Medir a insegurança alimentar domiciliar: por que é crucial — e tão difícil

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Blog do IFZ | 30/09/2025

Leia o artigo “Measuring Household Food Insecurity: Why It’s So Important and Yet So Difficult to Do” online ou faça o download aqui

Uma das lições mais duradouras desde Amartya Sen (1981) é que a fome não resulta apenas da falta de alimentos disponíveis, mas, sobretudo, da falta de acesso a eles. O artigo “Measuring Household Food Insecurity: Why It’s So Important and Yet So Difficult to Do” de Patrick Webb, Jennifer Coates, Edward Frongillo, Beatrice Lorge Rogers, Anne Swindale e Paula Bilinsky retoma esse ponto com um objetivo prático: como medir a insegurança alimentar no domicílio de forma simples, comparável e útil para políticas públicas e programas?

Os autores apontam três deslocamentos conceituais decisivos. Primeiro, substituir o foco na disponibilidade/uso pela mensuração do “acesso inadequado”. Segundo, deslocar-se de indicadores “objetivos” (produção, renda, consumo calórico, estado nutricional) para marcadores experienciais/“subjetivos” — o que as famílias sentem, fazem e relatam quando faltam alimentos. Terceiro, priorizar medidas fundamentais (escalas que captam diretamente o fenômeno) em vez de depender de proxies distantes (como renda ou estoque), cujo vínculo com a insegurança alimentar varia de acordo com o contexto.

Essa agenda inspira-se na experiência norte-americana do U.S. Household Food Security Survey Module (HFSSM), um questionário validado de 18 itens incorporado a pesquisas nacionais desde 1995. O avanço recente foi adaptar e testar escalas experienciais em países de baixa e média renda, combinando métodos qualitativos (etnografia, grupos focais) e modelagem psicométrica (como o modelo de Rasch) para ordenar domicílios ao longo de um contínuo de severidade e medir mudanças ao longo do tempo.

Quatro domínios universais emergem da comparação entre países: incerteza/preocupação com a comida; quantidade insuficiente; qualidade inadequada; e inaceitabilidade social das estratégias adotadas (pular refeições, reduzir porções, consumir alimentos de menor valor social). Com base em oficinas e validações de campo (no âmbito do projeto FANTA/USAID), chegou-se a um conjunto enxuto de 9 questões e a guias de adaptação local, facilitando o uso por governos, PVOs e pesquisadores em monitoramento e avaliação.

Ainda assim, persistem lacunas críticas: (1) quão bem essas escalas captam a fome aguda em contextos onde quase todos já estão no extremo da distribuição; (2) como choques de curto prazo (enchentes, terremotos) afetam respostas e tendências; (3) se a resposta de uma única pessoa representa a experiência de todos no domicílio; e (4) em que medida essas medidas orientam o direcionamento de intervenções e a avaliação de impacto.

Para o ecossistema IFZ, a mensagem é direta: medir o que as famílias de fato vivenciam é essencial para prevenir o agravamento da fome, priorizar quem mais precisa e avaliar políticas com precisão. Não há “medida perfeita”, mas existe um caminho sólido: ouvir, testar, calibrar e usar escalas experienciais que tornem visível o processo de insegurança alimentar — antes que ele se converta em desnutrição e perda de vidas.

Leia o artigo “Measuring Household Food Insecurity: Why It’s So Important and Yet So Difficult to Do” online ou faça o download aqui