Baunilha, uma das especiarias mais caras do mundo, floresce no Cerrado brasileiro

  • Tempo de leitura:7 minutos de leitura

Ingrediente obtido de uma planta trepadeira da família das orquídeas, cuja produção se concentra na África, atrai produtores nacionais

Por Maria Emília Zampieri no Globo Rural | 23/01/2024

VINHEDO, SP | Uma das especiarias mais caras do mundo, a baunilha tem atraído produtores brasileiros, que já apostam até na exportação das favas. O ingrediente, obtido a partir de uma planta trepadeira da família das orquídeas, é bastante demandado na gastronomia e pelas indústrias de perfumes e farmacêutica, mas a produção ainda é concentrada na África, especialmente em Madagascar e nas Ilhas Maurício.

Assim, há, nesse mercado, espaço para a baunilha brasileira, que está sendo cultivada na região do Cerrado.

— Os produtores nacionais conseguem negociar o grama da baunilha por entre R$ 3 e R$ 5. Há uma demanda grande, e o Brasil tem potencial para crescer nesse mercado — afirma Luciano de Bem Bianchetti, pesquisador de recursos genéticos e biotecnologia da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia.

No Brasil, as variedades de orquídeas (pertencentes ao gênero Vanilla) que produzem a baunilha são nativas da Mata Atlântica e Amazônia. E pequenos produtores estão tendo sucesso com o cultivo de uma delas no Cerrado, a Vanilla pompona. A espécie, popularmente conhecida como baunilha baiana, é encontrada nas Américas Central e do Sul, e não existe em Madagascar.

Márcio Moraes, de Itapirapuã (GO), iniciou o cultivo há cinco anos numa área de palmeiras. Ele conta que foram muitos erros e acertos até chegar ao aprimoramento do manejo. Hoje, Moraes cultiva dois mil pés entre manejo extensivo, na mata, e intensivo, em um viveiro, e recebe produtores de todo o Brasil para compartilhar o aprendizado.

As orquídeas florescem apenas uma ou duas vezes por ano
As orquídeas florescem apenas uma ou duas vezes por ano

Não é só o aroma que faz da baunilha uma especiaria tão valorizada. Há características que a tornam única. As orquídeas que dão origem a ela florescem e produzem frutos apenas a partir do segundo ou terceiro ano. Além disso, o florescimento acontece uma ou duas vezes por ano, com somente uma flor a cada ciclo.

O detalhe é que a flor fica aberta por apenas um dia e tem período de sucesso da polinização em torno de quatro horas. Por isso, em plantios comerciais, é recomendado que a fertilização/polinização seja feita manualmente. Somente com a polinização realizada de forma adequada é que a flor dará origem à fava.

— A prática é bastante criteriosa e exige preparo, mas um trabalhador experiente é capaz de fertilizar entre 1,5 mil e 2 mil flores por dia — afirma Anajulia Heringer Salles, que cultiva em Brasília mil pés, de espécies variadas, distribuídas em três viveiros e um berçário, utilizado para cruzamentos e estudos.

Outra característica dessas orquídeas é que os frutos demoram entre oito e dez meses para iniciar a maturação. Nesse estágio, ainda não há aromas. Depois de colhidos, passam por um processo de descanso, que dura de dois a dez meses, no qual ocorre a secagem e a fermentação de seus mais de duzentos componentes.

É esse processo que confere o aroma à baunilha, explica Anajulia, que estudou orquídeas quando atuava como pesquisadora no Jardim Botânico de Brasília. Após a aposentadoria, ela decidiu apostar na produção de baunilha.

Márcio Moraes, que já começou a exportar a baunilha de Itapirapuã, “abrasileirou” o processo de produção. Na busca por um local de armazenamento para as favas em processo de maturação, ele encontrou a saída no uso de chocadeiras. “A maturação requer umidade e calor e as chocadeiras mostraram-se ideais para a conservação deste microclima”, conta o produtor.

Segundo ele, “a receptividade à baunilha baiana tem sido surpreendente entre chefs do Brasil e do exterior. É um nicho, mas há espaço para crescermos, devido à carência de oferta”. Hoje, parte de sua produção tem como destino Suíça, Bélgica, França e Estados Unidos.

Preços da baunilha têm flutuações no mercado internacional em função da disponibilidade limitada dos produtos
Preços da baunilha têm flutuações no mercado internacional em função da disponibilidade limitada dos produtos

Os preços da baunilha têm flutuações significativas no mercado internacional, reflexo da disponibilidade limitada e da qualidade dos produtos. “Como até hoje o cultivo africano foi baseado em poucas cultivares e clones, a variabilidade genética das espécies ficou comprometida, tornando o cultivo bastante suscetível a doenças”, afirma Moraes.

Segundo estudo recente lançado pela Embrapa, hoje são conhecidas aproximadamente 110 espécies do gênero Vanilla, e cerca de 40 delas têm frutos aromáticos. Estas, especificamente, ocorrem somente na América Tropical — foram levadas à África por colonizadores em torno do ano 1800.

Nesse cenário, o Brasil desponta como o país que comporta a maior diversidade, com 35 a 40 espécies, sendo 15 com frutos aromáticos e três de valor comercial: Vanilla phaeanthaVanilla chamissonis; e a Vanilla pompona.

Apesar de toda essa diversidade, a Embrapa estima que apenas 1% dos produtos com aroma de baunilha do mundo sejam produzidos a partir de extrato natural. Os demais levam na constituição aromas sintéticos. No mercado nacional, a Natura desenvolveu um perfume a partir de extrato natural da Vanilla pompona, adquirida de produtores brasileiros.

Publicado originalmente no O Globo
https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2024/01/23/baunilha-uma-das-especiarias-mais-caras-do-mundo-floresce-no-cerrado-brasileiro.ghtml