Blog do IFZ | 26/01/2025
A segurança alimentar e nutricional (SAN) é um desafio global, refletindo tanto o progresso quanto as desigualdades existentes em diferentes regiões. Entre os países dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e seus novos integrantes no BRICS+ (Egito, Etiópia, Irã, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos), destaca-se uma diversidade significativa em termos de desenvolvimento econômico, recursos naturais e políticas públicas que afetam diretamente a segurança alimentar. A análise dos dados da edição de 2024 do relatório “Estado da Segurança Alimentar e Nutricional” (SOFI 2024) e as boas práticas identificadas no contexto desses países permitem entender os desafios e avanços dessa cooperação multilateral.
De acordo com o SOFI 2024, os países do BRICS apresentam um desempenho variável nos indicadores de segurança alimentar. Enquanto China e Rússia já não figuram no “mapa da fome mundial”, com taxas de subnutrição abaixo de 2,5%, a Índia enfrenta 13,7% de sua população nessa condição, uma das maiores entre os BRICS. No Brasil, a prevalência de subnutrição é de 3,9%, relativamente baixa, mas a insegurança alimentar moderada ou grave ainda atinge 18,4% da população, um dado preocupante para uma das maiores potências agroalimentares do mundo.
O grupo BRICS+ amplifica a heterogeneidade observada no bloco original. Enquanto os Emirados Árabes Unidos registram apenas 10% de sua população em situação de insegurança alimentar moderada ou grave, na Etiópia esse índice alcança impressionantes 59%. Essa disparidade reflete desafios estruturais, como conflitos, mudanças climáticas e desigualdades econômicas, que afetam profundamente o acesso a alimentos nesses países.
Além disso, o sobrepeso e a obesidade emergem como questões alarmantes em alguns países do bloco. No Brasil, mais de 28% da população adulta sofre de obesidade, superando a média global de 15,8%. Na África do Sul, esse índice é ainda maior, com cerca de 31% da população adulta obesa. No contexto do BRICS+, o Egito lidera em obesidade adulta, com 44%, destacando o impacto das dietas baseadas em alimentos ultraprocessados e a falta de acesso a opções alimentares saudáveis.
Em termos de boas práticas, os países do BRICS oferecem lições valiosas para enfrentar esses desafios. O Brasil, por exemplo, tem sido pioneiro em programas como o Plano ABC (Agricultura de Baixo Carbono), que promove práticas agrícolas sustentáveis, reduzindo emissões de gases de efeito estufa e aumentando a produtividade. A Índia, por sua vez, destacou-se na implementação de sistemas de irrigação movidos a energia solar, uma solução que reduz custos e impactos ambientais, ao mesmo tempo que aumenta a resiliência dos agricultores frente às mudanças climáticas.
Na China, o uso de tecnologias avançadas, como a agricultura de precisão, contribuiu para um aumento significativo da eficiência produtiva, reduzindo desperdícios e promovendo uma agricultura mais sustentável. Além disso, a Iniciativa Cinturão e Rota da China integra esforços para melhorar a segurança alimentar em outros países, demonstrando o potencial de uma cooperação internacional mais ampla. Já na África do Sul, a integração de energias renováveis em sistemas agrícolas, como a dessalinização movida a energia solar para irrigação, destaca-se como um exemplo de inovação adaptativa em um cenário de escassez de água.
Entretanto, a desigualdade no acesso a dietas saudáveis persiste como um desafio comum aos países do BRICS e BRICS+. Enquanto na Rússia apenas 2% da população não pode pagar por uma dieta saudável, no Brasil esse índice chega a 25%, e na África do Sul, 60%. No BRICS+, a Etiópia e o Egito registram os maiores custos relativos para manter uma alimentação saudável, dificultando ainda mais a segurança nutricional em regiões vulneráveis.
A cooperação Sul-Sul entre os países do BRICS tem se mostrado uma estratégia eficiente para enfrentar desafios comuns. A troca de conhecimentos e tecnologias entre membros do bloco já resultou em avanços significativos em práticas agrícolas resilientes ao clima. No entanto, a recente ampliação para o BRICS+ deverá exigir esforços adicionais para coordenar políticas e superar as diferenças internas do grupo, especialmente diante da ampliação das desigualdades.
O custo crescente das dietas saudáveis, agravado pelas mudanças climáticas e conflitos, exige uma abordagem multilateral. Em 2025, a Presidência brasileira dos BRICS poderá ajudar a posicionar a segurança alimentar como tema de especial atenção ao bloco. Na COP30, também liderada pelo Brasil, os países do BRICS têm a oportunidade de alinhar suas metas climáticas e de segurança alimentar, defendendo investimentos em práticas agrícolas sustentáveis e na mitigação das desigualdades.
Em última análise, os países do BRICS e BRICS+ enfrentam uma encruzilhada: ou aprofundam sua cooperação para enfrentar os desafios interligados de segurança alimentar, mudanças climáticas e desigualdades, ou arriscam retrocessos em um cenário global já marcado por crises persistentes. As lições e práticas exemplares desenvolvidas no bloco, se amplamente compartilhadas e adaptadas, podem não apenas beneficiar suas próprias populações, mas também contribuir significativamente para os esforços globais rumo a um futuro mais equitativo e sustentável.
Baixe aqui o relatório “SOFI 2024 | Financing to end hunger, food insecurity and malnutrition in all its forms“