A fome é reflexo de um conjunto de circunstâncias que envolvem o sistema agroalimentar, a produção, a distribuição, mas que envolve também as políticas públicas, diz Ricardo Abramovay
Jornal da USP no Ar na Rádio USP | 15/05/2023
O Brasil está entre os maiores produtores agropecuários do mundo. O País também é o primeiro exportador mundial de carne e está entre os cinco primeiros exportadores mundiais de carne de frango e de carne suína. Além desses, soja, milho e cana-de-açúcar agregam à lista.
A agricultura produtiva do Brasil não condiz com as estatísticas de fome no País, como explica Ricardo Abramovay, titular da Cátedra Josué de Castro da Faculdade de Saúde Pública da USP e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP: “A fome não é um fenômeno que possa ser caracterizado de maneira fechada, numa caixinha, ela é um reflexo de um conjunto de circunstâncias que envolvem o sistema agroalimentar, a produção, a distribuição, mas que envolve também as políticas públicas”.
Particularidades da fome
O professor comenta que a fome no Brasil é diferente da fome que acomete outros países: “Essas notícias [sobre fome] se referem a países que estão ou em guerra civil ou que não têm produção alimentar suficiente e dependem de importações de alimentos. E, aí, a população fica fisicamente sem alimentos. Não é o nosso caso. No caso brasileiro, latino-americano em geral, há alimentos suficientes para a população, o que acontece é que nós temos crise econômica, desemprego etc.”.
Num cenário de pouco acesso à alimentação devido ao desemprego, é papel do Estado oferecer políticas que garantam à população o número adequado de refeições por dia: “Essas políticas foram desmanteladas durante o governo de fanatismo fundamentalista que nós tivemos nos últimos quatro anos. Isso precisa ser reconstituído, e para reconstituir isso você precisa de cadastro, eles desmantelaram o Cadastro Único, você precisa mobilizar assistência social, que igualmente foi desmantelada”, defende Abramovay.
Outro fator que está sendo discutido é o aumento de alimentos voltados para o abastecimento interno e sua importância para uma alimentação mais saudável no País. Exemplo disso é a queda da produção do feijão, alimento essencial e nutritivo do cotidiano brasileiro: “Nós temos uma vantagem, como país, de termos o hábito de consumo de feijão com arroz, que é um alimento muito saudável. Nós ainda não temos um consumo de alimentos ultraprocessados como têm os Estados Unidos, onde 60% das calorias que os americanos ingerem são de alimentos ultraprocessados”.
Novas perspectivas
Para combater a fome é preciso pensar grande. Abramovay dá alguns exemplos de como enfrentar esse problema com reformulação do sistema produtivo e mais políticas públicas: “Nós precisamos de uma reforma tributária saudável, sustentável e solidária. Isso significa que nós vamos tributar aqueles produtos que fazem mal para a saúde, mesmo que esses produtos criem emprego, mesmo que esses produtos gerem arrecadação tributária e até algum tipo de inovação tecnológica. Se eles fazem mal à saúde, eles têm que ser objetos de uma tributação, para que o seu preço aumente e o seu consumo diminua”.
Outra possibilidade é a agricultura urbana: a agricultura urbana tem um potencial imenso. Um estudo do Instituto Escolhas mostra que, em Belém, por exemplo, seria possível, por meio da agricultura urbana, oferecer folhas, hortaliças e uma série de alimentos a uma população maior que a população de Belém. Esse estudo foi feito em São Paulo também, e São Paulo também tem um potencial muito grande, então nós precisamos de maior criatividade para diversificar e sobretudo aproximar a produção agropecuária do consumidor”, conclui.
Publicado originalmente no Jornal da USP
https://jornal.usp.br/radio-usp/reformulacao-do-sistema-produtivo-e-politicas-publicas-podem-enfrentar-a-inseguranca-alimentar-no-brasil/