Estratégia Multissetorial contra a Obesidade: o Brasil enfrenta uma epidemia social

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Blog do IFZ | 23/10/2025

O Brasil deu um passo histórico no enfrentamento da epidemia de obesidade ao instituir, por decreto presidencial, a Estratégia Intersetorial de Prevenção da Obesidade, coordenada pela Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (CAISAN). O novo marco reconhece a obesidade como uma doença crônica e uma questão social, resultado direto de sistemas alimentares desiguais, de ambientes urbanos hostis e da expansão do consumo de alimentos ultraprocessados.

A Estratégia rompe com a ideia de que a obesidade seria apenas consequência de escolhas individuais. Parte do princípio de que os ambientes alimentares, os padrões de produção e comercialização e as condições de vida determinam, em grande medida, o que e como as pessoas se alimentam. Ao adotar uma abordagem intersetorial e interseccional, o governo brasileiro reconhece que gênero, raça, classe social e território influenciam profundamente a relação das pessoas com a comida, a mobilidade e o lazer. Trata-se de uma política que, mais do que médica, é social e de justiça alimentar.

Essa perspectiva é reforçada pelo documento-base da Estratégia, “Obesidade como questão social e interseccional”, publicado pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS). Ele define a obesidade como uma “epidemia moderna de desigualdade”, associada à pobreza e à insegurança alimentar. Assim como a fome, o excesso de peso afeta de forma desproporcional as populações mais vulneráveis: mulheres negras, comunidades periféricas, povos indígenas e famílias chefiadas por mulheres. Em muitos desses grupos, a ausência de mercados com frutas, legumes e alimentos frescos — os chamados “desertos alimentares” — e a superabundância de produtos ultraprocessados — os “pântanos alimentares” — revelam um cenário de exclusão nutricional.

O diagnóstico é alarmante: mais de 60% dos adultos brasileiros têm excesso de peso, e um em cada quatro já vive com obesidade. Entre as crianças menores de cinco anos, cerca de 10% apresentam excesso de peso, e esse número cresce de forma preocupante nas faixas etárias seguintes. A Estratégia busca, portanto, deter o aumento da obesidade entre adultos e reduzir sua prevalência entre crianças e adolescentes, com atenção especial às populações em situação de vulnerabilidade.

O decreto que institui a Estratégia estabelece três grandes eixos de atuação, articulados com outras políticas públicas. O primeiro trata da criação de ambientes alimentares e urbanos saudáveis, promovendo o acesso a alimentos adequados, o incentivo à prática de atividade física e a requalificação de espaços públicos. Isso inclui medidas como a implementação da nova cesta básica nacional, orientada pelos Guias Alimentares para a População Brasileira e para Crianças Menores de Dois Anos; o fortalecimento da alimentação escolar por meio do PNAE; e o aprimoramento da rotulagem e da regulação do marketing infantil. A Estratégia também reconhece a importância de ampliar a mobilidade urbana sustentável e o lazer ativo, permitindo que a cidade volte a ser um espaço promotor de saúde.

O segundo eixo integra a Estratégia aos sistemas de proteção social e de cuidados integrados. O objetivo é fortalecer o SUS, o SUAS e o SISAN como pilares de uma política unificada de combate à má nutrição em todas as suas formas — da fome ao excesso de peso. Entre as ações previstas estão o incentivo à amamentação e à alimentação complementar saudável, a priorização de crianças do Bolsa Família e do Cadastro Único em programas de nutrição e vigilância alimentar, e a consolidação da articulação entre as políticas de saúde, educação e assistência social.

O terceiro eixo diz respeito à mobilização e ao engajamento social, reconhecendo a necessidade de mudar a cultura pública em torno da obesidade. Isso implica combater o estigma e o preconceito, promover campanhas de sensibilização e ampliar o debate sobre o impacto social da indústria de ultraprocessados. A Estratégia propõe uma abordagem que valoriza a diversidade corporal e questiona os padrões estéticos e de consumo impostos pela publicidade e pela mídia.

A governança da Estratégia ficará a cargo de um Comitê Gestor Intersetorial, ligado à CAISAN, que elaborará e monitorará um plano operativo com metas e indicadores anuais. O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) exercerá o controle social, garantindo transparência e participação popular. O documento também prevê a publicação de guias e manuais técnicos, o fortalecimento da cooperação entre União, estados e municípios e o desenvolvimento de mecanismos para prevenir conflitos de interesse entre políticas públicas e interesses comerciais.

A Estratégia Intersetorial de Prevenção da Obesidade é mais do que um plano técnico: é um marco político e cultural. Representa a retomada de uma agenda interrompida em 2018 e recoloca a obesidade no centro da agenda de segurança alimentar, ao lado do combate à fome e da promoção da alimentação adequada. Em sintonia com o Plano Brasil Sem Fome e com as diretrizes do novo Plano Plurianual 2024–2027, o governo reafirma que enfrentar a obesidade é também enfrentar a desigualdade e a exclusão.

Ao reconhecer a obesidade como questão social, o Brasil se soma a um movimento global que busca superar a fragmentação entre políticas de saúde, alimentação e meio ambiente. Essa nova visão rompe com a narrativa da culpa individual e propõe uma mudança sistêmica: ambientes saudáveis, informação acessível, sistemas alimentares sustentáveis e respeito à diversidade corporal.

Mais do que deter o avanço da obesidade, a Estratégia pretende transformar as condições que a produzem. Isso significa garantir o direito à alimentação adequada, fomentar a agricultura familiar, fortalecer os espaços públicos de lazer e mobilidade e assegurar que cada brasileiro possa viver com dignidade, saúde e prazer à mesa. Ao unir os esforços de diferentes ministérios e níveis de governo, o país dá um passo firme para construir uma sociedade mais justa e saudável — uma sociedade em que ninguém seja privado do direito de comer bem e viver plenamente.

Mensagens-chave da Estratégia Intersetorial

  • A obesidade é uma questão social, intersetorial e interseccional, não um problema individual.
  • Ambientes alimentares e urbanos saudáveis são essenciais para mudar comportamentos.
  • O combate à obesidade deve caminhar junto com o combate à fome e à desigualdade.
  • A regulação dos ultraprocessados e do marketing infantil é central para a Estratégia.
  • A integração entre SUS, SUAS e SISAN fortalece o cuidado e a vigilância nutricional.
  • Educação alimentar e valorização da diversidade corporal são pilares de uma nova cultura de saúde pública.

Baixe aqui a “Estratégia Intersetorial de Prevenção da Obesidade: Obesidade como questão social e interseccional
Baixe aqui o “Plano Operativo da Estratégia Intersetorial de Prevenção da Obesidade
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