Por José Giacomo Baccarin e Gustavo Jun Yakushiji | 16/04/2025
Introdução
Consideram-se dois movimentos nos preços dos alimentos, entre os anos e entre os meses de determinado ano agrícola (julho de um ano a junho do ano seguinte). A justificativa da análise mensal é que a colheita dos produtos agrícolas, de maneira geral, é sazonal, concentrando-se em poucos meses, quando os preços tendem a cair. No caso dos animais criados à pasto, a produção tende a ser menor nos meses de inverno e com menos chuvas.
A sazonalidade da produção agrícola interna (e seus efeitos sobre os preços) pode ser contra restada por movimentos de exportação e importação de produtos comercializáveis (com comércio exterior expressivo). Também a variação de estoques, para produtos não perecíveis, pode reforçar ou diminuir a oferta interna.
Outro ponto a se considerar, inicialmente, é que a transmissão da variação dos preços agrícolas para os preços dos alimentos depende do nível de processamento industrial. Nos alimentos in natura ou minimamente processados, essa transmissão tende a ser mais intensa. Nos produtos processados, a participação das matérias primas agrícolas no custo médio de produção é menor e parte da variação de seus preços pode ser absorvida na transformação industrial e não repercutir, integralmente, no preço ao consumidor.
De forma semelhante, os preços da alimentação no domicílio tendem a apresentar maiores flutuações que os da alimentação fora do domicílio. Estes têm o custo muito influenciado pelos serviços, como aluguéis, e salários, o que amortece, até certo ponto, as pressões inflacionárias vindas das cadeias agroalimentares.
Para o período julho de 2022 a março de 2025, comparam-se as variações mensais nos preços dos alimentos com as variações do conjunto dos preços ao consumidor no Brasil. Usam-se informações do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), comparando, inicialmente, o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) e o IPAB (Índice de Preços de Alimentação e Bebidas), um dos nove grupos que compõem o IPCA. Em seguida, comparam-se o IPAD (Índice de Preços da Alimentação no Domicílio) e o IPAF (Índice de Preços da Alimentação Fora do Domicílio), dois subgrupos que representam, respectivamente, próximo a 70% e 30% do IPAB (IBGE, 2025). Por fim, analisam-se as variações dos preços de alimentos de acordo com os níveis de processamento, adaptando-se a metodologia desenvolvida por Monteiro et al (2018) na reclassificação dos 159 subitens do IPAD.
Toma-se o ano agrícola como período básico de análise, ressaltando que para 2024/25 as informações resumem-se aos nove meses encerrados em março de 2025, a última disponível quando da redação do texto.
Resultados – Subgrupos do IPAB
Pela Tabela 1 percebe-se que, em todos os anos, a média mensal do IPAB foi maior que a do IPCA, caracterizando a chamada inflação de alimentos ou seu encarecimento relativo, por período considerável. Entre os anos, verifica-se crescimento das médias, tanto do IPCA quanto do IPAB, ressaltando que informação mais precisa da tendência interanual será obtida quando se dispuser dos dados dos meses de abril, maio e junho de 2025.

Em decorrência do aumento da participação brasileira nas exportações agrícolas mundiais, as condições do comércio internacional ajudam a entender as variações nas médias do IPAB e do IPAD. Entre julho de 2022 e junho de 2023, o Índice de Preços dos Alimentos da FAO (IPA/FAO) apresentou redução de 14,6%, seguido pela queda de 4,4%, entre julho de 2023 e junho de 2024. Por sua vez, de junho de 2024 a março de 2025, houve elevação de 3,3% no IPA/FAO, ao que somou a forte desvalorização cambial do Real no segundo semestre de 2024 (FAO, 2025, IPEA, 2025). Com isso, houve crescimento do IPAB e do IPAD, entre os três anos considerados, mais forte em 2024/25.
No caso da Alimentação Fora do Domicílio, foi verificada certa estabilidade nos dois primeiros anos e crescimento expressivo em 2024/25. Como se verá adiante, isto se deveu a fatos registrados nos meses finais de 2024.
Os valores do desvio padrão e do coeficiente de variação indicam que as flutuações nos preços dos alimentos e bebidas são mais expressivas que as do conjunto de bens e serviços do IPCA. Nos subgrupos da Alimentação e Bebidas, as flutuações são mais intensas no subgrupo da Alimentação no Domicílio, em linha com o que acontece com os preços agrícolas. Por seu lado, o desvio padrão e o coeficiente de variação da Alimentação Fora do Domicílio são menores, indicando que IPAF sofre menor influência das flutuações dos preços agrícolas.
Na Figura 1, os dados de 2023/24 e 2024/25 mostram que a elevação dos preços dos alimentos é maior nos meses de primavera/verão do que no outono/inverno, quando a colheita de grãos já ocorreu e a produção de olerícolas aumenta, o que mais do que compensa a menor oferta de carne e leite no período. É prudente esperar as informações dos próximos meses para avaliar o acontecido no mês de março de 2025, quando o IPAD atingiu 1,3%, bem acima de abril.

No ano agrícola 2022/23, as flutuações dos preços dos alimentos foram diferenciadas. Uma provável explicação é que a variação sazonal foi sublimada pelos efeitos econômicos da Covid 19. A partir do início de 2020, observou-se forte aumento dos preços dos alimentos no mundo, que alcançou seu maior valor em março de 2022, seguido de queda intensa até o final deste ano (FAO, 2025). Desta forma, o IPAD mostrou-se bem mais alto em julho do que em novembro e dezembro de 2022, diferentemente do que, normalmente, se observa.
Na Figura 2 percebe-se que não houve tantas oscilações na variação dos preços dos alimentos fora do domicílio em 2022/23 e 2023/24, com exceção da passagem de julho a agosto de 2022. Esta exceção mostra-se coerente com a diminuição, no segundo semestre de 2022, das restrições sanitárias, que levaram à menor frequência de bares e lanchonetes e restaurantes durante a Covid 19. As menores flutuações nos outros meses confirmam que os impactos das variações de preços agrícolas não atingem tão fortemente a Alimentação Fora do Domicílio, cujos custos, como já informado, são muito dependentes dos serviços e salários urbanos.

Contudo, em 2024/25, as flutuações de preços da Alimentação Fora do Domicílio foram maiores, com crescimento expressivo no IPAF, de 0,3%, em setembro, para 1,2%, em dezembro de 2024. Uma explicação, é que entre setembro e dezembro de 2024, verificou-se aumento de 23,9% no item carnes (IBGE, 2025), em que estão incluídos os cortes bovinos e suínos, com presença significativa no cardápio dos estabelecimentos que fornecem refeições. Estes conseguiram repassar parte dessa pressão de custos aos consumidores, em face ao aquecimento da demanda, proporcionada pela queda do desemprego e elevação da renda no Brasil, ao que se juntou o acréscimo de gastos de consumo no final do ano.
Resultados – Agrupamentos de Acordo com Grau de Processamento
Monteiro et al (2018) classificam os alimentos em quatro grupos, de acordo com a extensão e a finalidade do processamento. O G1 é dos alimentos in natura e dos minimamente processados, que aqui será dividido em G1.1, dos alimentos in natura e G1.2, dos minimamente processados. Os outros três grupos, sem modificação, são G2 – ingredientes culinários processados, G3 – alimentos processados e G4 – alimentos ultraprocessados.
A Tabela 2 apresenta estatísticas básicas para os cinco grupos acima descritos. O maior aumento médio foi observado no G1.1 e o menor, no G1.2. Em estudo anterior para um período maior, de 2007 a 2021, tanto o G1.1 quanto o G1.2 registraram variações de preços bem mais significativas que os outros três grupos (BACCARIN et al., 2023). Provavelmente, esta é a situação padrão, pois no G1.2, em que predominam os lácteos e as carnes, o peso das matérias primas agrícolas tende a ser maior do que nos outros três grupos, G2, G3 e G4.

Quanto ao desvio padrão e coeficiente de variação eles foram bem maiores no G1.1 e G1.2. No período mais recente, as flutuações do G1.2 destoaram do verificado de 2007 a 2021, quando se assemelharam às dos outros três grupos compostos por produtos industrializados. Com exceção do G1.1, nos outros quatro grupos predominam produtos de indústrias com nível de concentração expressivo, permitindo que as empresas consigam evitar que as flutuações de preços das matérias primas agrícolas sejam repassadas, imediatamente, para o preço de seus produtos. Na Figura 3 evidencia-se como as flutuações dos preços dos produtos in natura, do G1.1, são muito mais expressivas que as dos produtos ultraprocessados, do G4.

Considerações Finais
Para melhor compreensão das variações dos preços dos alimentos no Brasil é importante considerar os processos ao longo dos anos e as variações sazonais. Há indicações de que o aumento dos preços dos alimentos, bem como do conjunto de bens e serviços, vem se acentuando, desde julho de 2022. Contudo, sugere-se que isto seja ou não confirmado quando estiverem disponíveis as informações dos últimos três meses de 2024/25.
Dando sequência ao ocorrido desde 2007, os últimos três anos mostram que a inflação de alimentos tem se manifestado claramente no Brasil. Isto está em linha com a elevação das cotações externas e internas dos produtos agrícolas. A transformação industrial, em dependência da participação das matérias primas agrícolas em seus custos de produção, tem conseguido amenizar os impactos do aumento ou diminuição de preço agrícola, que não é repassado, integralmente, ao consumidor.
Ademais, as flutuações dos preços dos alimentos com maior nível de processamento mostram-se menos intensas que a dos produtos in natura. Também são menos intensas as flutuações dos alimentos fora do domicílio, vis a vis os alimentos no domicílio. Aqueles são impactados não apenas pelos preços agrícolas, mas também pelos preços de serviços urbanos e valor dos salários.
José Giacomo Baccarin é Professor Economia Rural e Política Agrícola UNESP, campus Jaboticabal (SP). Credenciado Pós-Graduação Geografia UNESP, campus Rio Claro (SP). Diretor Instituto Fome Zero. E-mail: [email protected]
Gustavo Jun Yakushiji é Engenheiro Agrônomo e Mestrando em Estatística e Experimentação Agronômica pela ESALQ/USP.
Referências
BACCARIN, J. G. et al. Características da inflação de alimentos no Brasil, antes e durante a pandemia da Covid 19. In: 61º. Congresso da SOBER. Piracicaba (SP), 2023.
FAO. Índice de precios de los alimentos de la FAO. Food and Agriculture Organization, 2025. Disponível em: https://www.fao.org/worldfoodsituation/foodpricesindex/en/. Acesso em 7 de abril de 2025.
IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Índice de Preços ao Consumidor Amplo. Disponível em https://sidra.ibge.gov.br/home/ipca/brasil. Acesso em 13 de abril de 2025.
MONTEIRO C. A.; CANNON G.; MOUBARAC J. C.; LEVY R. B.; LOUZADA M. L. C.; JAIME P. C. The UN Decade of Nutrition, the NOVA food classification and the trouble with ultra-processing. Public Health Nutrition, v. 21, n. 1, p. 5-17, 2018. https://doi.org/10.1017/S1368980017000234.
