Por José Giacomo Baccarin e Gustavo Jun Yakushiji | Julho de 2024
Em abril, tínhamos feito uma avaliação da inflação ao consumidor no Brasil, com destaque para o papel dos alimentos nos primeiros três meses de 2024. Dando sequência, avaliaremos o ocorrido no primeiro semestre desse ano, tomando por base os dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Ao contrário das previsões pessimistas dos informantes do Boletim Focus e da direção do Banco Central, os dados do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) indicam uma inflação extremamente controlada no Brasil, especialmente considerando nosso histórico nessa área.
Em junho de 2024, o IPCA avançou 0,21%, menos da metade dos 0,46% de maio. É o segundo menor valor mensal de 2024, apenas acima dos 0,16% de março. No primeiro semestre, o IPCA cresceu 2,48% e, nos últimos 12 meses, 4,23%. Portanto, dentro da meta de inflação vigente.
A inflação baixa é uma boa notícia para os assalariados e os mais pobres. E seria melhor ainda se a direção do Banco Central abaixasse os juros básicos no Brasil, estimulando os investimentos produtivos e o crédito, aumentando as compras no crediário e a geração de emprego e renda.
A seguir, a análise é especificada para os subgrupos de Alimentação e Bebidas e para os itens e subitens da Alimentação no Domicílio. Neste caso, além da variação de preços em si, considera-se outra variável, a contribuição para a inflação, que é a ponderação da variação de preço pela participação do item no gasto do consumidor.
Importância dos alimentos na inflação ao consumidor
Nos primeiros seis meses de 2024, enquanto o IPCA crescia 2,48%, um de seus nove grupos componentes, o Índice de Preços de Alimentação e Bebidas, elevava-se bem mais, em 4,70%. A Figura 1 revela que, a todo momento, o IPAB pressionou o IPCA para cima em 2024, ao contrário do ocorrido em 2023.
Contudo, a trajetória do IPAB, com exceção da passagem entre março e abril, é de constante queda, apontando, ainda que não exclusivamente, um caráter sazonal em sua elevação. Nos meses chuvosos, a produção de diversas olerícolas fica prejudicada, ao que se juntou, em 2024, um verão com ondas de calor acima do normal, tendendo a elevar, de forma acentuada, seus preços ao consumidor. Ademais, como se verá adiante, fatores climáticos, de outra ordem, afetaram o preço do arroz.
É bom que se diga que a sazonalidade da variação de preços de alimentos in natura é generalizada entre os países. Não raramente, as direções do Banco Central costumam descontar este fato do índice de preços ao consumidor que baliza as metas de inflação estabelecidas. Tal procedimento não é adotado no Brasil.
Considerando-se os subgrupos de Alimentação e Bebidas, percebe-se que as pressões não vieram da Alimentação Fora do Domicílio, com aumento de 2,36%, pouco abaixo do IPCA. Por seu lado, a Alimentação no Domicílio, mais influenciada pelas condições de produção agrícola, teve seus preços crescendo em 5,59% no primeiro semestre de 2024.
Neste período, em comparação aos outros grupos de despesa, Alimentação e Bebidas representou a maior contribuição para o IPCA, de 37,05%. Em seguida vieram Saúde e Cuidados Pessoais, com 24,15%, e Educação, com 14,23%.
Origem do encarecimento dos alimentos
Na Tabela 1 foram discriminados os 16 itens que compõem o subgrupo Alimentação no Domicílio. Uma primeira observação é que houve muita dispersão na variação de preços entre eles, desde um aumento de 36,49% até uma queda de 2,89%.
Sete itens variaram abaixo do IPCA, com destaque para o item Carnes, que participa com 19,77% dos gastos com alimentação no domicílio (vide Anexo 1) e apresentou queda de 2,89% em seus preços. Os preços da carne de carneiro e de suíno caíram, assim como os preços dos diversos tipos de carne bovina, cuja participação nos gastos do consumidor é bem mais significativa. Esta é a causa da grande contribuição de Carnes, acima de 40%, no controle dos preços da alimentação nos lares do Brasil.
Tabela 1 – Variação de preços e contribuição para a inflação da alimentação no domicílio dos seus itens, ordem decrescente de variação, Brasil, primeiro semestre de 2024.
Merece ser destacado também o item Panificados, basicamente composto por derivados de trigo e com participação de 11,61% nos gastos com alimentação no domicílio. Seu preço aumentou muito pouco, menos de 1%.
Outros dois itens tiveram seus preços variando entre o IPCA e o IPAB: Aves e Ovos, e Açúcar e Derivados. O impacto maior foi dos derivados da avicultura de corte e de postura, nem tanto pelo aumento de preço, mas pela participação nos gastos do consumidor, de 8,35%, a quinta entre os 16 itens.
Por fim, cabe destacar os sete itens com preços aumentando acima do IPAB. Três deles são constituídos por alimentos in natura: Tubérculos, Raízes e Legumes; Hortaliças e Verduras; e Frutas. Seus subitens, com poucas exceções, não apresentam mercado internacional significativo e são muito perecíveis, tendendo a registrar maiores flutuações nos preços ao longo do ano. Além disso, a dispersão da variação de preços entre os diversos subitens foi muito significativa, desde uma redução de 21,95% no pepino até um aumento de 69,05% na manga. Comparando o primeiro com o segundo trimestre de 2024, a elevação de preços desses produtos in natura tende a suavizar, indicando um caráter sazonal em sua variação. Contudo, em uma perspectiva de longo prazo, desde 2007, os preços desses produtos vêm apresentando variação bem superior ao aumento de preço do subgrupo Alimentação no Domicílio.
No caso dos Cereais, Leguminosas e Oleaginosas, os destaques são o arroz e os feijões. O feijão carioca (rajado), o mais consumido entre os feijões, apresentou aumento de apenas 0,30% no primeiro semestre de 2024, posto que o forte aumento do primeiro trimestre, de 16,16%, praticamente foi todo revertido no segundo trimestre. Por sua vez, o arroz apresentou aumento considerável no primeiro bimestre, queda no segundo e, novamente, aumento no terceiro, provavelmente sob influência do fenômeno climático extremo observado no Rio Grande do Sul, que concentra 70% da produção nacional. No primeiro semestre de 2024, o preço do arroz registrou aumento de 11,24% no Brasil.
O item Bebidas e Infusões compromete 11,59% dos gastos com Alimentação no Domicílio e foi responsável pela segunda maior contribuição no seu encarecimento, no valor de 30,66%. As pressões maiores não vieram dos subitens ou produtos ultraprocessados, mas dos minimamente processados, com destaque para o café moído, que teve um aumento de 12,14% nos seis meses iniciais de 2024.
A maior contribuição para a Alimentação no Domicílio, de quase 50%, veio do item Leite e Derivados. Em parte, porque seus preços aumentaram 9,57%, em parte pela sua participação no gasto com Alimentação no Domicílio, sendo a segunda entre os 16 itens considerados.
Considerações finais
Retomando o padrão verificado entre 2007 e 2022 e contrariamente ao ocorrido em 2023, no primeiro semestre de 2024, os preços dos alimentos pressionaram para cima o índice de preços ao consumidor no Brasil. Quase 40% da elevação do IPCA deveu-se ao encarecimento da alimentação, especialmente aquela consumida no domicílio. Contudo, destaque-se que entre janeiro e junho, o papel dos alimentos na inflação ao consumidor tende a diminuir.
Produtos in natura, como frutas, legumes e verduras, tiveram um papel significativo neste fato, com pressões maiores observadas no primeiro trimestre do ano. Reproduzindo o ocorrido no segundo trimestre, é possível que no terceiro trimestre de 2024, as pressões de preços sazonais das olerícolas continuem a diminuir.
Por sua vez, o preço do arroz interrompeu sua trajetória de queda em março e abril, em decorrência do desastre climático no Rio Grande do Sul no mês de maio. Como este produto tem mercado internacional mediano e pode ser armazenado por vários meses, é possível que as pressões de preço interno se arrefeçam, a menos que volte a crescer o preço internacional do produto.
De outras duas cadeias derivaram pressões altistas de preços: da leiteira e cafeeira, sistematicamente importadora e exportadora, respectivamente. Portanto, são muito influenciadas pelas condições internacionais. No caso do leite, a recente mudança na taxação de importação de leite em pó pode ter contribuído para o aumento do preço ao agricultor e ao consumidor.
Referências
IBGE. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017-18 – Avaliação nutricional da disponibilidade domiciliar de alimentos no Brasil. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Rio de Janeiro, 2020.
IBGE. Índice de Preços ao Consumidor Amplo. Sistema IBGE de Recuperação Automática – SIDRA, 2024. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/home/ipca/brasil. Acesso em: 10 jul. 2024.
Anexo 1
Tabela A1 – Participação dos itens nos gastos do consumidor com Alimentação no Domicílio, em ordem decrescente, Brasil, 2017/18.
José Giacomo Baccarin é Professor Livre-Docente da UNESP, Campus Jabotical (SP)
Gustavo Jun Yakushiji é Mestrando em Estatística e Experimentação Agronômica – ESALQ/USP