Já ouviu falar em ambiente obesogênico? De que forma ele afeta a sua saúde?

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Paulo Chaccur, Colunista de VivaBem | 17/12/2023

Abordar o sobrepeso e obesidade não é algo tão simples quanto parece. O assunto envolve inúmeros aspectos que vão muito além dos números vistos na balança.

Ao falar sobre o tema, no geral, trazemos o foco para o próprio indivíduo: seus hábitos alimentares, rotina de exercícios, questões emocionais, possíveis doenças que favorecem o quadro e demais cuidados com a saúde.

Entretanto, constantemente falta a abordagem e compreensão de um contexto mais amplo. Devemos lembrar que a obesidade é uma doença crônica multifatorial. Isso significa que existem diversas razões para seu surgimento e agravamento.

Poucas vezes é feita, por exemplo, uma análise e reflexão sobre a influência do ambiente dentro desse cenário. E o que isso quer dizer? Que assim como causas genéticas e comportamentais, os ambientes em que as pessoas vivem e frequentam também podem predispor o ganho de peso.

O que caracteriza um ambiente obesogênico?

Ambientes obesogênicos são aqueles tidos como promotores ou facilitadores de escolhas alimentares, hábitos e fatores que favorecem o sobrepeso e a obesidade.

Entram na lista:

  • a própria casa
  • locais de trabalho e estudo
  • a comunidade em que se vive

Em outras palavras, o contexto em que um indivíduo está inserido pode influenciar nas oportunidades e barreiras para a manutenção de uma dieta alimentar equilibrada e saudável, bem como na prática de atividades físicas regulares —dois dos principais pilares na relação entre ganho e gasto calórico.

Fatores obesogênicos

Na prática, isso envolve:

  • a distância do local onde são feitas a maioria das refeições de um supermercado, feira livre ou estabelecimentos que comercializem produtos in natura e minimamente processados;
  • o poder aquisitivo para poder fazer melhores escolhas (com variedade e equilíbrio de nutrientes);
  • a oferta de espaços públicos próximos e adequados que incentivem a prática de esportes e atividades físicas (como praças e parques) e até tempo no dia a dia para esses cuidados

Outro ponto importante é que o aumento de peso também pode ter origem em questões emocionais.

Em um ambiente baseado em relacionamentos abusivos ou problemáticos, desrespeito e estresse constante, a chance de haver tristeza, angústia, ansiedade e desequilíbrio alimentar são grandes.

Alguns especialistas chamam esse quadro de fome emocional, isto é, quando uma pessoa come como forma de recompensa ou para lidar com suas emoções, e não por uma necessidade fisiológica.

Nesse sentido, vale destacar que pessoas que vivem em espaços obesogênicos têm maior probabilidade ao tabagismo e o consumo álcool em excesso.

Há ainda uma parcela da população que não consegue prevenir o ganho excessivo de peso ao longo dos anos por falta de informação ou acesso a serviços de saúde. Lembrando que o sobrepeso e a obesidade também têm ligação, entre outros aspectos, com distúrbios do sono, desequilíbrios hormonais, o uso de determinados medicamentos, baixos níveis de amamentação e ganho de peso descomedido na gravidez.

Outras influências externas

O Guia Alimentar para a População Brasileira, produzido pelo Ministério da Saúde, reforça que adotar uma alimentação adequada e saudável não é meramente uma questão de escolha individual.

Comerciais na TV, internet e redes sociais, além de ações de marketing, como a distribuição de amostras grátis, descontos e promoções, a criação de embalagens e até a disposição de produtos em locais estratégicos dentro de estabelecimentos, são alguns dos exemplos de mecanismos adotados para atrair a atenção e despertar a vontade dos consumidores.

E, no geral, isso é feito para promover produtos industrializados, ultraprocessados, que contribuem com o aumento dos quilos na balança.

Circunstâncias que envolvem o consumo de alimentos

Há ainda evidências de que as circunstâncias que envolvem o consumo de alimentos podem favorecer o ganho de peso.

Comer diante da TV, na mesa de trabalho em frente ao computador, em deslocamento (caminhando, no carro ou transporte público) ou com o celular na mão, resolvendo pendências ou navegando pelas redes sociais, aumentam as chances da ingestão de alimentos em maior quantidade e menor qualidade.

Isso porque a situação acaba tirando o foco da refeição e inibe a sensação de saciedade. Com a ausência de atenção, comemos mais rápido, sem ao menos notar a consistência, a textura, o aroma e o gosto da comida.

Além disso, devorar os alimentos, sem mastigar direito, não dá ao cérebro tempo suficiente para registrar que já estamos satisfeitos. O resultado? Comemos mais do que o necessário.

Nosso estômago leva aproximadamente 20 minutos para mandar o aviso de que está saciado. Ou seja, tanto a mastigação como o saborear dos alimentos têm papel na saciedade e na regulação do apetite.

Alimentos que viciam

Sabe aquele pacote de salgadinho que é tão irresistível que você só consegue parar de comer quando vê o fim? Estudos realizados ao longo dos últimos anos apontam que certos alimentos industrializados contêm ingredientes que estimulam o desejo, a vontade de comê-los compulsivamente e dificultam o controle de consumo, viciando o cérebro e o paladar.

Segundo as pesquisas, isso ocorre porque neles há ingrediente que deixam a comida mais saborosa e ativam áreas do cérebro ligadas ao prazer e a recompensa, desencadeando no organismo respostas semelhantes às observadas, por exemplo, com drogas e outras substâncias que geram dependência.

As descobertas apontam que, de modo geral, isso não é provocado por alimentos que vêm diretamente da natureza, mas por formulações industriais. São os chamados ultraprocessados, comidas ou bebidas que reúnem alto teor de gorduras saturadas e trans, açúcar e sal, e assim estimulam o ganho de peso e podem causar outros danos à saúde.

Impactos

Ambientes obesogênicos e as circunstâncias que os rodeiam estão assim associados ao aumento do risco de doenças e complicações cardiovasculares.

Isso porque a obesidade, além de ser uma doença por si só, também favorece o desenvolvimento de diversos fatores que interferem na saúde do coração, como hipertensão, diabetes, aumento do colesterol e triglicérides.

Aspectos que estimulam o processo de deposição de gorduras nas artérias do organismo, o que pode ser determinante para o aparecimento da doença arterial coronária, inclusive com risco de infarto, AVC e até de morte.

É preciso virar esse jogo

Portanto, estamos falando da soma de influências que o ambiente, as oportunidades e as condições de vida têm na promoção do sobrepeso e da obesidade. Trata-se de um contexto que envolve causas genéticas, comportamentais, sociais, culturais, financeiras, políticas e midiáticas.

Compreender essas interferências torna mais claro que reverter o cenário vai, em boa parte dos casos, muito além da força de vontade de cada um. Portanto, assim como as causas são multifatoriais, as soluções também precisam ser.

E se avaliarmos os números, é possível entender a urgência disso: segundo relatório da Federação Mundial da Obesidade, divulgado no primeiro semestre deste ano, mais da metade da população mundial estará acima do peso ou obesa até 2035 se não houver ações e investimentos significativos para conter o problema.

Paulo Chaccur é Diretor da Cirurgia Cardiovascular no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, é formado pela Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo e possui mais de 40 anos de experiência.Na década de 90, Chaccur passou a liderar a própria equipe de cardiologia e cirurgias cardíacas no HCor (Hospital do Coração).

Publicado no VivaBem
https://www.uol.com.br/vivabem/colunas/paulo-chaccur/2023/12/17/ja-ouviu-falar-em-ambiente-obesogenico-de-que-forma-ele-afeta-a-sua-saude.htm