Blog do IFZ | 09/04/2025
Como resultado do Seminário Internacional da Agricultura Familiar: 10 anos depois do ano Internacional 2014, foi publicada a “Declaração de Porto Alegre” — resultado de reflexões e debates entre agricultores, pesquisadores e representantes de políticas públicas. Mais do que um simples documento, ela se propõe a orientar caminhos para um futuro mais justo, sustentável e enraizado na valorização da vida no campo.
A Declaração de Porto Alegre: Agricultura Familiar como horizonte a ser conquistado
Em 2025, no exato meio da Década das Nações Unidas para a Agricultura Familiar (2019–2028), reuniu-se uma constelação de pensadores, agricultores, pesquisadores, gestores públicos e representantes de agências internacionais em Porto Alegre. O que os uniu não foi apenas o passado — uma década de avanços, reconhecimento institucional e políticas públicas específicas —, mas sobretudo a necessidade urgente de olhar o futuro com ousadia e responsabilidade.
A Agricultura Familiar, demonstraram os debates, não é um vestígio de um mundo que se vai, mas o alicerce necessário de um mundo que se quer construir. Hoje, mais de 550 milhões dos 608 milhões de estabelecimentos rurais globais são familiares. Eles produzem cerca de 80% dos alimentos consumidos no planeta. Ocupam 75% das terras agrícolas. E, no entanto, seguem à margem das grandes decisões econômicas.
A Declaração de Porto Alegre nasce dessa contradição. Mas também da confiança. Confiança de que é no seio dessas famílias — nas suas práticas milenares, nos seus saberes silenciosos, nas suas inovações discretas — que residem as chaves para enfrentar os maiores desafios contemporâneos: as mudanças climáticas, a transição alimentar e energética, a renovação geracional e a luta contra as desigualdades sociais e de gênero.
Entre as mesas redondas e os painéis do seminário, o conceito de Agricultura Familiar mostrou-se não como um dado estático, mas como um campo fértil de significados e possibilidades. Sua força não reside apenas na quantidade de alimentos que produz, mas na qualidade do mundo que ajuda a preservar: a biodiversidade, os territórios vivos, a memória coletiva, a soberania dos povos.
A Declaração de Porto Alegre traça quatro eixos fundamentais para compreender o papel estratégico da agricultura familiar no presente e no porvir:
1. A agricultura familiar como resposta às mudanças climáticas e ambientais.
De mãos dadas com a agroecologia, os sistemas agroflorestais, a produção sustentável e o uso racional de energia, os agricultores familiares têm contribuído, de forma concreta, para a mitigação dos efeitos da crise climática e a adaptação das comunidades aos novos tempos.
2. Pilar das transições alimentares e agroecológicas.
A diversidade de cultivos, a flexibilidade dos modelos produtivos, a conexão com os territórios e as formas inovadoras de comercialização — como as plataformas digitais e as compras institucionais — fazem da agricultura familiar uma base resiliente e necessária para redesenhar os sistemas alimentares do século XXI.
3. Motor do emprego e da ocupação digna.
Em países da África Subsaariana, da Ásia e da América Latina, a agricultura familiar é ainda a principal fonte de trabalho, tanto remunerado quanto não remunerado. Nos países industrializados, ela enfrenta o desafio da sucessão rural, enquanto se reinventa diante de novos modelos e expectativas sociais.
4. Protagonista nas cidades.
Durante crises como a pandemia de COVID-19, foram os agricultores familiares que garantiram o abastecimento dos mercados e das mesas, reinventando os caminhos entre o campo e a cidade com criatividade, solidariedade e inovação.
A Declaração de Porto Alegre, portanto, não é apenas uma carta de intenções. É um convite à ação. Um apelo para que governos, instituições multilaterais e a sociedade civil reconheçam que não há transição possível — nem ecológica, nem alimentar, nem social — sem a centralidade da agricultura familiar.
Nas palavras de muitos que tomaram a palavra no seminário, a agricultura familiar é mais do que um modo de produção: é uma forma de habitar o mundo. De cuidar do que é comum. De tecer, com o suor das mãos e a sabedoria dos antepassados, um futuro onde a comida não seja mercadoria, mas direito; onde a terra não seja exploração, mas parceria; onde o campo não seja abandono, mas destino.
A partir de Porto Alegre, essa visão se projeta agora para o mundo. Como semente lançada ao vento. Como esperança que brota, em silêncio, sob os pés atentos da história.
Baixe aqui a Declaração de Porto Alegre (em Português, Espanhol, Francês e Inglês)