-se ao compromisso dos países-membros da Coalizão Global para a Alimentação Escolar, criada em 2021, com o objetivo de garantir refeições nutritivas a todas as crianças até 2030. O Brasil, desde 2023, ocupa a copresidência da Coalizão, ao lado da França e da Finlândia.

A solenidade de abertura da cúpula destacou a alimentação escolar como uma política estratégica de combate à fome, fortalecimento da agricultura familiar e promoção da saúde e da aprendizagem. O vice-presidente do Brasil, Geraldo Alckmin, expressou o orgulho do país em receber as 80 delegações internacionais. “Estamos felizes porque não poderia haver cúpula mais importante do que esta, voltada à alimentação escolar. Não há nada mais essencial do que apoiar boas políticas públicas para as crianças, para que elas possam se desenvolver. O alimento, a proteína, as gorduras saudáveis, o ferro e o zinco são os tijolos que formam o cérebro. A glicose e as vitaminas são o combustível que alimenta o aprendizado. Governar é escolher, e não há escolha mais acertada do que escolher a criança, a educação e a saúde. Não há melhor remédio do que um bom alimento. O Brasil retirou da fome 29,4 milhões de pessoas em menos de três anos — quase 30 milhões. Com isso, saímos do Mapa da Fome. Hoje, temos menos de 2,8% da nossa população vivendo em insegurança alimentar”, afirmou.

Camilo Santana, ministro da Educação, também ressaltou o papel crucial da alimentação escolar. Segundo ele, cada refeição oferecida nas escolas é um ato de justiça social e um investimento no futuro da nação. Já a primeira-dama, Janja Lula da Silva, participou virtualmente e reforçou a convicção de que a merenda escolar gera um ciclo virtuoso: melhora o aprendizado, reduz desigualdades e impulsiona as economias locais.

No entanto, o encontro também expôs as contradições do cenário global. Embora 84 bilhões de dólares sejam investidos anualmente em alimentação escolar, com 99% desses recursos provenientes de fundos nacionais, ainda assim metade das crianças em idade primária de países de baixa renda não tem acesso a uma refeição nutritiva nas escolas. Essa desigualdade revela um desafio urgente: garantir que os compromissos assumidos não se limitem a promessas, mas se concretizem em políticas eficazes. Para isso, é fundamental fortalecer redes de cooperação e a troca de conhecimento técnico e científico.

Cindy McCain, diretora-executiva do Programa Mundial de Alimentos (PMA), destacou o impacto positivo do programa de alimentação escolar. Ela fez um apelo para que todos se unam ao movimento global, chamando a atenção para as profundas mudanças que ele provoca nas comunidades. “O programa de alimentação nas escolas está mudando a vida de meninas, de comunidades inteiras, oferecendo às crianças a oportunidade de um futuro verdadeiro. Há crianças morrendo de fome. Por isso, esse programa é crucial. Ele pode transformar o futuro de uma criança”, afirmou.

Nesse contexto global, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) do Brasil foi apresentado como um modelo a ser seguido. Criado há sete décadas, o programa hoje é responsável por mais de 10 bilhões de refeições anuais. Sua combinação de alcance universal com inovação social é notável: os cardápios, elaborados por nutricionistas, priorizam alimentos in natura e minimamente processados, enquanto o programa estabelece vínculos diretos com a agricultura familiar, respeitando as diversas realidades culturais e alimentares do país.

Além de seu papel direto na merenda escolar, o PNAE também se articula com outras políticas públicas de forma estratégica. Ao priorizar alimentos saudáveis, contribui para a política nacional de saúde e para a prevenção de doenças relacionadas à má nutrição. Ao garantir compras da agricultura familiar, fortalece a política de segurança alimentar e incentiva o desenvolvimento rural sustentável. E, ao valorizar a produção local, cria sinergias com programas de inclusão social e geração de renda em comunidades historicamente vulnerabilizadas. Essa interligação revela como a alimentação escolar não é apenas uma ação isolada, mas parte de uma rede mais ampla de políticas voltadas à redução da pobreza, ao fortalecimento da cidadania e à construção de um futuro mais equitativo.

Fernanda Pacobahyba, presidente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), vinculado ao MEC e responsável pela transferência dos recursos do PNAE, falou sobre o impacto do programa. “O PNAE não é apenas uma política de combate à fome. Ele contribui para a permanência escolar, melhora o desempenho acadêmico e auxilia na formação cidadã das nossas crianças e jovens. A cúpula que se inicia hoje não é apenas uma troca de experiências; é um chamado à ação. O mundo ainda tem milhões de crianças sem acesso a uma refeição escolar nutritiva. Nosso desafio coletivo é garantir que todas as 724 milhões de crianças do ensino primário recebam refeições nutritivas até 2030. Para isso, será essencial fortalecer a cooperação internacional, mobilizar recursos, compartilhar conhecimentos e construir redes sólidas de colaboração”, concluiu.

Essa convocação à ação evidencia a urgência do tema e aponta para um desafio coletivo que vai além de um simples debate. A alimentação escolar não é apenas uma política pública, mas uma questão global que exige esforço conjunto e colaboração internacional para garantir que todas as crianças, em todos os lugares, tenham acesso a uma alimentação nutritiva e adequada para o seu desenvolvimento.

O Brasil e a transformação da alimentação escolar

Se no cenário internacional prevaleceram discursos sobre cooperação e solidariedade, no plano interno o Brasil avançou com um gesto tangível: a expansão da presença da agricultura familiar na alimentação escolar. Até 2025, pelo menos 30% dos recursos do PNAE destinavam-se à compra de alimentos produzidos por pequenos agricultores. Uma nova lei, prestes a ser sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, eleva esse percentual para 45% a partir de 2026.

A alteração não se reduz a números. Ela expressa a maturação de uma política que entrelaça nutrição, economia e cultura alimentar. Escolas que mais incorporaram alimentos da agricultura familiar, segundo estudo recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, registraram melhor desempenho de seus estudantes nas provas do Sistema de Avaliação da Educação Básica. O dado sugere que refeições frescas, alinhadas às tradições locais, favorecem a concentração, o desenvolvimento cognitivo e a disposição para aprender.

Os efeitos, porém, não se limitam ao aprendizado. A nova lei prioriza assentamentos da reforma agrária, comunidades quilombolas, povos indígenas e organizações de mulheres agricultoras. A merenda escolar, nesse contexto, vai além do alimento servido: transforma-se em instrumento de fortalecimento das economias locais, de afirmação da igualdade de gênero e de valorização das identidades culturais.

O alcance da medida impressiona. Mais de 40 milhões de estudantes em 155 mil escolas públicas terão acesso a refeições que unem qualidade nutricional e diversidade de origem. O orçamento de 2024 do PNAE, de R$ 5,5 bilhões, evidencia a dimensão do compromisso público. Em 2023, o governo federal já havia reajustado em 39% o valor repassado por refeição, gesto que antecipava a centralidade do tema na luta contra a fome.

A história do PNAE, que completa setenta anos em 2025, ilustra como uma política pública pode se reinventar de acordo com as urgências de cada época. Do combate imediato à desnutrição, o programa tornou-se uma estratégia abrangente de saúde, educação, cidadania e desenvolvimento sustentável. Ao ampliar a participação da agricultura familiar, o Brasil reafirma a convicção de que nenhuma criança deve ser privada do direito elementar de aprender com o corpo nutrido e a mente desperta.

Conexões entre o local e o global

A 2ª Cúpula da Alimentação Escolar deixou claro que assegurar refeições saudáveis a todas as crianças não se alcança apenas com gestos de boa intenção: requer recursos consistentes, leis firmes e, sobretudo, continuidade de esforços. O Brasil, anfitrião do encontro e ao mesmo tempo protagonista de mudanças internas expressivas, demonstra como as duas dimensões se entrelaçam. O compromisso firmado no cenário internacional reforça as ações dentro do país, enquanto as conquistas nacionais oferecem ao debate global exemplos concretos e inspiradores.

Entre relatórios técnicos, pronunciamentos e legislações aprovadas, permanece a certeza de que a alimentação escolar não pode ser tratada como detalhe administrativo. Ela constitui um alicerce silencioso de sociedades mais igualitárias, um investimento que se prolonga no tempo e atravessa gerações. Quando uma criança se senta diante de um prato nutritivo na escola, o que se projeta não é apenas o cuidado imediato, mas a promessa de um futuro partilhado — dela, de sua comunidade e de toda a coletividade.