IDEC & ACT Promoção da Saúde | 2024
Baixe aqui o “Dossiê Big Food 2.0: Como a indústria interfere em políticas de alimentação 2024″
PRÓLOGO
Vivemos em uma era marcada por uma grande interconexão global e pela influência onipresente de corporações transnacionais que produzem e comercializam insumos agroindustriais, produtos alimentícios e bebidas. Essas corporações transformaram o sistema alimentar, deslocando alimentos saudáveis e produzidos de maneira sustentável por produtos alimentícios ultraprocessados (aqui chamados de ultraprocessados), afetando negativamente a qualidade da dieta e ultrapassando diversos limites planetários. Esse impacto se dá pela destruição de florestas, práticas agrícolas intensivas, expansão de monoculturas, uso excessivo de recursos hídricos e outras atividades que não apenas destroem ecossistemas vitais, mas também aumentam as emissões de gases de efeito estufa (GEE), agravando a crise climática global. Soma-se a isso o uso indiscriminado de plásticos para embalar seus produtos, o que torna essas corporações líderes globais na crise de poluição causada por esses compostos.
Essas empresas não apenas comercializam seus produtos de forma agressiva, mas também utilizam seu poder político e econômico, juntamente com uma série de estratégias sofisticadas de relações públicas e comunicação corporativa, para interferir nos esforços locais, regionais e globais que buscam regular e reverter os efeitos negativos que causam.
O presente Dossiê é a segunda entrega que o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) e a ACT Promoção da Saúde apresentam, trazendo casos de estudo que documentam de forma minuciosa e objetiva as estratégias com as quais a indústria responde aos esforços para implementar políticas alimentares e de saúde. Organizado em oito capítulos, este documento descreve como essas corporações investem em melhorar sua imagem pública por meio de iniciativas voluntárias que prometem contribuir para o meio ambiente e para a sociedade, incluindo compromissos de redução do uso de plásticos. O Dossiê detalha, ainda, como essas empresas geram um poderoso lobby corporativo, uma estrutura de comunicação e outros mecanismos que permitem que políticas, projetos de lei (PL) e reformas desfavoráveis aos seus interesses sejam rejeitados, modificados ou adiados. Outros aspectos abordados são a participação das corporações em iniciativas internacionais de nutrição pública e a comercialização de direitos de nomeação em espaços públicos como forma de melhorar sua imagem, penetrando na vida urbana e mercantilizando o espaço coletivo em detrimento da memória e da identidade comunitária.
Em resumo, este Dossiê oferece uma visão profunda e crítica sobre as estratégias sofisticadas que as corporações de produtos alimentícios e bebidas e do agronegócio implementam para evitar regulamentações, defender seus interesses e melhorar sua imagem, interferindo nos esforços de política social. Por isso, é uma obra inestimável para grupos de acadêmicos, organizações da sociedade civil, implementadores e outros atores sociais interessados na incidência política de saúde pública. Os autores não apenas documentam práticas corporativas e seus impactos, mas também fazem um chamado à ação, defendendo uma regulamentação mais rígida, maior transparência e resistência ativa contra táticas de lobby e marketing enganosas.
Somente por meio de um esforço coordenado, livre de conflitos de interesse (CoI), no qual o direito à alimentação saudável e sustentável prevaleça sobre os interesses comerciais, poderemos mitigar os efeitos prejudiciais dessas indústrias e avançar em direção a um futuro mais saudável e equitativo.
Simón Barquera
Diretor do Centro de Investigación en Nutrición y Salud (CINyS), Instituto Nacional de Salud Pública (INSP), México
Presidente Eleito da World Obesity Federation (WOF)
APRESENTAÇÃO
Os maiores problemas de saúde da população na atualidade estão diretamente relacionados ao sistema alimentar, desde as formas de produção e distribuição de alimentos até a qualidade dos alimentos ofertados e consumidos. Um estudo divulgado pelo periódico The Lancet estima que, em 2022, mais de um bilhão de pessoas viviam com obesidade no mundo. A condição entre adultos mais do que dobrou desde 1990 e quadruplicou entre crianças e adolescentes de cinco a 19 anos. Além disso, o baixo peso ainda é um grave problema nos países mais pobres, embora a proporção de crianças e adolescentes afetados tenha caído cerca de um quinto entre meninas e mais de um terço entre meninos. Em adultos, a proporção caiu mais da metade.
Dois anos após o lançamento da primeira versão do Dossiê Big Food, nada mudou no sistema alimentar hegemônico, que continua favorecendo o lucro e a concentração de poder em um pequeno grupo de corporações que representam a Big Food, a Big Soda e o Big Agro e são responsáveis por ultraprocessados, agrotóxicos e sementes transgênicas. Enquanto essas corporações aumentam seu faturamento e poder político, expandindo sua presença nos cinco continentes, seus negócios contribuem para a manutenção da fome e da má nutrição no mundo e reforçam questões estruturais relacionadas à desigualdade social e à má distribuição de renda. Nesse sistema alimentar profundamente concentrado e desigual, poucas corporações detêm influência política e têm seus interesses econômicos privilegiados em detrimento dos interesses e necessidades de grupos majoritários, porém marginalizados.
Recentemente, o periódico The Lancet publicou uma série de artigos definindo os determinantes comerciais da saúde, que compreendem estratégias e práticas adotadas pelas corporações para maximizar seus lucros, frequentemente em detrimento da saúde pública. Esse conceito abrange ações como a promoção agressiva de produtos nocivos à saúde (como tabaco, álcool e ultraprocessados), a influência sobre políticas públicas e regulamentações por meio do lobby e do financiamento de campanhas políticas, além da disseminação de informações enganosas para manipular a opinião pública e científica. Neste Dossiê, apresentamos casos que ilustram e exemplificam de forma prática como tais ações podem repercutir negativamente na saúde da população, contribuindo para o aumento da incidência de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) e ampliando as desigualdades em saúde. Trazer luz a esses casos auxilia no reconhecimento das estratégias utilizadas e contribui na formulação de políticas públicas que priorizem a saúde da população sobre os interesses comerciais, promovendo dietas mais saudáveis e sustentáveis.
Além das consequências desastrosas para a saúde pública, o sistema alimentar vigente também causa danos ambientais e sociais significativos. A produção intensiva de commodities e a pecuária industrial contribuem substancialmente para o desmatamento, a emissão de GEE e a perda da biodiversidade. Socialmente, esse sistema acentua desigualdades, expulsando pequenos agricultores de suas terras e criando condições de trabalho precárias. Para alcançar um sistema alimentar socialmente justo e ambientalmente sustentável, são necessárias mudanças profundas no modelo de produção e distribuição de alimentos, além da implementação de políticas que favoreçam uma alimentação adequada e saudável, fortalecendo a agricultura familiar, aumentando a disponibilidade de alimentos in natura e dificultando o acesso a ultraprocessados.
Com esse relatório, produzido por pesquisadoras e consultoras especialistas, o objetivo é exemplificar as atividades políticas corporativas (APC) e os conflitos de interesse (CoI) que são sistematicamente usados para impedir o avanço das agendas públicas promotoras de uma alimentação adequada e saudável. Assim como na primeira versão deste documento, apresentamos oito casos que demonstram os diversos argumentos, táticas e estratégias empregados por representantes da Big Food, da Big Soda e do Big Agro para bloquear ou retardar regulamentações que promovam dietas mais saudáveis. Esperamos que a leitura deste Dossiê contribua para uma visão mais clara sobre essas práticas e que, dessa forma, seja possível demandar mais transparência dos tomadores de decisão, além de exigir a implementação de políticas baseadas em evidências e livres de CoI, que contribuam para a promoção de um sistema alimentar que priorize a saúde e o bem-estar da população.
Marília Sobral Albiero
Coordenadora de Inovação e Estratégia da ACT Promoção da Saúde
Laís Amaral
Coordenadora do Programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC)
Baixe aqui o “Dossiê Big Food 2.0: Como a indústria interfere em políticas de alimentação 2024″
Baixe aqui o “Dossiê Big Food: Como a indústria interfere em políticas de alimentação 2022″
Baixe aqui o relatório da Comissão The Lancet “A Sindemia Global da Obesidade, Desnutrição e Mudanças Climáticas“
Produzido e divulgado pela ACT Promoção da Saúde
https://naoengulaessa.org.br/#dossie