Custos ‘invisíveis’ dos sistemas agroalimentares chegam a US$ 12 trilhões, segundo a FAO

Ao mesmo tempo que produzir alimentos gera benefícios à sociedade, os sistemas atuais se mostram insustentáveis do ponto de vista climático

Por Mariana Grilli na Exame | 11/11/2023

“Há dois lados na história dos sistemas agroalimentares. Ambas são verdadeiras.” É assim que a Organização Mundial para Alimentação e Agricultura (FAO) começa o novo estudo ‘O Estado da Alimentação e da Agricultura sobre o custo real dos sistemas agroalimentares. Segundo a publicação da ONU, esse custo oculto é de 12,7 trilhões de dólares

Como adianta o enunciado, ao mesmo tempo que produzir alimentos gera benefícios à sociedade, os sistemas atuais se mostram insustentáveis do ponto de vista climático. Por isso, o documento se dedicou a analisar a complexidade e as interdependências dos sistemas agroalimentares e como afetam o ambiente, a sociedade, a saúde e a economia através do que os autores chamam de verdadeira contabilidade de custos (TCA).

Uma análise sobre custos ‘invisíveis’ nos sistemas agroalimentares, do campo à indústria, avaliou a contabilidade real de 154 países, investigando valores associados a critérios ambientais, sociais e de saúde. Em 2020, foram aproximadamente 12,7 trilhões de dólares em paridade de poder de compra (PPC), o equivalente a quase 10% do PIB mundial em termos de PPC. “Isso inclui custos ambientais ocultos decorrentes de emissões de gases de efeito estufa e nitrogênio, uso de água e mudança no uso da terra; custos ocultos para a saúde devido a perdas de produtividade devido a padrões alimentares não saudáveis; e custos sociais ocultos relacionados à pobreza e perdas de produtividade associadas à desnutrição”, escrevem os autores do relatório.

“O valor dos sistemas agroalimentares para a sociedade é provavelmente muito superior ao que é medido em produto interno bruto (PIB). O outro lado é que, devido a falhas de mercado, políticas e institucionais, os sistemas agroalimentares são frágeis e insustentáveis, contribuindo para as alterações climáticas e a degradação dos recursos naturais, ao mesmo tempo que não fornecem dietas saudáveis a todos”, cita o estudo.

De acordo com a FAO, o valor revela a necessidade de considerar este montante na tomada de decisões para transformar os sistemas agroalimentares. Globalmente, 73% dos custos ocultos estavam associados a padrões alimentares que levaram à obesidade e doenças, a exemplo de alimentos ultraprocessados e com alto nível de açúcar. Os custos ocultos ambientais quantificados da agricultura representam mais de 20% dos 12,7 trilhões de dólares.

Países de baixa renda

Do lado social, estima-se que a renda das pessoas enquadradas como ‘moderadamente pobres’ que trabalham em sistemas agroalimentares precisa aumentar. A alta sugerida pela FAO é, em média, de 57% nos países de baixa renda e 27% nos países de renda média-baixa, para garantir que estejam acima da linha de pobreza, reduzindo assim a insegurança alimentar e a subnutrição.

“Os custos ocultos quantificados representam um fardo maior em relação à renda nacional em países de baixa renda, onde equivalem, em média, a 27% do PIB (em grande parte devido à pobreza e à subnutrição), em comparação com 11% em países de renda média e 8% em países de alta renda”, indica o estudo.

Segundo o documento da FAO, há uma variação considerável de país para país na importância relativa dos custos ocultos ambientais, sociais e de saúde, “sublinhando a necessidade de produzir estimativas específicas de cada país, como um caminho para criação e implementação de políticas”.

Do macro ao micro

Embora o estudo não apresente soluções específicas para reverter o montante alocados nos sistemas agroalimentares atuais, a FAO preparou 5 pontos para que os países passem a compreender os sistemas agroalimentares. São eles:

  1. Estimativas a nível nacional sobre os custos ocultos dos sistemas agroalimentares nas dimensões ambiental, social e de saúde;
  2. Complementar estimativas nacionais com dados mais precisos e desagregados, como a interpretação baseada em dados da FAO, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Banco Mundial;
  3. Cruzar a inteligência dos ministérios da agricultura, saúde, economia e pastas correlatas a fim de uma combinação de análises entre custo-benefício e custo-eficácia;
  4.  Promover alavancas para políticas de reforma e investimentos com foco nos pilares de sustentabilidade;
  5. Ampliar as avaliações específicas de contabilidade de custos para permitir o monitoramento de reformas 

Mariana Grilli é repórter de Agro, graduada em Jornalismo com especialização em Agronegócios pela FGV. Trabalhou como repórter na Rádio Jovem Pan e na Revista Globo Rural. É vencedora do 2° Prêmio GTPS de Jornalismo e do Prêmio Rede ILPF de Jornalismo

Publicado na Exame
https://exame.com/agro/custos-invisiveis-dos-sistemas-agroalimentares-chegam-a-us-12-trilhoes-segundo-a-fao/