Novas fontes de renda sustentam o consumo das famílias

Em comparação com 2019, houve um aumento expressivo de pessoas que ganharam alguma forma de renda assistencial, trabalhista ou previdenciária, diz Fernando Montero, da Tullett Prebon

Por Sergio Lamucci no Valor Econômico | 08/01/2024

A força do consumo das famílias é um dos fatores que levaram a economia brasileira a crescer cerca de 3% em 2023, segundo estimativas dos analistas, um desempenho bem melhor que o 0,8% previsto no fim de 2022. O resultado excepcional da agropecuária, pelo lado da oferta, e o impulso do setor externo, pelo lado da demanda, também contribuíram para uma expansão mais robusta da atividade no ano passado, mas o comportamento do consumo privado teve um papel de destaque, o que vem ocorrendo desde 2021.

Os números do PIB de 2023 serão conhecidos apenas no começo de março deste ano, mas o consenso de mercado aponta para uma expansão de 3,2% para a demanda das famílias. No fim de 2022, os analistas também esperavam para o principal componente do PIB pelo lado da demanda um crescimento de apenas 0,8% no ano passado. O economista-chefe da corretora Tullett Prebon, Fernando Montero, aponta dados que ajudam a explicar a sustentação do consumo privado, ressaltando “o notável avanço em tempos recentes da população que ganhou alguma forma de renda assistencial, trabalhista ou previdenciária”.

“Somamos 16,3 milhões de fontes adicionais de renda nos últimos quatro anos, para uma população que avançou 4,1 milhões de pessoas no mesmo período”, diz Montero. Em relação a 2019, há 5,1 milhões a mais de trabalhadores empregados, 3,4 milhões a mais de pessoas recebendo aposentadorias e benefícios assistenciais do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e 7,9 milhões de benefícios a mais do Bolsa Família, enquanto houve uma queda de apenas 71,3 mil pessoas que recebem o seguro-desemprego. O economista fez a comparação dos números de 2023 com os de 2019 para “limpar” o efeito do auxílio emergencial nos anos da pandemia da covid-19, que começou em 2020.

É um volume impressionante de novas fontes de renda no período – Montero não fala em 16,3 milhões a mais de aposentados, beneficiários de programas sociais e assistenciais e trabalhadores ocupados porque pode haver alguma dupla contagem, com pessoas passando a receber mais de um deles nos últimos quatro anos. Em tese, porém, é algo que não deve ser relevante, porque “muitos são ou deveriam ser excludentes”, observa ele. No INSS, o total de pessoas que recebem aposentadorias, pensões e benefícios assistenciais (como os voltados para idosos de baixa renda e pessoas com deficiência) ficou um pouco superior a 39 milhões em novembro passado. A população ocupada, por sua vez, atingiu 100,5 milhões de trabalhadores nos três meses encerrados em novembro, enquanto o número de famílias beneficiadas pelo Bolsa Família terminou 2023 em 21,1 milhões.

“Quanto mais próximo do consumo das famílias, mais resiliência vemos na atividade”, afirma Montero. Ao comentar as 16,3 milhões de fontes adicionais de rendimento em quatro anos, ele diz que não há aí apenas mais renda, mas também mais segurança para quem recebe esses recursos. Isso significa maior confiança para consumir.

Montero tem destacado o aumento de grandes agregados de renda para explicar a força do consumo privado, além do barateamento da cesta básica, que favorece especialmente a população de baixa renda. No acumulado em 12 meses, a chamada Renda Nacional Disponível Bruta das Famílias em seu conceito restrito cresceu mais de 8%, descontada a inflação, na média dos três meses até outubro, segundo números do Banco Central (BC). Aí estão incluídos os rendimentos do trabalho, benefícios previdenciários e transferências de programas sociais, excluindo recursos de aluguéis e aplicações financeiras e descontando os gastos com impostos. Na média mensal até outubro, esse agregado de renda ficou em R$ 476,4 bilhões.

O comportamento da inflação de alimentos também ajuda a entender o ímpeto do consumo das famílias. Em 2023, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo -15 (IPCA-15) subiu 4,72%, com o grupo alimentação no domicílio recuando 0,83%. Para comparar, os alimentos em casa acumulavam alta de 17,46% nos 12 meses até julho de 2022. Em resumo, a combinação de todos esses fatores impulsionou o consumo das famílias, que no terceiro trimestre de 2023 teve alta de 1,1% em relação ao trimestre anterior, período em que o PIB cresceu 0,1%.

Para 2024, a expectativa dos economistas é que o PIB brasileiro cresça entre 1,5% e 2%, perdendo fôlego em relação ao ritmo de 3% registrado em 2022 e 2023, dados os impactos defasados dos juros altos e um resultado mais fraco da agropecuária. O cenário inclui desaceleração do consumo das famílias, que tenderia a avançar a uma velocidade mais baixa, no mesmo intervalo da expansão do PIB. Os economistas, porém, subestimaram o crescimento nos últimos três anos, também apostando num desempenho mais fraco do consumo privado do que o efetivamente observado. Se o mercado de trabalho não deverá ser tão forte como nos últimos dois anos, as transferências de renda via Bolsa Família não vão aumentar e os alimentos não terão outra deflação, a queda dos juros e algum alívio no nível de endividamento podem dar fôlego às famílias neste ano.

O problema maior da atividade tem sido o investimento, cuja expansão é fundamental para garantir o crescimento da economia a taxas mais elevadas de modo sustentado. Em 2023, a formação bruta de capital fixo (FBCF, medida do que se investe em máquinas e equipamentos, construção civil e inovação) deve ter recuado 2,5%, segundo o consenso do mercado. Juros altos freiam as decisões das empresas de modernizar e ampliar a capacidade produtiva, e incertezas sobre as contas públicas também podem atrapalhar esse processo. Para 2024, juros menores tendem a melhorar as perspectivas para o investimento, assim como a aprovação da reforma tributária, ainda que as mudanças no sistema de impostos do país não entrem em vigor de imediato.

Nesse cenário, reduzir as dúvidas quanto à trajetória fiscal de longo prazo também é importante para que as empresas possam investir e contratar com confiança. Sem uma expansão firme do investimento, a economia terá fôlego curto, afetando o mercado de trabalho ao longo do tempo e, com isso, minando o desempenho do consumo das famílias.

Sergio Lamucci é editor-executivo e escreve quinzenalmente
E-mail: sergio.lamucci@valor.com.br

Publicado originalmente no Valor Econômico
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