Brasil reúne condições para se tornar um dos líderes na produção de hidrogênio de baixo carbono explorando diferentes rotas para obtenção do gás, apontado por especialistas como o combustível do futuro
Por Vinicius Konchinski no Valor Econômico | 07/12/2023
Enquanto o mundo busca alternativas para reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa, o Brasil desponta como um dos potenciais líderes na produção de hidrogênio de baixo carbono, o hidrogênio verde. Apontado como o combustível do futuro, o gás pode ser insumo para descarbonização da siderurgia e da petroquímica, e ainda mover o transporte de cargas num futuro não tão distante. Por meio de novas rotas de produção, sua obtenção tem pegada de carbono nula e seu uso não gera poluição.
O país tem potencial para produzir até 1,8 bilhão de toneladas de hidrogênio por ano, segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME). Um caderno lançado no fim de novembro pela FGV Energia, centro de estudos mantido pela Fundação Getulio Vargas, indica que só 245,7 milhões de toneladas dessa produção seriam economicamente viáveis hoje. A quantidade, contudo, já é quase o triplo da produção mundial de hidrogênio, de acordo com a Agência Internacional de Energia. Em 2022, foram comercializadas 95 milhões de toneladas do gás, sendo que menos de 1% pode ser considerada verde – algo que tende a mudar radicalmente nos próximos anos.
Atualmente, a maior parte do hidrogênio produzido no mundo vem da reforma do gás natural de origem fóssil, que contém metano. O processo separa o hidrogênio da molécula do gás, mas gera dióxido de carbono como resíduo, o que contribui para o aquecimento global. A eletrólise, por sua vez, é o processo mais difundido para descarbonizar essa produção. Por meio dela, o gás é obtido pela separação da molécula da água, liberando oxigênio. Essa reação, por outro lado, demanda uso intensivo de energia elétrica – e é aí que o Brasil pode se diferenciar, em função de sua matriz elétrica limpa. O caderno da FGV aponta que fontes de energia solar, eólica e hidrelétrica podem ser usadas para suprir 48% das necessidades brasileiras de hidrogênio.
Já existem plantas no país produzindo H2V por meio da eletrólise sustentável. A primeira a entrar em operação fica em Itumbiara (GO) e pertence a Furnas. A fábrica foi inaugurada em 2021 e já gerou 3 toneladas de gás.
De acordo com o governo federal, mais de US$ 30 bilhões (R$ 147 bilhões) em investimentos estão programados para produção de hidrogênio no país. Quase todos esses recursos irão para projetos para obtenção do gás a partir da eletrólise justamente pelo potencial do Brasil para geração de energia por meio do vento e do sol, principalmente no Nordeste. O gás produzido nesses projetos deve abastecer a indústria local ou ser convertido em produtos para exportação até pela proximidade da região com a Europa, maior mercado consumidor. O Hub de Hidrogênio Verde do Complexo do Pecém (CE), criado em 2021, pretende enviar parte de sua produção para a Holanda, de onde ele deve ser distribuído a outros países.
Também há projetos para geração de hidrogênio por meio de outras rotas sustentáveis e, portanto, rotuladas com tonalidades de verde. Cada um deles leva em consideração diversidades ambientais e econômicas regionais, e visa explorar diferentes insumos e diferentes mercados consumidores. Em São Paulo, maior produtor de etanol do país, há um projeto para produção de H2V usando o combustível. A iniciativa é uma parceria da Universidade de São Paulo (USP) com Shell, Raízen, Toyota e Senai e envolve investimentos de R$ 50 milhões.
O projeto testa tecnologias para reformar o vapor do álcool extraindo dele o hidrogênio e gerando gás carbônico renovável, vindo da cana-de-açúcar. “Como a cana também captura carbono quando está crescendo na lavoura, o balanço final de carbono tende a ser negativo”, afirma Daniel Lopes, engenheiro mecânico e diretor comercial da Neuman & Esser Hytron, empresa que desenvolveu o reformador de etanol e que também integra o projeto paulista.
Está em processo de instalação na Cidade Universitária da USP um posto de hidrogênio produzido com etanol para abastecer veículos experimentais. Células combustíveis internas converteriam o gás em energia elétrica, que ao final moveria o veículo. Descarbonizar o transporte de cargas, segundo Lopes, é o maior objetivo desse projeto. Alguns especialistas, entretanto, afirmam que a substituição do diesel deve demorar em função de desafios para a implantação de uma rede de abastecimento de H2V.
Temos energia limpa, indústria que precisa do gás e posição geográfica favorável à exportação”
— Ricardo Rüther
Minas Gerais visa a produção de hidrogênio verde a partir de energia solar, hidrelétricas e usinas de biomassa para descarbonizar a indústria da mineração. Já em Estados como Paraná, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, a ideia é produzir H2V com resíduos agrícolas, a chamada biomassa, e de granjas de suínos. A decomposição desses resíduos gera metano, gás que também pode ser reformado para gerar hidrogênio, mas sem emissões adicionais de carbono pois só é liberado o que naturalmente já seria emitido pela atividade. Nesses Estados, o objetivo é que o H2V seja usado na fabricação de fertilizantes que poderiam ser aplicados em lavouras locais.
Em Toledo (PR), um projeto da Me Le Brasil Biogás visa produzir hidrogênio usando resíduos da suinocultura. A empresa luso-brasileira H2 Verde também estuda esse tipo de geração. Seu diretor, Frederico Freitas, que foi um dos autores do caderno de hidrogênio da FGV Energia, afirma que esse tipo de produção daria solução para um passivo ambiental das granjas. “É um projeto de economia circular”, diz. “O resíduo viraria hidrogênio e depois fertilizante para a plantação da soja e milho que servem como alimentos aos animais.”
Freitas e Lopes apontam que há estudos inclusive para produção de hidrogênio com esgoto urbano e lixo gerado em grandes cidades. Nesses casos, o custo da produção do gás ainda torna essas rotas inviáveis inclusive para pesquisas.
Ricardo Rüther, coordenador do Laboratório Fotovoltaica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que inaugurou neste ano um anexo só para o estudo do H2V, ressalta que as tecnologias para produção do gás estão evoluindo rápido. Para ele, dentro de poucos anos, a fabricação do combustível se tornará barata – assim como a instalação de um painel solar numa residência ficou. “Temos todas as condições para sermos grandes no mercado de hidrogênio: energia limpa vendida num mercado organizado, uma indústria que precisa do gás, além de uma posição geográfica favorável à exportação”, afirma.
Para o pesquisador, projetos de hidrogênio combinados com geração de energia solar e eólica, inclusive em alto mar, e voltados ao abastecimento da indústria de cimento, siderúrgica, de fertilizantes e petroquímica, tendem a maturar mais rapidamente no Brasil.
Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), refinarias de combustíveis já consomem 74% do hidrogênio produzido no país, seja ele verde ou não. Essas indústrias devem continuar demandando gás cada vez mais sustentável para tentar atingir suas metas de descarbonização, o que facilita a viabilização de projetos de hidrogênio nas suas proximidades.
Rüther não descarta, porém, que no futuro o hidrogênio verde seja gerado na Amazônia, por diferentes tecnologias, para servir de combustível para sistemas elétricos isolados da região. Hoje, o Brasil gasta R$ 12 bilhões por ano para manter esses sistemas, atualmente abastecidos principalmente com óleo diesel, que é poluente.
Publicado no Valor Econômico
https://valor.globo.com/publicacoes/especiais/hidrogenio-verde/noticia/2023/12/07/estados-se-movimentam-para-produzir-hidrogenio-verde.ghtml