Recursos naturais, clima e segurança alimentar

  • Tempo de leitura:7 minutos de leitura

Estima-se que um terço dos solos no mundo já estejam degradados

Por Clayton Campagnolla no Valor | 05/06/2023

Hoje se comemora o Dia Mundial do Meio Ambiente. A data tem extrema relevância por levantar algumas questões sobre a situação dos nossos recursos naturais frente à mudança climática e sua relação com a segurança alimentar e nutricional. Observa-se que o câmbio climático gera secas, temperaturas elevadas, tempestades e ciclones e quando associado a um sistema intensivo de produção agropecuária tem resultado na degradação dos solos, escassez de água, contaminação e desmatamento além da perda de biomas naturais e biodiversidade. Vale mencionar que as grandes empresas de agropecuária voltadas para produtos básicos ou commodities de exportação contribuem com 25% do total de emissão de gases do efeito estufa pelo país e, em certa medida, contrapõe-se à produção de frutas, verduras e legumes que são alimentos de grande importância cultural e nutricional.

Estima-se que um terço dos solos no mundo já estejam degradados e que 12,5% das espécies de plantas estejam sob ameaça de extinção. Nesse sentido, a saúde e o manejo do solo são vitais para a manutenção da biodiversidade e garantia da produção agrícola sustentável. Os serviços ambientais oferecidos pela biodiversidade têm um importante papel na sustentabilidade dos sistemas produtivos agropecuários, como por exemplo na polinização, ciclagem de nutrientes no solo, ciclagem e qualidade da água, controle natural de pragas e doenças de plantas e diversidade genética de plantas e animais. Está comprovado que a biodiversidade com a diversificação de cultivos torna os sistemas agropecuários mais adaptados e tolerantes aos efeitos das mudanças climáticas. Por outro lado, estima-se que a remoção completa de polinizadores poderia reduzir a oferta global de frutas em 23%, de hortaliças em 16%, e de nozes e sementes em 22%, levando a aumentos significativos da população deficiente em nutrientes e com doenças relacionadas à mal nutrição.

Outro ponto que merece destaque é que a agropecuária vem aumentando as suas emissões de gases do efeito estufa a cada ano, de tal maneira que em 2021 tivemos mais um recorde histórico no Brasil: 601 milhões de toneladas de gás carbônico, contra 579 milhões em 2020, segundo o Observatório do Clima. A pecuária – em particular o rebanho bovino – é a principal fonte, com 79,4% das emissões do setor e o seu aumento expressivo de 3,1%, foi o principal fator para o avanço das emissões. Já na produção agrícola, pesaram a alta no consumo de fertilizantes nitrogenados (13,8%) e o volume de calcário nas lavouras, que subiu 20%.

A FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) estima que até 2050 a crescente população mundial exigirá o dobro de alimentos produzidos em 2012 em um quadro em que as mudanças climáticas já estão causando impacto significativo na produção agropecuária em muitas partes do mundo. Se o aquecimento global não for interrompido o impacto será maior, trazendo consequências drásticas para a disponibilidade de alimentos e nutrição adequada. O relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) projeta que altas temperaturas e eventos climáticos extremos reduzirão a produção de milho no Cerrado brasileiro em até 71% ainda neste século se as emissões continuarem aumentando, ou 38% mesmo se as emissões forem reduzidas.

Hoje, cerca de 800 milhões de pessoas passam fome enquanto bilhões são submetidas às consequências da deficiência de micronutrientes, que enfraquecem o sistema imunológico e causam doenças evitáveis. Segundo o relatório do IPCC, o aumento das concentrações de CO2 reduzirá a densidade de nutrientes em algumas culturas tais como proteína, ferro, zinco e algumas vitaminas nos grãos, frutas ou hortaliças em diferentes intensidades, dependendo das espécies e cultivares de plantas. Prevê-se ainda que níveis mais elevados de CO2 levem a reduções de 5-10% na concentração de uma ampla gama de minerais e nutrientes. Estima-se que as culturas básicas diminuam as concentrações proteicas e minerais em 5-15% e as vitaminas B em até 30% quando as concentrações de CO2 duplicarem em relação ao nível pré-industrial. Sem mudanças nas dietas e com o declínio de nutrientes em culturas básicas, um adicional projetado de 175 milhões de pessoas podem se tornar deficientes em zinco e mais 122 milhões de pessoas podem se tornar deficientes em proteínas em todo mundo.

Para que o aumento da produtividade agrícola se concretize é preciso que os impactos ambientais negativos sejam não só minimizados, mas revertidos. Tal tarefa requer uma transformação profunda das políticas públicas e tecnologias na direção de uma intensificação sustentável da agropecuária a fim de prepará-la para assimilar choques e alterações, como é o caso da variabilidade climática que gera crises de insegurança alimentar e nutricional.

Embora o Brasil já tenha alguns instrumentos de políticas públicas que estimulam a adoção de práticas agropecuárias sustentáveis, como é o caso do Plano ABC+ (Agricultura de Baixo Carbono) o seu orçamento para 2022/23 é muito baixo (R$ 6,19 bilhões) se comparado ao orçamento do Plano Safra (R$ 340,88 bilhões). Essa iniciativa oferece linhas de crédito para a viabilização de um conjunto de práticas tais como a recuperação de pastagens degradadas, integração lavoura-pecuária-floresta e sistemas agroflorestais, fixação biológica de nitrogênio e uso de outros bioinsumos, plantio direto, entre outros, e os seus resultados são imediatos.

Mas é preciso ir além. Para enfrentar esses desafios é necessário revisar e formular políticas públicas de apoio ao sistema alimentar que integrem sustentabilidade econômica, social e ambiental. Nessa equação é fundamental ter como meta a redução de emissões de gases do efeito estufa e adaptação às mudanças climáticas, com supressão do desmatamento combinada com a recuperação de áreas degradadas, capacitação dos produtores, pesquisa agropecuária e inovação geração de renda e empregos de qualidade.

Clayton Campagnolla é coordenador de Clima e Alimento do Instituto Fome Zero e ex-presidente da Embrapa

Publicado originalmente no Valor
https://valor.globo.com/opiniao/coluna/recursos-naturais-clima-e-seguranca-alimentar.ghtml