COP 28: Agroecologia, segurança alimentar e adaptação climática

Clayton Campagnolla e José Graziano da Silva | 16/11/2023

O Instituto Fome Zero (IFZ) apresentará na reunião da COP 28 manifesto que propõe medidas para a redução dos impactos das alterações climáticas na segurança alimentar e nutricional. A 28ª Conferência das Partes ocorrerá no próximo mês de novembro, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, onde os países-membros da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (UNFCCC) se reunirão para debater e repensar a agenda climática no mundo.

Os países reconhecem que as mudanças climáticas estão causando impacto sintomático na produção agropecuária e o Brasil não escapa das consequências do aquecimento global: chuvas e enchentes no Sul e seca e aridez no Norte, situações que vêm acompanhadas da fome e da insegurança alimentar.

A seca na Amazônia Ocidental vem causando aumento considerável de incêndios, ameaças à navegação, ao acesso à água potável e à alimentação, levando milhares de pessoas a passar fome. Em todos os 55 municípios foi decretado estado de emergência devido à estiagem.

Na região Sul, ao contrário, os temporais e alagamentos – além de deixaram milhares de desabrigados e desalojados – trouxeram a insegurança alimentar e a fome e despertaram o alarme para um problema futuro: pequenos agricultores perderam suas lavouras e isso colocará em risco a oferta de alimentos na região.

Como sempre, a maior privação é sobre os mais vulneráveis. Mas essa conta não será paga apenas por eles. Ainda que os mais pobres sejam a maioria, as mudanças climáticas atingem a todos e, mesmo nas nações mais ricas, o acesso aos alimentos nutritivos será mais limitado.

A edição de 2023 do relatório sobre o Estado da Segurança Alimentar e Nutricional (SOFI) mostra que cerca de 740 milhões de pessoas passaram fome no mundo, número esse que vem aumentando desde 2019, devido à crise econômica acentuada pela pandemia e repetidos choques climáticos e pelos conflitos armados. Além disso, bilhões convivem com as consequências das deficiências de micronutrientes, que enfraquecem o sistema imunológico e causam doenças evitáveis. Projeta-se que quase 600 milhões de pessoas estarão subnutridas em 2030 se persistir a situação atual.

Nesse cenário de avanço do aquecimento global, com guerras e insistência da fome crônica em muitos países, é pouco provável que o compromisso de acabar com a fome até 2030, previsto no ODS 2, seja cumprido.

Para além do sórdido problema da fome e da renda insuficiente de muitos para a compra de alimentos, o mundo sofrerá também com questões como a obesidade. O alto consumo de alimentos altamente processados e fora do domicílio nos centros urbanos está se espalhando cada vez mais para as áreas periurbanas e rurais.

O IFZ reconhece plenamente as graves consequências das emissões de gases de efeito estufa para os sistemas alimentares e para o aumento da insegurança alimentar. Como consequência das mudanças climáticas, algumas áreas de produção de alimentos se tornarão cada vez mais inadequadas – 10% até 2050 e mais de 30% até 2100. Projeta-se que os alimentos básicos diminuirão as concentrações de proteínas e minerais em 5-15% e as vitaminas do complexo B em até 30%, se a concentração de CO2 dobrar em relação ao nível pré-industrial. Tal situação geraria 175 milhões de pessoas deficientes em zinco e 122 milhões de pessoas deficientes em proteínas.

O IFZ considera a agroecologia como uma das escolhas mais adequadas para a transformação sustentável da agricultura familiar, resiliente ao clima e de baixo carbono e propõe que a comunidade internacional considere as seguintes ações:

  1. Adotar a agroecologia como uma das abordagens mais promissoras para a adaptação e resiliência às mudanças climáticas, com oferta de alimentos diversificados, seguros e nutritivos para erradicar a fome e a desnutrição. A agroecologia é uma disciplina científica, uma prática agrícola ou um movimento político ou social que pode facilitar a diversificação da produção oferecendo uma variedade de alimentos saudáveis locais aos consumidores, diminuindo as perdas pós-colheita.
  2. Desenvolver e implementar políticas públicas que apoiem a transição para uma produção agroecológica sustentável e resiliente, respeitando o conhecimento, a cultura e os valores locais dos agricultores. Tais políticas devem gerar medidas e mecanismos que beneficiem os agricultores familiares, particularmente durante o processo de transição, proporcionando incentivos, subsídios e proteção social. Além disso, as políticas públicas de agroecologia devem ser integradas com outras políticas que enfrentem as desigualdades e com medidas de proteção social para acesso à alimentação e nutrição adequadas. Mais importante ainda, os agricultores devem participar em todo o processo de formulação, implementação e avaliação dos resultados das políticas.
  3. Criar e expandir mercados de rua e circuitos curtos de comercialização para facilitar o acesso a alimentos saudáveis pela população local a preços acessíveis, reduzindo o consumo de alimentos ultraprocessados, ricos em calorias, aditivos, aromatizantes e conservantes, mas pobres em valor nutricional. Essa iniciativa deve ser estruturada e implementada pelos governos locais, com o engajamento de produtores familiares e consumidores. Os governos também devem promover mercados agroecológicos, dando prioridade a alimentos saudáveis nas compras públicas (por exemplo, em programas de alimentação escolar e fornecimento de alimentos aos pobres).
  4. Investir em pesquisa científica e inovação para desenvolver e avaliar tecnologias e práticas agroecológicas. Práticas atuais conhecidas como compostagem e manejo da saúde do solo, manejo da água, controle biológico de pragas e doenças, bancos de sementes de variedades nativas adaptadas a cada realidade, consórcio e rotação de culturas, sistemas agroflorestais e silvipastoris e integração de culturas com raças animais locais, entre outras, devem ser testadas, validadas e expandidas para diferentes agroecossistemas e condições sociais. Deve-se considerar que o conhecimento tradicional dos agricultores aliado à inovação nas práticas e ao uso sustentável de tecnologias está no cerne de um sistema agroecológico de cultivo.
  5. Promover o acesso dos agricultores familiares aos sistemas de informação digital para promover a adoção e expansão da agroecologia e apoiar a rastreabilidade dos produtos. Os sistemas digitais apoiarão relações mais justas com o mercado e facilitarão o acesso dos agricultores familiares a serviços de aconselhamento produtivo (por exemplo, informações sobre alterações climáticas, tecnologias para adaptação climática, práticas agroecológicas e informações georreferenciadas) e a serviços financeiros e de seguros. Os governos devem priorizar investimentos para projetos que melhorem a conectividade à Internet nas áreas rurais; assegurar acessibilidade para celulares, sensores e drones; e aumentar as competências dos agricultores familiares, especialmente mulheres e jovens, na utilização de tais dispositivos. Deve ser dada especial atenção à participação dos agricultores durante o desenvolvimento e validação inicial de tais sistemas de informação e aplicativos para telemóveis.

Clayton Campagnolla é coordenador de Clima e Alimento do Instituto Fome Zero, Ex-Presidente da Embrapa, Ex-Líder de agricultura sustentável na FAO-Roma
José Graziano da Silva é Diretor-Geral do Instituto Fome Zero