Por José Paulo Kupfer no UOL | 22/01/2025
Na profusão de notícias dos últimos dias, está passando quase despercebido o novo mote do governo Lula para a segunda e última metade do atual mandato. Na reunião ministerial desta segunda-feira (20), o presidente anunciou que, depois de “União e Reconstrução”, lema do início do governo, a palavra de ordem, em 2025 e 2026, será “União, reconstrução e comida barata na mesa do trabalhador”.
Assim como em outras ideias e políticas anunciadas por Lula — a da isenção do Imposto de Renda para rendas até R$ 5 mil mensais é o caso mais notório —, a promessa de baratear o preço dos alimentos parece ter sido lançada sem ser precedida de estudos e da formulação de medidas capazes de implementá-la com sucesso.
De olho em 2026
A coordenação da eventual política de redução dos preços dos alimentos, os ministérios e órgãos envolvidos e, mais ainda, as medidas efetivas que poderiam resultar no barateamento da comida ainda não são conhecidos.
Por enquanto, é mesmo só a sensibilidade política de Lula que está operando. Lula já está de olho nas eleições de 2026 e sabe que inflação alta, principalmente com alimentos caros, é um dos maiores cabos eleitorais negativos.
Lula farejou ou teve informações de que existem projeções de alta de mais de 10% para preços de alimentos em 2025. De acordo com projeções confiáveis para a evolução dos preços dos alimentos, porém, estas previsões são exageradas.
Perto do média histórica
O economista Fábio Romão, da consultoria LCA 4intelligence, um dos mais experientes especialistas em acompanhamento de preços, estima alta do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) neste ano em 5,4%, com variação na vizinhança de 6%, no conjunto de preços de alimentos. Em 2024, os preços da alimentação subiram 8,2%. Do início dos anos 2010 para cá, a alta dos preços de alimentos só ficou abaixo da inflação geral em 2017 (menos 4,99%) e 2023 (menos 0,5%).
De todo modo, não será fácil cumprir mais esta promessa de Lula. Pelo menos sem intervenções fortes do governo nos mecanismos de mercado.
Ainda que a pressão exercida em 2024 mostre tendência de alívio em 2025, a inflação de alimentos continuará não muito distante da média histórica dos últimos 15 anos, perto de 8%.
“Não se pode dizer que a alta prevista seja benigna, mas é muito provável uma desaceleração em relação a 2024”.
– Fábio Romão, economista da LCA 4intelligence
O peso da carne
Um bom exemplo do que a tendência dos preços de alimentos sinaliza pode ser encontrado no sensível item “carne bovina”. Além de entrar com peso alto no IPCA, carnes bovinas também pesam na formação do sentimento da população em relação à inflação.
Se, em 2024, o preço de carnes bovinas subiu 20,8%, nas previsões de Romão, a alta, em 2025, pode chegar a 16%. Um avanço em ritmo menor, mas ainda assim bem puxado.
Seca em largo período do ano passado e cotação mais alta do dólar, no segundo semestre, estimulando exportações para uma demanda externa crescente, sobretudo da China, explicam a explosão dos preços internos.
A situação está se apresentando um pouco melhor em 2025. Não são esperados fenômenos climáticos desfavoráveis no ano e as previsões são de que a safra de grãos será novamente recorde. Ao mesmo tempo, embora o dólar se mantenha nas proximidades de R$ 6, a expectativa de uma relativa estabilidade na taxa de câmbio ajuda a reduzir pressões sobre preços de alimentos.
O fator Trump
Há mais incertezas com relação ao que poderá ocorrer com as exportações, diante do que será efetivamente posto em prática pelo novo presidente americano, Donald Trump.
O Brasil é um dos principais fornecedores mundiais de alimentos e, como competidor de peso no mercado global, dificilmente deixará de ser afetado, para o bem ou para mal, pela política tarifária que os Estados Unidos vierem a adotar.
Ao mesmo tempo em que Trump já anunciou que fará esforços para conter o custo de vida no país, não é impossível que venha a negociar com a China uma redução das tarifas que seriam impostas às importações americanas de produtos chineses por compras mais volumosas do agro americano pela China. A agricultura americana vive um período de declínio que o presidente eleito para “fazer a América grande de novo” pretende reverter.
Nesse caso, ainda hipotético, as exportações brasileiras enfrentariam barreiras que, eventualmente, redirecionariam produção para o mercado interno. Aumento da oferta de grãos e sobretudo de carnes ajudaria a conter o preço dos alimentos, no plano doméstico.
Intervenção e gasto público
Operar mais ativamente para oferecer comida barata, contudo, exige intervir nos mecanismos de mercado. A promessa de Lula implica, inevitavelmente, em ampliar gastos públicos. Eis uma lista de medidas que poderiam ser adotadas pelo governo para conter preços de alimentos:
- Desonerar tributos que incidem sobre alimentos;
- Reduzir impostos de importação;
- Reforçar estoques reguladores e a política de preços mínimos;
- Destinar mais incentivos ao Plano Safra 2025-2026, depois do recorde de recursos em 2024-2025, e à agricultura familiar;
- Adotar linhas de crédito subsidiado à produção.
A primeira medida que se pode imaginar seria a de isenção de impostos para o conjunto dos alimentos ou, especificamente, para aqueles com maior desequilíbrio entre demanda e oferta. A reforma tributária do consumo garantiu isenção de tributos para uma cesta básica de alimentos ampliada, mas seus efeitos práticos só poderão ser sentidos a partir de 2027.
O exemplo mais recente da aplicação de políticas do tipo, não em alimentos, foi a da desoneração de tributos incidentes sobre combustíveis pelo então presidente Jair Bolsonaro, no ano eleitoral de 2022. Ainda que não tenha sido suficiente para reeleger Bolsonaro, a medida funcionou e os preços ficaram mais comportados. Mas foi custosa a recomposição de receitas públicas, executada pelo governo Lula, a partir de 2023.
Lembrança do feijão preto
No limite, o governo poderia até recorrer a compras no exterior de alimentos com peso na mesa de consumo brasileira, a exemplo do que fazia o então ministro Delfim Netto, no início dos anos 70, caçando feijão preto em países produtores mundo afora para reforçar a oferta interna e segurar preços.
O feijão tinha ser do tipo preto porque, na época, o ICV (Índice de Custo de Vida), que fazia parte do IGP (Índice Geral de Preços), o índice oficial de inflação, só era apurado pela FGV (Fundação Getúlio Vargas) no Rio de Janeiro, onde o feijão preto é o de consumo cotidiano.
Risco para a credibilidade do governo
É certo que a missão de baratear os alimentos decidida agora não será de fácil execução. O uso de recursos públicos para atingir esse objetivo tem cada vez mais limitações, inclusive políticas, num quadro de dívida pública em ascensão, alta de juros básicos e pressões por cortes de gastos.
Há risco, portanto, de Lula acrescentar mais uma promessa difícil de ser cumprida numa lista que já não é pequena e que tem contribuído para minar a credibilidade de seu governo, como se viu no escabroso episódio de mentiras e manipulações da “taxação do pix”.
Publicado originalmente no UOL
https://economia.uol.com.br/colunas/jose-paulo-kupfer/2025/01/22/promessa-de-lula-de-baratear-alimentos-sera-dificil-de-ser-cumprida.htm