Não há segurança alimentar sem água

Uso indevido impacta diretamente o cultivo e a qualidade dos alimentos

Por Rafael Zavala, Daniel Balaban, Claus Reiner e Gabriel Delgado no Valor Econômico | 27/10/2023

Em 2023, de forma muito oportuna, o Dia Mundial da Alimentação, celebrado em 16 de outubro, trouxe uma mensagem poderosa: “Água é Vida, Água é Alimento”. A escolha desse tema ressalta a relação direta existente entre água e segurança alimentar. É um lembrete de que precisamos proteger e utilizar a água de maneira sustentável e resiliente se quisermos continuar a garantir alimentos de qualidade a toda a população mundial.

A água, elemento vital para a sobrevivência de todas as formas de vida na Terra, é um recurso finito que desempenha papel crucial na segurança alimentar global. Apesar de ocupar 71% da superfície do planeta, apenas 3% é adequada para consumo, agricultura e usos industriais. O Brasil, reconhecido por sua vasta biodiversidade e costa marítima com mais de 7 mil km de extensão, também responde por boa parte da produção mundial de alimentos. Por isso, é urgente fortalecer ações e políticas que visem a preservação deste importante recurso, cada vez mais ameaçado frente ao exponencial crescimento da população, à urbanização, às pressões econômicas, às mudanças climáticas, dentre outros fatores.

A agricultura é altamente dependente dos recursos hídricos, que perpassam por todos os estágios da produção agrícola, desde a irrigação de plantações até o fornecimento de água potável para o gado. Seu uso indevido, portanto, impacta diretamente o cultivo e a qualidade dos alimentos que estão disponíveis e que consumimos.

Vivemos atualmente o grande desafio de erradicar a fome e combater a insegurança alimentar. As experiências bem sucedidas no enfrentamento destas questões, quando aliadas às várias iniciativas e práticas agrícolas implementadas, nos mostram que é possível caminhar rumo a uma melhor governança dos recursos hídricos, preservar a biodiversidade e fomentar o desenvolvimento socioeconômico de comunidades rurais e ribeirinhas.

Frente a este objetivo, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) no Brasil busca trabalhar de forma intensa nos seis biomas do país, de norte a sul, trabalha incansavelmente de Norte a Sul, incentivando a adoção e o fortalecimento de práticas agrícolas sustentáveis. Nestes esforços, natureza, sociedades e meios de produção convergem rumo à conservação ambiental, garantia da segurança alimentar e acesso a recursos e direitos.

Projetos financiados pelo Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF) atuam em ecossistemas como a Mata Atlântica, cuja preservação está integrada a modos de cultivo tradicionais; ou a Caatinga, o único ecossistema exclusivamente brasileiro. Ali, a intenção é combater os processos de degradação da terra, apoiar o poder público na implementação de políticas de combate à desertificação e fortalecer comunidades para que sejam capazes de desenvolver uma agricultura de subsistência sustentável, comprovando que a convivência com o semiárido é possível.

Na bacia da Lagoa Mirim, localizada na fronteira entre Brasil e Uruguai, as parcerias visam promover a gestão integrada dos recursos hídricos. E na região amazônica de Mamirauá, busca-se trabalhar para diversificar e fazer uso sustentável da sociobiodiversidade, garantindo que a água continue sendo fonte de renda para as comunidades locais.

O Centro de Excelência contra a Fome do Programa Mundial de Alimentos (WFP), tem apoiado dezenas de países da África, Ásia e América Latina na busca de soluções de combate à fome e promoção da alimentação adequada. O Projeto Além do Algodão, por exemplo, apoia países a conciliar a produção sustentável de algodão e seus subprodutos à produção de alimentos e sistemas agroflorestais. O projeto promove a utilização de soluções simples, mas de grande impacto, como sistemas de irrigação via gotejamento, abertura de cisternas, implantação de barragens subterrâneas e a adoção dos chamados “canteiros econômicos”, que demandam cerca de 50% menos águas na produção de alimentos quando comparados aos convencionais.

No Brasil, o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (Fida) investe em projetos que atuam com famílias rurais, mulheres, jovens, comunidades tradicionais e originárias, executados pelos governos estaduais e federal, em apoio ao desenvolvimento rural sustentável e inclusivo. Na última década, junto ao governo brasileiro e uma ampla rede de parceiros, investiu em seis projetos na região Nordeste.

O novo portfólio de projetos, atualmente em preparação, prevê oito novos projetos de investimento voltados ao combate das desigualdades rurais e ao fortalecimento da agricultura familiar, sempre com especial atenção a temas climáticos e à agroecologia.

O Fida também traz recursos e soluções para apoiar o enfrentamento à pobreza e à fome no campo. Muitas das atividades desenvolvidas contribuem para o acesso à água, tanto para uso doméstico, quanto para produção. Com baixo custo e eficácia comprovada, tecnologias sociais chegam às famílias rurais por meio de cisternas, barragens subterrâneas, reúso de água doméstico, dessalinização e micro irrigação, entre outras.

Para garantir água no longo prazo, é preciso um arcabouço institucional. O Brasil possui Política e Plano Nacional de Recursos Hídricos e também para o Saneamento. O Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) atua com os Ministérios do Meio Ambiente e Mudança do Clima e das Cidades, com a Agência Nacional de Águas e Saneamento, a Embrapa e o Estado da Bahia em diferentes projetos de cooperação técnica que incluem desde o planejamento e gestão integrada dos recursos hídricos para garantir segurança hídrica para todos os usos, até a implementação de políticas públicas para melhorar o acesso a água no semiárido, sobretudo para a agricultura familiar, o reúso, e saneamento em regiões menos desenvolvidas.

Implementar a Lei e incentivar práticas como estas citadas acima é fundamental para garantir a segurança alimentar de forma integrada com a biodiversidade e preservação dos recursos hídricos, principalmente em um contexto alarmante dos efeitos das mudanças climáticas, como as secas na região Amazônica e enchentes no sul do país. Também é preciso considerar o contexto de recuperação econômica pós-pandemia, e práticas como essas apoiam a subsistência de muitas famílias rurais..

Celebramos o Dia Mundial da Alimentação em 2023 com a compreensão de que água é vida e alimento. Preservar é urgente e crucial para garantir que todas as pessoas, de hoje e das futuras gerações, tenham acesso a um mundo justo, igualitário, onde todas as pessoas possam usufruir de seus recursos e seus direitos, sem deixar ninguém para trás.

Rafael Zavala é representante da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
Daniel Balaban é representante do Programa Mundial de Alimentos (WFP).
Claus Reiner é diretor de País do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA).
Gabriel Delgado é representante do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA).

Publicado originalmente no Valor Econômico
https://valor.globo.com/google/amp/opiniao/coluna/nao-ha-seguranca-alimentar-sem-agua.ghtml