O Peso dos In Natura no Aumento de Preços dos Alimentos em 2024

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Por José Giacomo Baccarin | 01/05/2024

Está na moda falar de inflação de alimentos. Aproveitando a onda, é importante que se aborde o tema sob uma perspectiva mais ampla de tempo, até para que possam ser formuladas e implantadas ações públicas consistentes para seu enfrentamento. Convém lembrar que a inflação de alimentos atinge com maior intensidade os mais pobres, que usam parcela maior de seus rendimentos para aquisição de uma cesta de alimentos mais exígua e menos diversa.

Comparemos o momento vivido em 2024 com o de 2007 a 2023. Nestes 17 anos, em apenas quatro o Índice de Preços de Alimentos e Bebidas (IPAB) foi menor que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2024). No período todo, o IPAB aumentou 216%, bem mais que o IPCA, com crescimento de 132%.

Se não bastasse isto, os alimentos no domicílio com melhor valor nutricional ficaram mais caros. Usando a classificação de Monteiro et al (2018), entre 2007 e 2023, a média ponderada de preços dos subitens da alimentação no domicílio pertencentes ao G1 (alimentos in natura ou minimamente processados) registrou aumento de 260%, contra 158% do G4 (alimentos ultraprocessados). Estes dois agrupamentos representam 87% dos gastos das famílias brasileiras com alimentação no domicílio (IBGE, 2020).  Nos outros dois agrupamentos, constatou-se elevação de 148% no G2 (ingredientes culinários processados) e de 190% no G3 (alimentos processados).

O ano de 2023, junto com 2009, 2017 e 2021, foi uma das quatro exceções citadas acima. O subgrupo alimentos no domicílio registrou pequena queda, contudo, sem voltar aos patamares de 2019. Com isto o IPAB ficou menor que o IPCA do ano, mesmo com aumento do índice do subgrupo alimentação fora do domicílio.

Os três primeiros meses de 2024 não deram sequência ao verificado no ano anterior. Enquanto o IPCA subiu 1,4%, o IPAB cresceu 2,9%. Alimentação e Bebidas representou próximo a 40% do IPCA, o dobro de sua participação nos gastos do consumidor (IBGE, 2020). A alimentação fora do domicílio cresceu 1,1%, abaixo do IPCA, enquanto a alimentação no domicílio cresceu 3,6%.

Na tentativa de obter informações mais específicas da origem do aumento de preços de alimentos em 2024, dividiu-se o agrupamento G1 em dois, os de produtos in natura, com predomínio de frutas, verduras, legumes e tubérculos, bem como do arroz e feijão, e os minimamente processamentos, com predomínio das carnes. Os minimamente processados, o G3 e o G4 apresentaram aumentos de preços abaixo do IPCA e o G2, pouco acima. Por sua vez, os produtos in natura tiveram aumento de 9,6% na média de seus preços, contribuindo com 76% da elevação dos preços da alimentação no domicílio.

Alguns produtos chamam a atenção, pela sua importância no consumo e pela grande variação de preços. Entre eles, podem ser citados arroz, feijão, batata, banana prata, laranja pera e tomate, com variações de preços entre 15% e 33%, nos três primeiros meses de 2024. No caso das olerícolas (frutas, legumes e verduras), alguns desses aumentos são sazonais e podem ser revertidos nos meses restantes do ano. Isto também pode acontecer com o feijão, que apresenta várias safras no ano. Não é o caso do arroz, a safra brasileira de 2024 já está dada e o preço interno está muito pressionado pelo preço internacional em elevação (FAO, 2024).

Voltando para uma perspectiva de longo prazo, é bom tomar ciência que o encarecimento das olerícolas apresenta caráter estrutural. De 2007 a 2023, entre os itens com maior variação de preço estiveram tubérculos, raízes e legumes, em primeiro lugar, hortaliças e verduras, em segundo lugar, e frutas, em quarto lugar, todos com variação acima de 300%. Por sua vez, o arroz apresentava aumento de preço relativamente pequeno, de 147%, enquanto o feijão aproximou-se das olerícolas, com 269% de aumento.

Seja por questões ligadas à sua produção primária, seja por acontecimentos na sua distribuição, o certo é que o comportamento dos preços de frutas, legumes, raízes, tubérculos e verduras, desde há muito, tem desestimulado seu consumo no Brasil. Uma razão a mais para que grande parte da população não consiga acessar comida mais saudável, em termos nutricionais.

Baixe aqui o estudo “O Peso dos In Natura no Aumento de Preços dos Alimentos em 2024” em formato pdf

Referências:

FAO. Índice de precios de los alimentos de la FAO. Food and Agriculture Organization, 2024. Disponível em: https://www.fao.org/worldfoodsituation/foodpricesindex/en/. Acesso em: 7 mar. 2024.

IBGE. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017-18 – Avaliação nutricional da disponibilidade domiciliar de alimentos no Brasil. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Rio de Janeiro, 2020.

IBGE. Índice de Preços ao Consumidor Amplo. Sistema IBGE de Recuperação Automática – SIDRA, 2024. Disponível em:  https://sidra.ibge.gov.br/home/ipca/brasil. Acesso em: 7 fev. 2024.

MONTEIRO C. A.; CANNON G.; MOUBARAC J. C.; LEVY R. B.; LOUZADA M. L. C.; JAIME P. C.. The UN Decade of Nutrition, the NOVA food classification and the trouble with ultra-processing. Public Health Nutrition, v. 21, n. 1, p. 5-17, 2018. https://doi.org/10.1017/S1368980017000234.