Ultraprocessados compõem 25% das refeições diárias de crianças com menos de 5 anos, alerta Ministério da Saúde

Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (Enani) mostra ainda que metade não consome frutas diariamente; nova edição da pesquisa começou nesta semana

Aproximadamente 25% das calorias consumidas por crianças abaixo de 5 anos no Brasil é composta por alimentos ultraprocessados – produtos que passam por múltiplos processos industriais, contêm corantes, emulsificantes, aromatizantes e outros aditivos e são associados a uma série de doenças. Entre aquelas de 2 a 5 anos, essa proporção é ainda maior: 30%.

O dado faz parte da primeira edição do Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (ENANI), que visitou 15 mil famílias pelo Brasil entre 2019 e 2020. Além disso, o estudo do Ministério da Saúde, coordenado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mostra que metade das crianças na faixa etária não consome frutas diariamente e que 3 em cada 5 ingerem açúcar todos os dias.

— Estudos locais, com amostras menores, já sinalizavam a qualidade ruim da alimentação. Mas nos surpreendemos porque não é aceitável que a qualidade tenha atingido esse nível de inadequação, são informações alarmantes. Os hábitos dessa fase da vida forjam muito os da adolescência, da fase adulta. Então eles influenciam diretamente numa alimentação menos saudável ao longo da vida — afirma Gilberto Kac, coordenador geral do Enani e professor de Nutrição da UFRJ.

O especialista destaca que os impactos na saúde da alimentação com baixo teor nutricional também ocorrem a curto e médio prazo:

— A ausência de certos micronutrientes interferem na cognição e podem atrasar esse desenvolvimento da criança. A adição do açúcar interfere na questão dentária. Vários alimentos interrompem muitas vezes o aleitamento exclusivo, que é fundamental para a imunidade. Então é um conjunto importante de fatores que pode levar a essas consequências negativas.

Os ultraprocessados, por exemplo, foram associados a pelo menos 32 agravos de saúde na maior revisão de estudos já feita sobre o tema, publicada na revista científica The BMJ em fevereiro. Após analisarem 45 trabalhos, que englobam quase 10 milhões de pessoas, os pesquisadores encontraram risco aumentado para doenças cardiovasculares, transtornos mentais, diabetes, entre muitos outros problemas.

Os relatórios do ENANI 2019 estão disponíveis para download em https://enani.nutricao.ufrj.br/relatorios/

Nova edição do Enani

As informações sobre a carência nutricional entre as crianças brasileiras, consideradas alarmantes, são parte de um retrato da alimentação infantil que só é possível graças ao trabalho de dezenas de pesquisadores e cerca de 350 colaboradores, entre supervisores e entrevistadores, que fazem parte do Enani. Nesta semana, uma nova edição do levantamento, o Enani-2024 teve início no país.

— Os governos precisam de estudos nacionais para formular e avaliar políticas públicas. A primeira edição desse estudo, por exemplo, interrompeu um deserto de 14 anos que não tínhamos informações tão completas — diz Kac.

A nova pesquisa vai visitar novamente 15 mil famílias de 124 cidades de todos os estados do país para avaliar práticas de aleitamento materno, os hábitos alimentares, o peso, a altura e a deficiência de vitaminas e minerais em crianças brasileiras de até seis anos e suas mães.

Na coordenação, além da UFRJ estão envolvidas a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), a Universidade Federal do Pará (UFPA), a Universidade Federal do Paraná (UFPR) e a Universidade Federal de Goiás (UFG).

As primeiras visitas serão realizadas no Rio de Janeiro (capital, Belford Roxo, Duque de Caxias, Nova Iguaçu, Niterói, São Gonçalo, Itaguaí e Campos dos Goytacazes); Espírito Santo (Vitória, Serra e Vila Velha); Rondônia (Porto Velho e Ji-Paraná); Tocantins (Palmas e Araguaína); Acre (Rio Branco); Amazonas (Manaus, Itacoatiara e Parintins); e Amapá (Macapá e Santana).

A pesquisa foi dividida em cinco ondas. As próximas terão início em 3 de junho (SP, MA, PA, RS); 1º de julho (DF, GO, MT, MS, PI); 5 de agosto (PR, SC, MG); e 4 de novembro (PE, AL, SE, BA, CE, RN, PB, RR). Veja a lista completa das cidades no fim do matéria.

Kac explica que o tempo exato do período de coleta dos dados dependerá de como a população recebe os entrevistadores. Ele destaca como identificá-los com segurança e aponta que qualquer dúvida pode ser esclarecida pela linha telefônica gratuita: 0800 888 0022. A expectativa é que os primeiros dados sejam compilados no meio do ano que vem.

— Os entrevistadores estão sempre com uma camisa e um crachá do ENANI 2024, com os logos da pesquisa e do Ministério da Saúde. O número de telefone deve ser usado pela família sempre que quiser confirmar qualquer tipo de informação. Temos o site também, onde a família pode verificar a foto do entrevistador. São mecanismos para garantir a segurança — explica.

O professor da UFRJ reforça ainda que a participação é não apenas importante para criar o retrato nacional da alimentação infantil, como também traz benefícios individuais para as famílias que participam.

— A família recebe depois os resultados da avaliação de seu filho e da mãe, se há uma carência nutricional, por exemplo, com as devidas orientações. Então há um benefício pessoal. É um trabalho muito cuidadoso para que a família se sinta acolhida e respeitada — diz.

Todas as informações estão disponíveis no site do ENANI 2024 em https://enani.nutricao.ufrj.br

Fontes: Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (ENANI) e O Globo