El Niño puxa inflação de alimento no trimestre

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Fenômeno climático agrega 0,46 ponto percentual ao IPCA e impede queda maior do segmento

Por Lucianne Carneiro no Valor Econômico | 03/01/2024

RIO DE JANEIRO | O fenômeno do El Niño – que provoca aquecimento acima de 0,5 grau nas águas do Pacífico – significou 0,46 ponto percentual a mais na inflação dos alimentos consumidos em casa no terceiro trimestre de 2023, mostra um estudo da LCA Consultores. De julho a setembro, os preços da alimentação no domicílio caíram 2,97%. Sem a influência do El Niño, a queda teria sido maior, de 3,43%.

No resultado acumulado nos 12 meses até setembro, o efeito do El Niño chegou a 0,62 ponto percentual. Isso significa que, se descontado o fenômeno climático, a deflação na alimentação no domicílio no período teria sido de 1,40% e não de 0,78%, como registrada. Os resultados mostram que o efeito do El Niño nos preços de alimentos já é uma realidade e deve ser um fator a mais de pressão para a inflação em 2024, segundo o responsável pelo trabalho, o economista Bruno Imaizumi.

“A questão climática foi bem severa em 2023. Os economistas falam sobre o impacto do El Niño sobre os preços de alimentos, como soja, arroz e outros. Mas pouco se sabe sobre a real influência. A ideia do estudo é quantificar isso, para deixar mais clara a extensão do impacto”, explica Imaizumi.

O estudo da consultoria reproduz um cálculo realizado pelo Banco Central em 2019, inicialmente como parte do Relatório Trimestral de Inflação. O modelo matemático usa variáveis como o Índice de Commodities – Brasil (IC-Br), usado como referência para inflação externa; o Oceanic Niño Index (ONI) – que mede a temperatura do Oceano Pacífico equatorial, para identificar a intensidade do fenômeno climático; o volume de chuva no Brasil pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet); e o dado da alimentação no domicílio pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Além disso, entra na conta também o chamado hiato do produto calculado pelo Banco Central, medida de ociosidade da economia, que indica o quanto a atividade econômica precisa crescer ou desacelerar para atingir o potencial.

Segundo o economista, os números indicam uma concentração da influência no terceiro trimestre – que responde por 0,46 ponto percentual do 0,62 ponto percentual nos 12 meses até setembro -, após a onda de calor observada no período, mas podem apontar para repercussão ainda maior daqui para a frente.

Impacto nos preços

“A gente poderia ter visto alívio mais forte nos preços de alimentos, que não ocorreu por causa do El Niño. É preciso alertar que os reflexos já estão acontecendo. O impacto é mais concentrado no terceiro trimestre e pode ser maior no quarto trimestre e também no início de 2024”, afirma ele.

O estudo também estima o impacto das chuvas na inflação de alimentos. No terceiro trimestre, a influência foi de 0,14 ponto percentual. No resultado acumulado em 12 meses, esse impacto é calculado em -0,36 ponto percentual, ou seja, ajuda a pressionar os preços para baixo.

De acordo com Imaizumi, embora ainda não haja confirmação, há evidências, nos dados registrados até novembro, que os impactos do El Niño nos preços de alimentos serão mais fortes nos próximos meses. “O fenômeno deve se intensificar para os dados que ainda serão divulgados para o quarto trimestre e será prolongado, pelo menos, para primeiro trimestre deste ano”, nota.

A projeção da inflação de alimentos da LCA Consultores já considera esse cenário. Os preços da alimentação no domicílio devem fechar 2023 com a primeira deflação desde 2017, quando foi de 4,85%. Até novembro, o recuo em 12 meses estava em 1,14% e a LCA projeta -1,26% em 2023. Para 2024, a consultoria estima alta de 5,10% nos preços de alimentos, o que já engloba essa influência do El Niño, segundo Imaizumi.

No Brasil, o fenômeno do El Niño geralmente provoca secas nos rios das regiões Norte e Nordeste e incêndios florestais na Amazônia. Além disso, também costuma causar temperaturas mais altas no Sudeste e no Sul do país, além de favorecer elevação do volume de chuva nos Estados do Sul.

Por enquanto, o atual El Niño é classificado como de intensidade moderada-forte, abaixo daquele registrado nos anos de 2015-16, caracterizado como o mais forte entre os mais recentes. Naquele momento, lembra o economista, os preços da alimentação no domicílio subiram 14,7% nos 12 meses até junho de 2016, e o El Niño respondeu por 6,5 pontos percentuais da alta, quase metade da variação.

“A gente não sabe como esse atual El Niño vai andar. Mas, se for classificado como forte de novo, pode ter impacto maior. É preciso observar como será o comportamento nos próximos meses”, aponta Imaizumi.

Bancos centrais de diferentes países intensificaram, em 2023, as preocupações em relação aos efeitos das mudanças climáticas na inflação, inclusive no Brasil. Diferentes documentos da autoridade monetária brasileira apontaram para a questão, como a mais recente ata do Comitê de Política Monetária (Copom). “O Comitê, após acumular mais evidência, elevou um pouco o impacto inflacionário do fenômeno climático do El Niño sobre a inflação de alimentos”, alertou o texto.

Publicado no Valor Econômico
https://valor.globo.com/brasil/noticia/2024/01/03/el-nino-puxa-inflacao-de-alimento-no-trimestre.ghtml