Coordenador Nacional do Brasil para a Cupula dos Sistemas Alimentares | 20/07/2023
A Cúpula das Nações Unidas sobre Sistemas Alimentares (2021) representou importante oportunidade para promover sistemas alimentares sustentáveis e que garantam uma alimentação adequada e saudável para todos. Os sistemas alimentares sustentáveis têm papel fundamental no crescimento econômico, no combate à fome e à pobreza, na inclusão social e na proteção do meio ambiente. A forma como produzimos, comercializamos e consumimos alimentos é crucial para a implementação da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e para alcançarmos o futuro que desejamos.
Para o Brasil, sistemas alimentares eficientes, sustentáveis e resilientes são fundamentais para a garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) e para o fornecimento de alimentos saudáveis, a preços acessíveis e em quantidades adequadas para toda a população. Nas últimas décadas, o país tem desenvolvido sistemas alimentares nos quais coexistem agricultura convencional, agroecologia e agricultura orgânica. Alguns dos elementos centrais que têm orientado esse desenvolvimento são os investimentos em ciência, tecnologia e inovação, a promoção da agricultura familiar, a atenção à sustentabilidade e à resiliência, juntamente com a busca de um sistema de comércio internacional de produtos agrícolas mais justo, transparente e equitativo.
O aumento da produção agrícola e de alimentos brasileira tem sido acompanhado pela busca de crescente sustentabilidade, apoiada na convicção de que sistemas alimentares sustentáveis podem contribuir para o desafio de superar a fome e todas as formas de má-nutrição, ao mesmo tempo em que ajudam no enfrentamento da mudança climática. O Plano Setorial para Adaptação à Mudança do Clima e Baixa Emissão de Carbono na Agropecuária (Plano ABC+), por exemplo, promove o uso de tecnologias e práticas modernas que resultam na redução da intensidade de emissão de carbono, ao mesmo tempo em que promove medidas de adaptação. Para o Brasil, a agricultura é parte da solução para enfrentar a mudança do clima e cumprir as metas do Acordo de Paris e do Marco Global da Biodiversidade de Kunming-Montreal.
A experiência brasileira também tem demonstrado que a promoção de sistemas alimentares sustentáveis pode abrir caminho para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, inclusive os ODS 1 (erradicação da pobreza), ODS 2 (fome zero), ODS 7 (energia acessível e limpa), ODS 8 (trabalho decente e crescimento econômico) e ODS 13 (combate às alterações climáticas). A Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Pnapo), por exemplo, articula um conjunto de ações do governo que lhe possibilitam atuar de forma sistêmica na segurança alimentar e nutricional, no direito à alimentação saudável, na promoção da agrobiodiversidade e no uso sustentável dos recursos naturais.
Para o Brasil, a construção de sistemas alimentares sustentáveis também inclui, como componentes essenciais, iniciativas e políticas de proteção social. O Bolsa Família, por exemplo, programa de transferência condicionada de renda, desempenha papel importante na promoção da segurança alimentar e nutricional, ao mesmo tempo em que contribui para a consecução do ODS 1 (erradicação da pobreza) e ODS 10 (redução das desigualdades). Da mesma forma, o Programa Nacional de Aquisição de Alimentos (PAA), que destina alimentos produzidos pela agricultura familiar para pessoas em situação de insegurança alimentar, e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), o qual oferta refeições saudáveis a mais de 40 milhões de crianças todos os dias, também contribuem para ampliar o acesso a alimentos saudáveis e para fortalecer os sistemas alimentares sustentáveis. Destaca-se que o PNAE apoia o desenvolvimento sustentável, com incentivos para a aquisição de gêneros alimentícios diversificados, produzidos em âmbito local e preferencialmente pela agricultura familiar e pelos empreendedores familiares rurais, priorizando as comunidades tradicionais indígenas e de remanescentes de quilombos. Para isso, há a previsão de aquisição mínima de 30% dos recursos federais em alimentos da agricultura familiar, o que representa, em 2023, um montante de R$ 1.638.572.189,00 (cerca de USD 335.484.253,10, ao câmbio de jul/2023). Além disso, no mínimo 75% dos recursos devem ser destinados à aquisição de alimentos in natura ou minimamente processados, com a obrigatoriedade de fornecimento semanal de frutas in natura, verduras e legumes.
O Brasil reconhece inúmeros desafios a serem superados para se alcançar uma maior sustentabilidade dos sistemas alimentares no país. Nos últimos anos, houve aumento acentuado na pobreza, na insegurança alimentar e nas desigualdades sociais no país. Dados do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 (II VIGISAN), de 2022, mostraram cerca de 33 milhões de pessoas em insegurança alimentar grave e mais da metade da população (58,7%) convivendo com a insegurança alimentar em algum grau. O
relatório SOFI (Estado Mundial da Insegurança Alimentar e Nutricional), divulgado pela FAO em 2022, também apontou 15,4 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar grave no país e 61,3 milhões em situação de insegurança alimentar moderada ou grave. Tais índices reforçam diferenças regionais e socioeconômicas, bem como as desigualdades de raça e gênero. Também agravam a vulnerabilidade de povos e comunidades tradicionais, que historicamente sofrem maior risco de insegurança alimentar e nutricional.
O aumento da fome e da insegurança alimentar e nutricional impactaram nos indicadores de saúde e de nutrição da população, especialmente entre a população em maior vulnerabilidade. A piora no padrão alimentar da população impacta negativamente a múltipla carga da má-nutrição no país, inclusive a prevalência da desnutrição, de carências nutricionais, do sobrepeso e da obesidade, e de Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNTs), além de implicar aumento de custos para o Sistema Único de Saúde (SUS). Em anos recentes, o Brasil experimentou um marcado aumento no consumo de alimentos ultraprocessados, associados ao crescimento dos riscos de obesidade, hipertensão, doenças cardiovasculares, diabetes e cânceres. Dados do IBGE (Pesquisa de Orçamentos Familiares – POF) indicam que, entre 2002-2003 e 2017-2018, houve elevação de 46% na participação
dos alimentos ultraprocessados na dieta nacional, que chegaram a representar 18,4% das calorias consumidas pela população brasileira. Por sua vez, a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) mostrou, em 2019, que 60,3% da população adulta brasileira estava com excesso de peso, dos quais 25,9% com obesidade, enquanto o Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (ENANI), também de 2019, mostrou que 3% das crianças menores de 5 anos apresentavam déficit de peso e 10% tinham excesso de peso.
Para além do aumento da insegurança alimentar e nutricional no país e no mundo, a recente alta dos preços internacionais de alimentos e insumos, assim como a pandemia de Covid-19 e seus impactos, trouxeram à luz a necessidade urgente de fortalecer sistemas alimentares resilientes que, em situações de crises e emergências, sejam capazes de garantir a soberania e a segurança alimentar e nutricional da população, desde a produção até o consumo de alimentos adequados e saudáveis. Tal contexto também ressalta a necessidade de garantir espaços de atuação governamental para a implementação de políticas públicas voltadas a melhorar a segurança alimentar em todos os seus aspectos, em particular a disponibilidade de alimentos e o acesso a eles.
Várias das políticas públicas e programas aqui mencionados, voltados ao fortalecimento da segurança alimentar e nutricional e da agricultura familiar, têm alcançado resultados positivos não apenas nacionalmente, mas também em países com os quais são compartilhados por meio da cooperação internacional para o desenvolvimento implementada pelo Brasil.
O presente documento, produzido no primeiro semestre de 2023, reflete um momento de grande dinamismo político no Brasil. A governança de segurança alimentar e nutricional foi retomada, por meio de ações que incluem, entre outros, (i) o fortalecimento do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional; (ii) a recriação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA); (iii) a retomada das atividades da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (CAISAN), com a participação de 24 ministérios; (iv) a elaboração multisetorial e participativa do Plano Brasil Sem Fome; (v) a realização da 6ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional em dezembro de 2023; e (vi) a previsão de lançamento de um novo Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional em 2024. Merecem também menção outras ações estratégicas, a exemplo do lançamento do Plano Safra da Agricultura Familiar, a elaboração de uma Política Nacional de Abastecimento Alimentar e a definição de uma nova cesta básica brasileira, levando em conta critérios de saúde, sustentabilidade e segurança alimentar e nutricional.
Baixe aqui o documento “Caminhos Nacionais para Sistemas Alimentares Sustentáveis“, em Português
Baixe aqui o documento “National Pathways to Sustainable Food Systems“, em Inglês